Autorizado curso de medicina na UFPE, sem vestibular, para membros do MST

Turma exclusiva do curso de medicina na UFPE para membros do MST, será financiada pelo Pronera e selecionará 80 alunos – sem-terra, quilombolas e educadores do campo, sem uso do Enem ou Sisu. Polêmica mobiliza Congresso, entidades médicas e Judiciário.

Uma decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) reacendeu o debate sobre o acesso ao ensino superior e o papel das universidades públicas em políticas de inclusão social. O desembargador Fernando Braga Damasceno autorizou a continuidade do processo seletivo para uma turma suplementar do curso de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com 80 vagas destinadas exclusivamente a beneficiários do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) — entre eles, assentados, acampados, educadores populares, quilombolas e integrantes de famílias ligadas ao Crédito Fundiário.

A seleção para o curso, que ocorrerá no campus da UFPE em Caruaru (PE), não utiliza os sistemas tradicionais como Enem ou Sisu, o que gerou fortes críticas de entidades médicas e parlamentares da oposição, que apontam suposta quebra de isonomia e favorecimento ideológico.

Como funcionará a seleção

O edital do processo prevê análise do histórico escolar (peso 4) e uma redação presencial (peso 6) sobre temas relacionados à saúde no campo, educação agrária ou reforma agrária. As inscrições foram gratuitas e ocorreram entre 10 e 20 de setembro de 2025. A previsão de início das aulas é 20 de outubro.

A UFPE esclareceu que as vagas são suplementares, não interferem nas cotas regulares do Sisu e são financiadas com recursos do Incra, destinados especificamente à educação no campo por meio do Pronera. O curso seguirá o mesmo projeto pedagógico e critérios de avaliação das demais turmas de medicina. Os professores envolvidos atuam de forma voluntária e são remunerados com bolsas custeadas pelo programa.

Pronera: histórico e abrangência

Criado em 1998, o Pronera é uma política pública do Incra que busca garantir acesso à educação a populações do campo, com foco em assentados da reforma agrária. Já promoveu mais de 540 cursos nos níveis fundamental, médio e superior para cerca de 192 mil educandos em todo o Brasil. As universidades públicas são parceiras majoritárias na execução dos cursos, que incluem formações em direito, agronomia, pedagogia da terra, medicina veterinária, entre outros.

Reações e embates

A medida gerou reação de diversas entidades. Em nota conjunta, o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), o Sindicato dos Médicos e a Associação Médica de Pernambuco alegaram que a criação de uma seleção paralela aos sistemas tradicionais “afronta os princípios da isonomia e da credibilidade acadêmica”.

O tema também chegou ao Congresso Nacional. A Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados aprovou a convocação do ministro da Educação, Camilo Santana, para explicar os critérios adotados e a legalidade da Resolução nº 01/2025 e do Edital nº 31/2025 da UFPE. O autor do pedido, deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), classificou o curso como “discriminatório” e “instrumento de militância” nas universidades públicas.

Decisão da Justiça reforça legalidade do curso de medicina sem vestibular para o MST

Mesmo com duas liminares tentando suspender o edital, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu, em ambos os casos, reverter as decisões com base no argumento da autonomia universitária, prevista na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). O desembargador Damasceno sustentou que a criação de uma turma extraordinária não exige aprovação legislativa, desde que não comprometa a qualidade do ensino — o que, segundo ele, não se aplica ao caso da UFPE.

A AGU também rebateu o argumento de que o curso seria um privilégio para o MST, afirmando que o Pronera é uma política pública consolidada, voltada a todos os povos do campo, e não um programa de cotas comuns. A atuação da AGU foi descrita como prioritária diante da tentativa de “contaminação ideológica” do debate, segundo o subprocurador Henrique Varejão.

É preciso medidas urgentes

A implementação do curso de Medicina voltado a públicos do campo reforça o tensionamento entre inclusão social e meritocracia no ensino superior. Enquanto setores da sociedade enxergam a medida como um avanço necessário para corrigir desigualdades históricas, outros a percebem como uma ruptura com os critérios tradicionais de acesso à universidade.

A continuidade do projeto, agora autorizada judicialmente, ainda deve gerar novos desdobramentos jurídicos e políticos, principalmente após o comparecimento do ministro da Educação à Câmara. Por ora, os 1.201 candidatos inscritos para a seleção aguardam a próxima etapa do processo, marcada para o início de outubro.

Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.

Siga o Compre Rural no Google News e acompanhe nossos destaques.
LEIA TAMBÉM