Mais do que apenas ganhar peso, a terminação de fêmeas é sobre melhorar o rendimento de carcaça e o preço da arroba. Analisamos os dados de GPD, conversão alimentar e o “ponto de abate” que define o lucro da operação
No dia a dia da pecuária de corte, a “vaca de descarte” é frequentemente vista como o fim da linha. Um animal que já cumpriu seu ciclo reprodutivo, está magro (frequentemente com Escore de Condição Corporal – ECC abaixo de 2) e representa, para muitos, mais um problema a ser resolvido do que uma oportunidade de negócio. A mentalidade padrão é vender rápido, “limpar o pasto”, e aceitar o preço baixo que o frigorífico impõe, sem questionar.
Este é um erro estratégico que custa caro.
O que o mercado chama de “vaca magra”, o gancho do frigorífico traduz em números frios: um duplo prejuízo. O primeiro é óbvio: menos peso total, resultando em menos arrobas na balança. O segundo, mais sutil e financeiramente devastador, é o deságio no preço da arroba. Uma carcaça sem cobertura de gordura (o “acabamento” mínimo de 3mm) tem um rendimento (RC) pífio, muitas vezes abaixo de 48%, e recebe a pior classificação na planta, o que derruba seu valor.
É exatamente aqui que a pecuária de precisão transforma um passivo em um dos ativos de maior giro de caixa da propriedade.
E se, em vez de um “descarte”, essa fêmea fosse tratada como uma “operação de curto prazo”? A terminação estratégica de vacas é uma corrida de 40 a 60 dias com o poder de reescrever essa história. O objetivo não é simplesmente adicionar peso; é reclassificar a carcaça. É elevar um animal de um RC de 48% para 52% ou mais. É adicionar a capa de gordura que muda o status do animal de “penalizado” para “valorizado”.
Nesta matéria, vamos analisar a fundo a ciência e a economia por trás dessa transformação: o que oferecer no cocho para essa engorda-relâmpago, quais os dados reais de conversão alimentar, quanto custa a operação e, o mais importante, qual o “ponto de abate” exato para parar a dieta e maximizar o lucro antes que a eficiência despenque.
A Fisiologia Manda: O Foco é Gordura, Não Músculo
Esta é a principal diferença: vacas adultas já passaram da fase de crescimento muscular (hipertrofia) eficiente. Elas estão na fase final da curva de crescimento, onde a energia da dieta é direcionada prioritariamente para a deposição de gordura.
O alvo é claro: atingir um mínimo de 3 a 4 milímetros de gordura subcutânea (EGS).
Para isso, a dieta é invertida em relação a uma recria:
- Alta Energia: O Nível de NDT (Nutrientes Digestíveis Totais) deve ser altíssimo, idealmente entre 75% a 80% na matéria seca (MS).
- Proteína Moderada: A PB (Proteína Bruta) cumpre uma função de manutenção e suporte metabólico, ficando entre 12% a 15% na MS.
Comparativo de Estratégias: Dados de Desempenho (GPD e CA)
A escolha do sistema impacta diretamente a velocidade e o custo da operação. Veja os dados esperados para cada modelo:
| Estratégia de Terminação | Dieta (Exemplo) | Período Médio | GPD Esperado (kg/dia) | Conversão Alimentar (MS) |
| 1. Alto Grão (Dietas Quentes) | 85% Milho Grão Inteiro + 15% Núcleo Específico | 30 – 50 dias | 1.7 – 2.0+ kg | 6:1 a 8:1 (kg MS / kg ganho) |
| 2. Confinamento Tradicional | 50% Silagem de Milho + 50% Concentrado (Milho + Farelo) | 50 – 70 dias | 1.3 – 1.6 kg | 8:1 a 10:1 (kg MS / kg ganho) |
| 3. Semi-Confinamento (Alto Nível) | Pasto (volume) + Suplemento (1.5% a 2% do Peso Vivo) | 60 – 80 dias | 1.0 – 1.3 kg | (Depende da qualidade do pasto) |
Análise dos Dados:
- GPD (Ganho de Peso Diário): Note como as dietas “quentes” (Alto Grão) entregam um GPD superior. Isso é crucial para encurtar o ciclo.
- CA (Conversão Alimentar): A conversão em vacas é naturalmente pior que a dos novilhos (que podem fazer 5:1). O objetivo é manter a CA abaixo de 10:1.
