Novo marco do seguro rural entra em vigor em 2025 e promete reequilibrar a relação entre produtor e seguradora com regras mais claras; conheça os pontos que mais impactam o produtor rural
Por Leandro Amaral – Você contrata o seguro, paga o prêmio em dia, cuida da lavoura como sempre fez. Aí vem a seca, o granizo ou a praga que ninguém esperava. Você aciona a seguradora e começa o calvário: semanas de espera, pedidos de documentos que nunca acabam, e no final uma negativa baseada em cláusula que você nem sabia que existia.
Essa história é comum demais no campo. Mas a partir de dezembro de 2025, as regras do jogo mudam.
A Lei 15.040 de 2024 criou um novo marco legal para os contratos de seguro privado no Brasil, incluindo o seguro rural. Ela foi sancionada em dezembro de 2024 e passa a valer a partir de 11 de dezembro de 2025. Não resolve tudo, mas melhora o equilíbrio entre produtor e seguradora.
Um ponto decisivo é o alcance dessa nova lei. Em linhas gerais, ela se aplica apenas aos contratos de seguro firmados depois do início da sua vigência. Em outras palavras, quem contratar ou renovar o seguro rural após essa data, dentro das condições que caracterizam um novo contrato, passa a ficar sujeito às novas regras. As apólices antigas continuam, em regra, no regime anterior.
A lei não mexe no zoneamento agrícola, na política de subvenção ao prêmio do seguro rural, nem nas regras técnicas definidas pela Susep e pelo Ministério da Agricultura para cada cultura. Essas regras continuam valendo. O que muda é a forma como o contrato de seguro é formado, interpretado, executado e encerrado. O foco é reequilibrar a relação entre segurado e seguradora, reforçando boa-fé, transparência e prazos claros.
A seguir, destaco os pontos que mais impactam o produtor rural.
1 – Cláusula confusa não vale mais
A lei exige que as exclusões de cobertura sejam descritas de forma clara e inequívoca. Acabou o tempo de negativa baseada em frase genérica perdida no meio do contrato.
Se a cláusula não deixa claro o que está excluído, ela não pode ser usada contra você.
Isso não significa que você pode relaxar. Pelo contrário. Leia a apólice antes de assinar. Pergunte o que cada exclusão significa na prática. Uma apólice mal escolhida ainda pode destruir sua safra financeiramente, mesmo com a nova lei.
2 – A seguradora não pode cancelar o contrato no meio da safra
Antes, algumas seguradoras cancelavam contratos de forma unilateral, sem aviso prévio, deixando o produtor descoberto no pior momento possível.
Em termos práticos, a seguradora não pode simplesmente cancelar o seguro no meio da safra por ato de vontade isolada. Situações como inadimplência, fraude ou outras hipóteses legais continuam podendo levar à suspensão ou resolução, mas com procedimento, prazos e notificações claras.
Isso reduz o risco de o produtor descobrir, no meio de uma estiagem ou após uma geada, que a apólice foi cancelada sem comunicação adequada.
Essa proteção é especialmente importante no seguro agrícola, onde o timing é tudo. Perder cobertura entre o plantio e a colheita pode significar a diferença entre prejuízo administrável e quebra total.
3 – A seguradora tem prazo para responder sua proposta
Você envia a proposta de seguro e fica esperando. A janela de plantio passa, o risco aumenta, e a seguradora não diz nem sim nem não.
A nova lei resolve isso. A seguradora tem 25 dias para analisar sua proposta e responder. Se não responder, considera-se aceita. E se recusar, precisa justificar os motivos de forma clara.
Isso muda a dinâmica. Você sabe exatamente quando terá resposta. Se vier negativa, pode corrigir o problema ou buscar outra seguradora ainda dentro da janela.
4 – Prazos claros para análise do sinistro
Depois que você avisa o sinistro e entrega os documentos exigidos, a seguradora tem prazo para dizer se vai pagar ou não. Se ficar em silêncio, perde o direito de negar a cobertura.
O prazo padrão é de 30 dias. Mas nos contratos de seguro agrícola, que envolvem maior complexidade técnica, o prazo pode chegar a 120 dias.
A seguradora pode pedir documentos complementares e suspender o prazo até duas vezes. Mas precisa justificar o pedido. Não pode inventar exigência só para ganhar tempo.
Reconhecida a cobertura, a seguradora tem mais 30 dias para pagar. Se atrasar, paga multa de 2%, correção monetária e juros. A conta do atraso agora pesa no bolso de quem enrola.
