Agronegócio se rende à tecnologia e aposta em soluções criadas por startups

Depois de uma lenta maturação, setor de agtechs vence tradicionalismo no campo, e atrai agricultores e investidores, movimentando acima de US$ 70 milhões em aportes ao ano.

Depois da explosão das fintechs, que conseguiram constituir um mercado de empresas multibilionárias em valor de mercado, agora é a vez das agtech (ou agritechs), as startups voltadas para os agronegócios. Os investimentos nessas empresas dispararam nos últimos três anos, atingindo um novo patamar, mesmo num período de juros altos e de crédito escasso na economia.

Segundo dados da empresa de pesquisas Distrito, até 2019, nenhum ano havia registrado mais de US$ 20 milhões em investimentos em agtechs. A partir da pandemia, o mercado mudou de tamanho, superando os US$ 70 milhões (R$ 352 milhões pela cotação do dólar de sexta, 29) por dois anos seguidos, para culminar nos US$ 273 milhões (R$ 1,3 bilhão) registrados em 74 investimentos feitos, em 2022, um ano que para o restante do ecossistema de startups foi muito difícil, por causa da alta de juros por todo o mundo.

Foto Freepik   jcomp

Para este ano, que permanece afetado pela aversão ao risco dos investidores, a expectativa é de menos investimentos frente a 2022, mas ainda assim se mantendo no patamar superior alcançado desde 2020. Até o fim de setembro, foram realizados 18 negócios, que movimentaram US$ 47 milhões (R$ 236 milhões).

agricultores e investidores
Foto Marco Flávio

“Vemos um amadurecimento do segmento no Brasil. Cresceu o número de rodadas de investimentos, em geral, mas também nas etapas de investimentos mais avançadas, que movimentam mais recursos”, afirma o executivo-chefe de pesquisas da Distrito, Eduardo Fuentes.

“Assim, a queda de 2023 não configura algo alarmante. Aconteceu um crescimento consistente da área. No ano passado, ele cresceu em número de rodadas e mais do que triplicou em volume de recursos, enquanto o mercado de venture capital caiu cerca de 50%.”

Um dos negócios recentes que chamou a atenção foi a compra, no último mês, da Biotrop, de Vinhedo (SP), uma agtech focada em desenvolvimento de insumos biológicos para o plantio. A aquisição foi feita pelo grupo belga Biobest. O negócio avaliou a empresa brasileira em aproximadamente R$ 2,8 bilhões. A Biotrop pode faturar este ano R$ 700 milhões.

No ano passado, a plataforma de informações Agrotools também fechou captação, de R$ 107 milhões, e foi avaliada em quase R$ 500 milhões, em aporte liderado pelo Inovabra, fundo do Bradesco, e pela gestora de recursos KPTL.

A empresa chamou a atenção por ter criado o que considera o maior banco de dados de agronegócios do mundo, que permite monitorar riscos e a cadeia de fornecimento, e garantir que práticas de sustentabilidade, no conceito ESG, estão sendo seguidas.

“Para o agro ser 100% ESG, ele precisará ser 100% digital”, diz o sócio da consultoria PwC e CEO do hub de inovação AgTech Garage, José Tomé.

Atuações diversas

Essas duas agtechs demonstram a diversidade de inovações criadas por essas empresas e como a digitalização do agro acontece em diversas frentes. Existem hoje 598 agtechs ativas no País, segundo a Distrito. Dessa forma, o Brasil responde por 76,5% das startups do tipo na América Latina. A contabilização da Embrapa soma mais de 1 mil empresas locais, mas ela considera também as agtechs que estão inativas e as foodtechs, como são as empresas que desenvolvem carne vegana e outros alimentos alternativos.

O segmento mais representativo das empresas (46,8%) se dedica a oferecer tecnologias para a produção, como inovações para aplicações no plantio e o uso de drones. Ele é seguido por agtechs voltadas à gestão das fazendas (25,7%). Mas alguns subsegmentos vêm chamando bastante atenção e são vistos como bastante promissores. Um deles é o de biotechs, de tecnologias biológicas, incluindo a Biotrop.

Outro consiste nas agfintechs. Ele é composto por empresas como a Bart, que são um misto de fintechs e agtechs e que desenvolvem soluções financeiras, em especial, formas de financiamento para o crédito agrícola. Esse subsegmento ainda não é tão representativo em número de empresas, mas movimenta quantias elevadas, surfando no amadurecimento já conquistado pelas fintechs.