O Ponto Cego da Operação: A Queda na Eficiência (O Limite dos 60 Dias)
Este é o dado mais crítico que muitos pecuaristas ignoram: a eficiência alimentar de vacas de descarte despenca após 60-70 dias de cocho.
- Nos primeiros 40 dias: O animal está “vazio” e responde rapidamente. A conversão alimentar é ótima (ex: 7:1) e o ganho é focado em preencher o vazio e adicionar gordura de cobertura.
- Após 60 dias: A vaca atinge o acabamento. A partir daqui, a energia da dieta passa a ser convertida em gordura visceral (sebo) — uma gordura interna, pesada, que fica nas vísceras e não é paga pelo frigorífico.
Dados de pesquisa (Embrapa e universidades) mostram que a conversão alimentar, que pode ser de 7:1 nos primeiros 30 dias, pode disparar para 12:1 ou 15:1 após os 70 dias.
Em termos financeiros: Manter uma vaca no cocho após ela atingir o acabamento (ECC 3.5 a 4) é literalmente queimar ração. O custo da diária passa a ser maior que o valor do ganho de peso.
Simulação: Onde Está o Lucro?
Vamos simular uma operação de 50 dias com uma dieta de Confinamento Tradicional de alta performance (GPD de 1.7 kg, Custo da Diária de R$ 19,00).
Cenário A: Vender a Vaca Magra
- Animal: Vaca de descarte, 390 kg.
- Rendimento (RC): 48% (carcaça magra).
- Peso Carcaça: (390 kg * 0.48) / 15 = 12.48 @
- Preço da Arroba (com deságio): R$ 195,00
- RECEITA BRUTA (MAGRA): R$ 2.433,60
Cenário B: Engordar por 50 Dias
- Custo da Operação: 50 dias * R$ 19,00/dia = R$ 950,00 por cabeça.
- Ganho de Peso: 50 dias * 1.7 kg/dia = 85 kg
- Peso Final de Abate: 390 kg (inicial) + 85 kg (ganho) = 475 kg
- Rendimento (RC): 52% (melhorou com o acabamento).
- Peso Carcaça: (475 kg * 0.52) / 15 = 16.46 @
- Preço da Arroba (com prêmio): R$ 215,00
- RECEITA BRUTA (GORDA): R$ 3.538,90
Análise Econômica da Engorda:
| Métrica | Valor |
| Receita (Venda Gorda) | R$ 3.538,90 |
| (Menos) Custo da Ração/Diárias | (R$ 950,00) |
| (Menos) Valor de Oportunidade (Vaca Magra) | (R$ 2.433,60) |
| LUCRO LÍQUIDO DA OPERAÇÃO | + R$ 155,30 por cabeça |
Conclusão da Simulação: O lucro não veio apenas das 4 arrobas a mais (16.46 vs 12.48). Ele veio da combinação de:
- Mais arrobas (+4 @).
- Melhor rendimento de carcaça (+4 pontos percentuais).
- Um preço por arroba R$ 20,00 maior (o fim do deságio).
O Papel dos Aditivos: O “Ajuste Fino” da Dieta
Para garantir que a dieta de alta energia funcione sem distúrbios (como a acidose), aditivos são essenciais:
- Ionóforos (ex: Monensina): São cruciais. Eles selecionam bactérias ruminais mais eficientes, o que resulta em uma melhora de 10% a 12% na eficiência alimentar. Ou seja, produzem o mesmo quilo de carne com 10% menos ração.
- Leveduras Vivas (Saccharomyces cerevisiae): Atuam como estabilizadores do pH ruminal. Elas “limpam” o excesso de ácido lático, permitindo que as bactérias da fibra trabalhem melhor e aumentando o consumo de matéria seca (CMS), o que é vital em dietas curtas.
A engorda de vacas de descarte é uma das estratégias de ciclo mais curto da pecuária, mas não aceita amadorismo. Ela exige monitoramento constante do consumo, leitura de cocho e, acima de tudo, saber a hora exata de parar. O lucro está em atingir 3mm de gordura no menor tempo possível e com a máxima eficiência alimentar, transformando um animal de deságio em uma carcaça de prêmio.
Escrito por Compre Rural
VEJA MAIS:
- Suíno de R$ 20 mil é morto a tiros por vizinho; Entenda
- O império do Avestruz Master: o golpe de R$ 1 bilhão que enganou 40 mil brasileiros
ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias
Não é permitida a cópia integral do conteúdo acima. A reprodução parcial é autorizada apenas na forma de citação e com link para o conteúdo na íntegra. Plágio é crime de acordo com a Lei 9610/98.