5 – Mudança no risco precisa ser comunicada
A lei reforça que você deve avisar a seguradora sobre qualquer evento que agrave significativamente o risco. Mudou a variedade? Plantou fora da janela? Alterou o manejo? Detectou praga? Comunique.
A seguradora tem 20 dias para reagir: pode cobrar a diferença de prêmio ou, se o novo risco não for tecnicamente segurável, resolver o contrato com 30 dias de antecedência.
Mas aqui vem a proteção: mesmo que você não avise, a seguradora só pode negar a indenização se provar que existe relação direta entre o agravamento e o sinistro. Não basta alegar. Tem que demonstrar.
Minha recomendação: registre tudo. Fotos, relatórios agronômicos, laudos técnicos. Quando o sinistro acontece, memória vira papel. E papel vira prova.
6 – Se a seguradora transferir o contrato, ela continua responsável
Imagine que sua seguradora vende a carteira para outra empresa. Essa nova empresa quebra. Quem paga?
Pela nova lei, a seguradora original responde solidariamente se a transferência não foi feita corretamente ou se a nova empresa se torna insolvente dentro do período de vigência do seguro ou em até 24 meses após a cessão.
Para o produtor rural, isso significa uma rede de proteção adicional. Se o seguro rural foi transferido de uma seguradora para outra e esta quebra pouco tempo depois, a seguradora original não desaparece da cena. Ela continua solidária, dentro desses limites temporais, perante o segurado.
7 – O prazo para ir à Justiça ficou mais claro
Se a seguradora negar a cobertura, você tem 1 ano para questionar judicialmente, contado da data em que recebeu a recusa formal e motivada. Beneficiários e terceiros prejudicados têm 3 anos a partir do fato gerador.
Tem um detalhe importante: se você pedir reconsideração da negativa, o prazo fica suspenso até a seguradora responder. Mas isso só vale uma vez.
O erro mais comum que vejo é produtor guardar a negativa na gaveta esperando que o problema se resolva sozinho. Não espera. Procure orientação jurídica imediatamente. Prazo perdido é direito perdido.
8 – O que a lei não resolve
A Lei 15.040 melhora o ambiente contratual, mas não substitui o zoneamento agrícola, as regras de subvenção, os critérios técnicos por cultura, nem as normas específicas da SUSEP.
Você ainda precisa analisar a apólice com cuidado, verificar o enquadramento técnico, respeitar a janela de plantio e cumprir as exigências do programa de seguro rural.
No campo, detalhe faz diferença. No seguro, faz ainda mais.
9 – O que fazer agora
Mesmo antes da lei entrar em vigor, você pode se preparar:
- Revise suas apólices atuais com olhar crítico
- Identifique exclusões que podem gerar conflito
- Documente todo o processo produtivo com fotos e laudos
- Comunique alterações relevantes à seguradora por escrito
- Avise o sinistro imediatamente quando acontecer
- Guarde todos os protocolos e comunicações
- Não confie apenas na palavra do corretor
- Busque orientação especializada ao primeiro sinal de problema
O seguro rural é mais do que um documento. É a proteção do seu patrimônio, do seu fluxo de caixa e da continuidade da sua operação. A nova lei traz avanços reais, mas não elimina a necessidade de estratégia e acompanhamento.
Em um cenário de riscos crescentes, informação e planejamento continuam sendo as melhores defesas de quem vive do campo.
Você pode acessar o Canal do WhatsApp Observatório do Agro. Caso queria conversar sobre o assunto ou tirar alguma dúvida, entre em contato com o escritório clicando aqui.
*Leandro Amaral é advogado com atuação especializada no Agronegócio desde 2004; com atuação destacada em crédito rural, recuperação judicial de produtores e reestruturação de dívidas agrícolas Master of Laws em Direito Empresarial pela FGV, MBA em Direito do Agronegócio pelo Ibmec; Especialista em Recuperação de Empresas e Gestão Patrimonial pelo Insper; Especialista em Contratos do Agronegócio pelo IBDA; Certificação Febraban em Crédito Rural; Administrador Judicial pela Esmeg; membro da U.B.A.U. – União Brasileira dos Agraristas Universitários e da Academia Brasileira de Crédito do Agro; Sócio fundador do escritório Amaral e Melo Advogados e da Empresa de Consultoria AgriCompany.
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