Ar-condicionado nos caminhões? Novas regras no transporte de animais devem custar mais aos pecuaristas

Portaria do MAPA – Portaria SDA nº 1.295/2025 – impõe padrão inédito de bem-estar animal no transporte de animais; exigências como ar-condicionado, alimentação e espaço mínimo geram forte reação de produtores e ampliam os custos logísticos da pecuária brasileira

O Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) publicou a Portaria SDA nº 1.295/2025, que estabelece novas diretrizes para o transporte de animais de produção no Brasil. A proposta define parâmetros técnicos rigorosos de bem-estar animal, como a exigências como ar-condicionado, redução da densidade de lotação, a obrigatoriedade de fornecimento de água e alimento em viagens longas e a garantia de espaço mínimo por animal. Apesar do objetivo de adequar o país às exigências internacionais, a medida gerou apreensão no setor agropecuário. Produtores, transportadores e representantes do Congresso alertam para o aumento expressivo de custos e a desconexão das exigências com a realidade do campo brasileiro.

Embora o governo afirme que a medida visa alinhar a pecuária brasileira aos padrões internacionais e reforçar a imagem do país como líder na exportação de proteína animal, o setor produtivo vê com preocupação os impactos práticos da proposta. A proposta estabelece novas regras para o transporte de animais de produção — como bovinos, suínos, aves e equinos —, e deve transformar radicalmente a logística da cadeia pecuária.

As exigências devem onerar produtores, transportadores, granjas e frigoríficos, com a necessidade de adaptar veículos, rever rotinas de manejo e arcar com custos adicionais em fretes. Para muitos, as mudanças representam mais um desafio logístico e financeiro, especialmente em trajetos longos, onde as novas obrigações tendem a encarecer significativamente o transporte dos animais.

Ar-condicionado nos caminhões? O que muda na prática:

A portaria, com mais de 100 artigos distribuídos em 11 capítulos, detalha com rigor técnico todas as etapas do transporte — do pré-embarque ao desembarque — em modais rodoviário, ferroviário, fluvial, marítimo e aéreo. Entre as exigências mais polêmicas estão:

  • Redução da densidade de lotação dos veículos, garantindo mais espaço por animal;
  • Obrigatoriedade de ar-condicionado ou aquecimento nos caminhões em regiões com temperatura abaixo de 10°C ou acima de 30°C;
  • Oferta de alimentação e água durante viagens longas, com pausas obrigatórias e estrutura de bebedouros e comedouros no veículo;
  • Contratação de um Assistente de Bem-Estar Animal (veterinário ou zootecnista capacitado) para acompanhar a viagem em determinados casos;
  • Criação de baias individuais para algumas espécies, como os equinos;
  • Implantação de um Plano de Autocontrole e um Diário de Viagem, com registro detalhado das condições de manejo, horários de alimentação e limpeza.

Essas novas exigências, embora sustentadas por argumentos técnicos, devem impactar diretamente os custos da operação pecuária.

“Agora, além de produzir, embarcar e transportar, será preciso contratar um Assistente de Bem-Estar Animal e instalar ar-condicionado na gaiola do caminhão. Mas será que isso é viável na realidade do campo?”, questiona o deputado Lúcio Mosquini (RO).

Pressão no bolso: aumento do custo do frete para transporte de animais

A principal crítica dos produtores gira em torno do impacto econômico. Ao reduzir o número de animais por viagem e exigir maior conforto térmico e alimentar, o frete inevitavelmente ficará mais caro.

Além disso, as exigências estruturais para os veículos — como divisórias móveis, teto de cor clara, sistema de refrigeração e equipamentos de alimentação e água — significam investimentos pesados para transportadores. Isso sem contar os gastos com treinamentos e assistência técnica obrigatória.

O próprio texto da Portaria prevê a obrigatoriedade de:

  • Tanques com capacidade mínima de água igual a 1,5% da carga útil do veículo;
  • Camas com material absorvente para garantir limpeza e conforto;
  • Sistemas de ventilação que mantenham a qualidade do ar e monitorem a temperatura durante todo o percurso.

Além do aumento de custo direto, há o risco de multas, advertências e interdições caso as normas não sejam cumpridas, conforme previsto nas legislações sanitárias vigentes.

