Angola: potência adormecida entre o solo fértil e os riscos geopolíticos

Listamos todos os pilares necessários para que Angola torne-se não apenas um celeiro da África, mas um protagonista mundial na produção de alimentos nos próximos 20 anos

Angola, um dos maiores países do continente africano em extensão territorial, desponta gradualmente como um polo de desenvolvimento agropecuário. Com solos férteis, vastas áreas aráveis e uma população jovem em sua maioria rural, o país tem avançado na produção de alimentos e na recuperação da sua capacidade produtiva, duramente afetada por décadas de guerra civil.

No entanto, apesar do crescimento observado nos últimos anos, os entraves estruturais, os desafios da segurança jurídica no campo e as vulnerabilidades geopolíticas ainda pesam sobre o ritmo da evolução do setor.

A safra agrícola de 2023/2024 marcou um crescimento importante para o país. Foram produzidas 26,99 milhões de toneladas de alimentos, um avanço de 4,6% em relação ao período anterior. Tubérculos como mandioca, batata-doce e inhame representaram o maior volume, com 14,51 milhões de toneladas. As frutas somaram 6,78 milhões de toneladas, os cereais chegaram a 3,47 milhões, as hortaliças a 2,24 milhões e as leguminosas e oleaginosas fecharam o ciclo com cerca de 650 mil toneladas.

António da Costa exibe orgulhosamente duas espigas de milho totalmente crescidas da sua plantação de milho de 72 hectares. Foto: Wilson Piassa / Banco Mundial
António da Costa exibe orgulhosamente duas espigas de milho totalmente crescidas da sua plantação de milho de 72 hectares. Foto: Wilson Piassa / Banco Mundial

Para a safra 2024/2025, o Ministério da Agricultura angolano projeta um crescimento ainda maior, com previsão de 29,22 milhões de toneladas, o que corresponderia a um salto de 8,3%.

Paralelamente, o setor pecuário também apresenta sinais vigorosos de recuperação. Entre 2019 e 2024, houve um crescimento de 143% na produção pecuária, com destaque para a avicultura e a suinocultura. A produção de carne e leite, que durante muito tempo foi insuficiente para abastecer o mercado interno, agora se fortalece gradativamente, alavancada por políticas públicas como o Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI).

producao de milho na angola
Foto: Wilson Piassa / Banco Mundial

Um dos vetores fundamentais para o avanço da pecuária angolana tem sido a cooperação internacional, especialmente com o Brasil. Reconhecido mundialmente por sua excelência na produção de genética bovina, o Brasil tem desempenhado um papel estratégico na revitalização da bovinocultura em Angola.

Girolando na Angola, pais africano
Foto: Marcos Vinícius G.B. Silva

Diversos programas bilaterais e iniciativas comerciais viabilizaram a exportação de sêmen, embriões e até mesmo reprodutores das raças Nelore e Girolando — altamente adaptadas ao clima tropical — contribuindo diretamente para o melhoramento genético do rebanho angolano.

Essa transferência de tecnologia genética tem permitido a Angola aumentar a produtividade de carne e leite, além de melhorar a rusticidade dos animais frente às adversidades do clima africano. A parceria com instituições brasileiras de pesquisa e empresas de inseminação artificial também oferece capacitação técnica local, o que fortalece a sustentabilidade e a autonomia do setor pecuário no país africano.

Outro destaque importante é o desempenho do trigo, cuja produção saltou de apenas 4 mil toneladas em 2019 para 37 mil toneladas em 2024, um crescimento de mais de 800%, sinalizando a eficácia dos investimentos públicos e privados em mecanização e irrigação.

Apesar desses resultados, Angola ainda utiliza apenas uma pequena parcela de seu imenso potencial agrícola. O país possui entre 35 e 58 milhões de hectares de terras com vocação agrícola, mas apenas cerca de 5 milhões estão efetivamente cultivados — o que representa de 15% a 17% do total.