Pressão global

O florescimento das agtechs obedece a uma necessidade global pelo aumento de produtividade no campo e que isso aconteça de forma sustentável e sem a ampliação do espaço de produção, causando menor impacto para o meio ambiente. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) estima que a produção global de alimentos precisa crescer 60% até 2050 para abastecer os 9 bilhões de pessoas que viverão no planeta.

Tal demanda deve ser acompanhada por outros desafios para os agricultores, como o aumento da competição e as incertezas e riscos trazidos pelas mudanças climáticas. Isso tudo, mais o aumento do peso do setor agro no PIB, tem ajudado as agtechs a tirarem um atraso histórico de uso de tecnologias no campo. Elas estão vencendo resistências de empresários mais tradicionalistas e avessos a grandes revoluções tecnológicas.

“O agro até demorou um pouco para chegar ao estágio atual. A conectividade de internet no campo não era boa, houve ainda uma demora para as soluções atingirem uma maturidade maior, mas ela chegou”, diz o gestor Francisco Jardim, cofundador da SP Ventures, um fundo com R$ 500 milhões sob gestão para investir em etapas iniciais de agtechs e foodtechs. Entre os investidores do fundo estão grandes empresas como Syngenta, Basf, Bunge, Yara, Mosaic e Banco do Brasil.

Campus da AgTech Garage, no Vale do Piracicaba, polo tecnológico no interior paulista, nas proximidades da sede da Raízen e da Esalq. Foto  AgTech Garage

Polos de desenvolvimento

Quase metade das agtechs está em São Paulo, com 41% das empresas na região, de acordo com a Distrito. Logo em seguida vem os Estados de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, com 11,8% cada. São 75 agtechs em cada um deles.

Entre os polos mais ativos de criação dessas empresas, estão os de Piracicaba (SP), onde fica a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), de São José dos Campos (SP) e de Londrina (PR) (Estadão, 1/10/23)

Biotrop, especializada em controle de pragas e doenças em plantas, vai se internacionalizar

Fundada em 2018, a Biotrop, sediada em Vinhedo (SP), deve ser uma das primeiras agtechs brasileiras com alcance global. No começo de setembro, foi anunciada a sua compra pelo grupo belga Biobest, especializado em biocontrole de pragas e doenças nas plantações. As ações pertenciam ao fundo de private equity da Aqua Capital e ao GIC, fundo soberano de Cingapura.

A transação avaliou a empresa brasileira em R$ 2,8 bilhões, que se mostrou atraente ao capital internacional por causa de seus cerca de 20 produtos biológicos criados e por um faturamento que já deve se aproximar dos R$ 700 milhões neste ano. Agora, a Biobest deve aproveitar essa oferta para levar os insumos ao mercado internacional, incluindo para a África e a Ásia.

“O Brasil está 10 anos à frente da Europa e cinco, à frente dos EUA em uso de insumos biológicos”, afirma o diretor de estratégia e inovação da Biotrop, Jonas Hipólito. O mercado nacional movimenta em torno de US$ 1,2 bilhão em negócios e vem gradualmente avançando frente aos agroquímicos, que movimentam US$ 18 bilhões, mas que crescem pouco, por serem mais agressivos para o meio ambiente.

O potencial dos produtos biológicos substituírem ou complementarem essas aplicações químicas é considerado grande. “O mercado brasileiro de defensivos é o maior do mundo, até por causa do clima tropical, que traz mais pragas e também que permite mais safras anuais, exigindo um manejo mais eficiente”, diz Hipólito.

“Os produtos biológicos entraram numa espiral positiva. Eles funcionavam no laboratório, mas a tecnologia avançou, o agricultor começou a comprar, a sociedade prefere eles aos químicos e o custo ficou competitivo. O momento da virada chegou.”

A Biotrop começou como uma empresa de inoculantes, que são bactérias fixadoras de nitrogênio, uma tecnologia na qual a Embrapa foi pioneira. Era um produto de baixo custo, mas de alta eficiência, poupando centenas de reais com adubos.

Depois, ela passou a atuar com bioestimulantes, que ajudam as plantas a tolerar espécies, e avançou em biocontrole, como biofungicidas e bioinseticidas. “Comentamos muito dentro da empresa que não há nada tão poderoso como uma ideia que chega ao seu tempo”, diz o executivo.

Fonte: Brasil agro

ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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