Descoberta de pesquisadores da Embrapa e da USP revela compostos naturais capazes de inibir a buva, uma das plantas daninhas mais problemáticas da agricultura brasileira, abrindo caminho para soluções mais sustentáveis no campo
A agricultura brasileira pode estar mais próxima de uma alternativa eficiente e ambientalmente responsável para o controle de plantas daninhas resistentes aos herbicidas convencionais. Pesquisadores identificaram uma bactéria isolada dos solos da Caatinga com forte ação herbicida contra a buva (Conyza canadensis), uma das espécies invasoras mais difíceis de manejar nas lavouras do País.
O estudo, conduzido por cientistas da Embrapa Meio Ambiente e da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, foi publicado na revista científica Pest Management Science e aponta para o desenvolvimento de um bioherbicida inédito, baseado em microrganismos nativos e em moléculas naturais produzidas por eles.
A buva está presente em praticamente todas as regiões agrícolas do Brasil e se tornou um desafio crescente para os produtores. Resistente a diversos herbicidas sintéticos, a planta eleva os custos de produção, reduz a eficiência do manejo e amplia os riscos ambientais associados ao uso intensivo de defensivos químicos. Diante desse cenário, cresce a demanda por soluções inovadoras e sustentáveis.
Bioherbicida: BioherbicidaMicrorganismos como alternativa aos químicos sintéticos
A pesquisa partiu da triagem de actinobactérias, um grupo de microrganismos conhecido pela capacidade de produzir compostos bioativos com aplicações agrícolas e farmacêuticas. Isolados de diferentes biomas brasileiros foram avaliados quanto ao potencial de inibir plantas daninhas.
O destaque veio da Caatinga, bioma semiárido marcado por condições extremas de temperatura e escassez hídrica. Uma cepa identificada como Streptomyces sp. Caat 7-52 apresentou forte efeito fitotóxico, ou seja, capacidade de prejudicar o desenvolvimento de plantas invasoras.
“A Caatinga funciona como um verdadeiro laboratório natural. Os microrganismos que sobrevivem ali desenvolveram estratégias únicas e, muitas vezes, produzem moléculas inéditas, com grande potencial de uso”, explica Itamar Melo, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente e um dos autores do estudo.
Albociclina: um composto inédito com ação herbicida
A análise química dos metabólitos produzidos pela bactéria revelou dois compostos principais: o ácido 3-hidroxibenzóico e a albociclina. Esta última representa um avanço científico relevante, pois teve sua atividade herbicida descrita pela primeira vez.

Em testes laboratoriais, a albociclina foi capaz de inibir a germinação da buva em concentrações muito baixas, a partir de 6,25 µg/mL. O resultado chama atenção por envolver uma planta daninha já amplamente resistente aos produtos disponíveis no mercado.
“Registrar pela primeira vez a atividade fitotóxica da albociclina amplia significativamente suas possibilidades de aplicação. Trata-se de um composto com grande potencial para integrar estratégias de manejo mais sustentáveis”, destaca Danilo Tosta Souza, pesquisador da USP e orientador do estudo.
Outro ponto considerado estratégico foi a otimização do meio de cultivo em laboratório, técnica que permitiu aumentar tanto o rendimento quanto a diversidade das moléculas produzidas pela bactéria. Esse direcionamento do metabolismo microbiano é essencial para viabilizar a produção em escala industrial de um futuro bioherbicida.
Caldo fermentado mostra efeito seletivo e reduz custos
Além da extração dos compostos isolados, os pesquisadores testaram o caldo fermentado bruto da bactéria, sem uso de solventes químicos. O resultado foi igualmente promissor: o caldo apresentou efeito seletivo contra plantas daninhas dicotiledôneas, grupo que inclui buva, caruru e picão-preto.
Plantas dicotiledôneas são aquelas que apresentam duas folhas embrionárias na germinação e englobam tanto espécies daninhas quanto culturas agrícolas como feijão, amendoim e algodão. A seletividade observada é um ponto-chave para a segurança do uso no campo.
“Na prática, isso abre a possibilidade de um produto mais simples, com menos etapas de processamento, menor custo e menor impacto ambiental, já que dispensa solventes industriais”, explica Luiz Alberto Beraldo de Moraes, da USP.
Herbicida contra a buva: Próximos passos e aplicação no campo
Apesar dos resultados animadores, os pesquisadores reforçam que a tecnologia do bioherbicida contra a buva ainda está em fase inicial. Os próximos passos incluem testes em condições de campo, avaliações de eficácia em diferentes culturas, estudos de ecotoxicologia e o desenvolvimento de formulações comerciais.
O objetivo é integrar o bioherbicida a programas de Manejo Integrado de Plantas Daninhas (MIPD), que combinam controle químico, biológico e práticas agronômicas para reduzir a pressão sobre o sistema produtivo.
“Os resultados mostram um enorme potencial, mas o desafio agora é transformar essa descoberta científica em uma solução prática, segura e escalável para os agricultores”, afirma Itamar Melo.
Biomas brasileiros como fonte de inovação agrícola
A pesquisa reforça o valor estratégico da bioprospecção em biomas brasileiros, especialmente da Caatinga, muitas vezes associada apenas à fragilidade ambiental. O estudo evidencia que o bioma também é um reservatório de biodiversidade microbiana com alto potencial tecnológico.
A identificação de compostos como a albociclina fortalece o Brasil no cenário global de bioinsumos agrícolas, reduz a dependência de produtos importados e atende à crescente demanda por práticas agrícolas mais sustentáveis.
Em um país que figura entre os maiores consumidores de herbicidas do mundo, avanços como esse são considerados fundamentais para manter a competitividade do agronegócio, ao mesmo tempo em que contribuem para a redução dos impactos ambientais.
“Esse trabalho mostra como a ciência pode transformar a biodiversidade brasileira em inovação. A Caatinga ainda guarda um potencial enorme, e estamos apenas no começo dessa jornada”, conclui Tosta.
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