A grande maioria das lavouras, aproximadamente 66%, ainda é cultivada de forma manual, 28% com tração animal e apenas 6% com o uso de maquinário agrícola. A agricultura familiar domina o cenário rural, sendo responsável por mais de 90% da área cultivada e envolvendo cerca de 1,7 milhão de famílias.

solo de alta qualidade da Angola
Foto: PRODESI / WSJ

Os solos angolanos, em sua maioria, são férteis, especialmente nas regiões de planalto central e nas bacias hidrográficas do Kwanza, Zambeze e Cunene. No entanto, a limitação da infraestrutura, a escassez de sistemas modernos de irrigação e o acesso limitado à assistência técnica e ao crédito dificultam uma expansão mais acelerada. Muitas áreas continuam subutilizadas devido à herança deixada pela guerra civil (1975–2002), que devastou pontes, estradas, sistemas de energia e, sobretudo, contaminou amplas regiões com minas terrestres, inviabilizando a plena ocupação do território rural.

O governo tem buscado reverter esse cenário com políticas integradas. Através do PRODESI e de iniciativas como o Planagrão, lançado em 2022, Angola pretende duplicar sua produção de cereais até 2027, reduzir drasticamente as importações de alimentos e atingir a autossuficiência alimentar. Em 2022, o país importou cerca de US$ 3 bilhões em alimentos, o que torna essa meta ainda mais relevante. Há sinais de avanço: algumas fazendas médias já implementaram rotação de culturas, irrigação por pivô central e uso de sementes melhoradas, alcançando produtividades superiores a 5 toneladas por hectare no cultivo de milho.

A qualidade dos produtos agropecuários também vem melhorando. Nas regiões central e sul do país, a produção de frutas como banana e abacaxi já atinge volumes expressivos, com mais de 4,8 milhões de toneladas de bananas e 760 mil toneladas de abacaxi. Hortaliças e grãos como milho e feijão também apresentam aumento de qualidade, especialmente entre os produtores que recebem assistência técnica do governo ou de parceiros internacionais. A cafeicultura, por sua vez, está em recuperação. Na safra 2022/2023, foram colhidas mais de 13 mil toneladas de café em fruto, sendo cerca de 6,2 mil toneladas de café beneficiado prontos para exportação.

Contudo, nem tudo são flores no campo angolano. A insegurança jurídica sobre a posse da terra continua sendo um dos maiores entraves ao desenvolvimento do setor. A legislação fundiária de 2004 procurou converter os direitos costumeiros das comunidades rurais em títulos legais, mas, na prática, essa conversão ainda é incipiente.

A coexistência de direitos informais e a ausência de registro legal consolidado criam um ambiente de insegurança para pequenos, médios e até grandes investidores. Isso favorece conflitos de terra, grilagem, especulação e desconfiança dos investidores estrangeiros, que enxergam no campo angolano um risco jurídico ainda elevado.

O histórico de conflitos armados também pesa sobre a percepção de risco. A guerra civil, que terminou oficialmente em 2002, deixou profundas cicatrizes sociais, econômicas e logísticas. Ainda hoje, em áreas remotas, comunidades convivem com o receio de disputas territoriais e a presença de minas terrestres não removidas. Adicionalmente, o ambiente político, embora estável nos últimos anos, ainda é considerado frágil diante das tensões regionais e de uma elite política concentradora de poder. Especialistas alertam que, sem uma modernização institucional do sistema de governança fundiária e da justiça agrária, novas disputas poderão emergir conforme a pressão por terras crescer com a expansão da agroindústria.

No plano geopolítico, Angola tem buscado diversificar suas parcerias. A China foi, durante os anos 2000, a maior financiadora de infraestrutura e importadora de recursos naturais do país, mas, mais recentemente, o governo angolano tem buscado equilibrar a presença de diferentes atores internacionais. Parcerias com Brasil, França e organismos multilaterais têm contribuído para a construção de pequenas barragens, redes de irrigação e treinamento técnico para extensionistas rurais.

Em síntese, Angola vive um momento de inflexão em seu setor agropecuário. Os números mostram avanços concretos e um potencial de crescimento considerável. A terra é de alta qualidade, o clima tropical permite diversas culturas e há um mercado interno em crescimento. Porém, a estrada rumo à soberania alimentar e à transformação do campo em motor da economia nacional exige mais do que incentivos. Requer segurança jurídica, pacificação fundiária, capacitação técnica em larga escala e um compromisso político firme com a reforma agrária e a inclusão social no campo.

Se todos esses pilares forem estruturados, Angola poderá se tornar não apenas um celeiro da África, mas um protagonista mundial na produção de alimentos nos próximos 20 anos.

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