A crítica do setor: normas feitas no gabinete

Ar-condicionado nos caminhões? Segundo o deputado Pedro Lupion, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a intenção da portaria é legítima, mas a forma como ela foi construída gera insegurança:

“O problema não é cuidar dos animais. Isso o produtor rural sempre fez. O problema é usar conceitos genéricos, escritos em gabinete, que ignoram a realidade do campo e abrem espaço para interpretações absurdas, mais custo e mais burocracia para quem produz.”

Lupion também critica o excesso de ideologização em algumas diretrizes da proposta:

“Precisamos de regras baseadas em ciência, diálogo e realidade. Não em achismos de quem nunca pisou no campo.”

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Foto: Leandro Cazelli Alencar

Consulta pública e vigência escalonada

A Portaria nº 1.280/2025 esteve em consulta pública por 90 dias, com participação aberta via SISMAN (Sistema de Monitoramento de Atos Normativos). Após esse período, o MAPA analisa agora as contribuições para consolidar a versão final.

Mesmo após a publicação definitiva, o texto prevê prazos de adaptação escalonados:

  • Capítulo IX (transporte aéreo) entra em vigor 12 meses após publicação;
  • Capítulos III (responsabilidades), VI (autocontrole), VIII (transporte fluvial) e X (viagens longas) terão 24 meses para entrar em vigor;
  • As demais exigências passam a valer seis meses após a publicação oficial.

Bem-estar animal versus viabilidade econômica

O MAPA afirma que a proposta visa atender padrões internacionais de bem-estar animal, com ganhos à imagem do Brasil como exportador de proteína de origem animal. No entanto, o setor pede cautela e debate sobre o transporte de animais.

O desafio agora é encontrar um equilíbrio entre os avanços em bem-estar e a realidade operacional e climática de um país continental como o Brasil, onde trajetos de mil quilômetros são comuns, o clima varia bruscamente e a infraestrutura ainda impõe obstáculos.

📜 Resumo da proposta: O que muda nas regras para o transporte de animais

As novas determinações abrangem todos os modais de transporte (rodoviário, ferroviário, marítimo e fluvial) e diferentes espécies de produção, como bovinos, suínos, ovinos, caprinos, equinos, aves e coelhos.

1. Altura mínima dos compartimentos

  • Bovinos e bezerros: a fórmula A = C x 1,17 + 20 define o espaço livre acima da cernelha do animal mais alto.
  • Ovinos: mínimo de 15 cm acima do animal mais alto em veículos com ventilação mecânica e 30 cm em veículos ventilados naturalmente.
  • Equídeos: devem ter ao menos 75 cm de altura livre acima da cernelha.
  • Aves e coelhos: precisam se movimentar sem que a cabeça, crista ou orelhas toquem o teto do contentor.

2. Densidade por espécie e peso

A portaria determina a área mínima por animal de acordo com o peso vivo, utilizando a fórmula S = kP^(2/3). Exemplos:

  • Bovinos de 300 kg: 1,52 m² por animal.
  • Suínos de 100 kg: 0,58 m² por animal.
  • Aves de 2 kg: 460 cm² por animal.
  • Equinos: devem ser transportados em baias individuais, com largura e comprimento superiores às medidas do animal.

3. Alimentação e água

Nas viagens de longa duração, principalmente em modais ferroviário, fluvial ou marítimo, há exigência mínima diária:

  • Bovinos e equinos: 2% do peso vivo em forragem, 1,6% em ração e 10% em água.
  • Ovinos e caprinos: 2% em forragem e 1,8% em ração.
  • Suínos: apenas ração concentrada, equivalente a 3% do peso vivo.

4. Qualidade da água

A água oferecida deve respeitar limites físico-químicos:

  • Água doce: oxigênio entre 5 e 15 ppm, pH de 6,5 a 9,5 e ausência de amônia.
  • Água salgada: oxigênio acima de 5 ppm e pH entre 8,2 e 8,3.

Impactos econômicos e legais

O descumprimento no transporte de animais poderá resultar em autos de infração, multas, advertências, interdição de carga ou veículo, com base na legislação sanitária vigente (Lei nº 1.283/1950, Decreto nº 5.741/2006 e RIISPOA – Decreto nº 9.013/2017).

Além das penalidades, as novas exigências tendem a encarecer o transporte de animais, uma vez que:

  • A redução da densidade de lotação diminui o número de animais por viagem.
  • Exigências adicionais, como baias individuais para equinos, aumentam a complexidade logística.
  • Custos extras recaem sobre contratos de frete e integração, exigindo planejamento jurídico e econômico.

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