Da costa árida do Peru às estufas de alta tecnologia no Kuwait, China e Oriente Médio, regiões antes inóspitas se tornam polos de produção graças a sistemas inteligentes na agricultura transformam o deserto em solo fértil.
A transformação dos desertos em polos agrícolas produtivos deixou de ser exceção para se tornar um movimento global. O avanço de tecnologias como irrigação de alta eficiência, agricultura em ambiente controlado, nanoargila líquida e restauração de solos está mudando a lógica da produção de alimentos em locais antes considerados impróprios para qualquer cultivo. A tendência na agricultura já impacta diretamente a segurança alimentar mundial, impulsiona novos mercados e cria oportunidades inéditas em regiões onde antes só havia poeira, calor e escassez de água.
Da costa árida do Peru às estufas de alta tecnologia no Kuwait, China e Oriente Médio, regiões antes inóspitas se tornam polos de produção graças a sistemas inteligentes de irrigação, hidroponia, energia solar e técnicas que transformam areia em solo fértil.
Essa evolução ocorre em um momento no qual o mercado de agricultura em regiões desérticas apresenta um crescimento acelerado, estimado em 6,22% ao ano entre 2023 e 2029, ritmo superior ao do mercado agrícola global, projetado para 5,66% no mesmo período. A combinação entre ciência, engenharia e gestão inteligente da água tem transformado a paisagem física e econômica de vários países.
Embora pareça um fenômeno recente, a agricultura em regiões áridas existe há milênios. Uma das primeiras práticas conhecidas ocorreu no Deserto do Negev, por volta de 5000 a.C., quando agricultores criavam depressões naturais para capturar água da chuva. Hoje, porém, a tecnologia elevou essa lógica a outro patamar.

Regiões como o Vale Imperial (Califórnia) e o Vale do Rio Salgado (Arizona), nos Estados Unidos, são exemplos modernos de como a irrigação intensiva, aliada ao manejo de aquíferos e infraestrutura hídrica, pode transformar desertos em cinturões agrícolas extremamente produtivos.
As tecnologias na agricultura que estão remodelando os desertos
Irrigação de precisão
A irrigação por gotejamento — pioneira em Israel — reduz perdas por evaporação em até 80%. Já os sistemas de pivô central, comuns na Arábia Saudita, Egito e Iraque, diminuem o consumo de água em mais de 50% quando comparados aos métodos tradicionais de inundação.
Agricultura em Ambiente Controlado (CEA)
Estufas, fazendas verticais e sistemas hidropônicos criam ambientes ideais para o cultivo mesmo sob calor extremo. Em alguns casos, a redução do uso de água chega a 90%, com produção contínua durante todo o ano.
Restauração de solos e “solificação”
Pesquisadores chineses desenvolveram uma técnica capaz de transformar areia em solo fértil por meio de uma pasta à base de água que altera suas propriedades físicas, permitindo a retenção de água e nutrientes.

Energias renováveis
A energia solar alimenta bombas, sistemas de resfriamento e unidades de dessalinização, permitindo transformar água do mar ou salobra em recurso utilizável para irrigação.
Culturas adaptadas
Variedades resistentes ao sal, ao calor e à seca — como halófitas e sementes geneticamente desenvolvidas — garantem maior produtividade em condições extremas.
Peru: o deserto que virou pomar e potência agroexportadora
O caso peruano é um dos mais emblemáticos do mundo. As vastas planícies desérticas de Ica, antes marcadas por poeira, vento e escassez absoluta de água, foram transformadas em pomares de alta produtividade.
Até a década de 1990, era impensável imaginar que áreas do litoral desértico peruano pudessem produzir frutas. Hoje, porém, vastas plantações de mirtilo, manga e abacate se espalham pela costa árida.
O país criou um modelo de irrigação de alta eficiência, aliado a projetos de canais e dessalinização, que levou água a áreas antes improdutivas.

O resultado é extraordinário:
- Exportações agrícolas cresceram 11% ao ano entre 2010 e 2024
- Recorde histórico de US$ 9,185 bilhões em 2024
- Maior exportador mundial de uvas e mirtilos
- Mirtilos, que quase não existiam no Peru antes de 2008, hoje dominam o mercado global
A faixa de deserto entre o Pacífico e os Andes se converteu em um dos maiores pomares contínuos do planeta, reinventando a economia agrícola peruana.
Kuwait: bananas no deserto com tecnologia chinesa
A mais de uma hora da Cidade do Kuwait, na região árida de Al Wafrah, o agricultor Sari Al-Azmi realizou o improvável: produziu as primeiras bananas cultivadas localmente no Kuwait.
As estufas da fazenda, equipadas com tecnologia chinesa — de ventilação automatizada a sistemas de resfriamento por água — permitem temperaturas internas agradáveis mesmo sob o calor escaldante.
“Esta é a primeira safra de bananas produzidas no Kuwait”, disse emocionado, celebrando o marco histórico.
Estufas, tratores, ferramentas, fitas e sistemas de controle ambiental: quase tudo vem da China, fruto da cooperação via Iniciativa Cinturão e Rota. Essa parceria permitiu ao país transformar lotes inteiros de deserto em produção agrícola estável.

Iraque: trigo no coração do deserto de Najaf
Com rios Tigre e Eufrates em declínio, agricultores iraquianos tiveram de se reinventar. O agricultor Hadi Saheb, por exemplo, perfurou poços no deserto de Najaf para sustentar suas plantações, apoiado por um programa governamental que subsidia irrigação e compra a colheita a preços preferenciais.
Antes dependente da chuva, Saheb agora cultiva 20 vezes mais terra e elevou sua colheita para 250 toneladas de trigo.
O pivô central substituiu o antigo método de inundação, economizando pelo menos 50% de água e tornando viável a agricultura em pleno deserto.

China: hidroponia no Deserto de Taklamakan
Na região de Xinjiang, uma estufa inteligente construída em Kuqa prova que tecnologia pesada pode vencer até os desertos mais hostis.
- Área: 7.000 m²
- Produção: alface, espinafre e morangos sem solo
- Sistema: hidroponia, automação total, sensores de clima, energia limpa
- Benefício: produção anual estável com mínimo uso de água e zero pesticidas
O projeto faz parte da estratégia chinesa de modernizar suas regiões áridas usando inteligência artificial, energia solar e agricultura vertical.
Do Peru ao Kuwait, do Iraque à China, os desertos estão se tornando novos centros estratégicos de produção agrícola.
Essas regiões representam:
- expansão sem necessidade de desmatamento
- maior eficiência no uso de água
- crescimento acima da média do agronegócio mundial
- novas oportunidades econômicas em áreas remotas
- alternativas concretas para segurança alimentar global
A produção agrícola nos desertos deixou de ser apenas prova de resistência humana para se tornar uma das fronteiras mais promissoras do agronegócio mundial — e tudo indica que, nas próximas décadas, será um dos pilares que sustentarão a alimentação do planeta.
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