
Abate dos jumentos foi estimulado pela demanda internacional, principalmente da China, que agora ameaça biodiversidade e cultura do semiárido. Rebanho que somava 1,37 milhão de animais em 1999, foi reduzido a cerca de 78 mil em 2025
Nas últimas três décadas, o Brasil viu praticamente desaparecer uma de suas espécies mais emblemáticas e historicamente ligadas à vida no campo: os jumentos. De acordo com dados reunidos por FAO, IBGE e Agrostat, o rebanho nacional, que somava 1,37 milhão de animais em 1999, foi reduzido a cerca de 78 mil em 2025 — uma perda de 94%. Isso significa que restam apenas 6 jumentos para cada 100 existentes há 30 anos, configurando uma iminente ameaça de extinção.
Boa parte dessa redução drástica se deve ao abate sistemático dos animais para exportação de subprodutos, especialmente a pele, rica em colágeno, usada na produção do ejiao, um suplemento tradicional da medicina chinesa que promete aumentar a vitalidade e a longevidade.
Entre 2018 e 2024, 248 mil jumentos foram abatidos no país, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Os números são especialmente concentrados na Bahia, onde estão os três frigoríficos com autorização do Serviço de Inspeção Federal (SIF) para este tipo de atividade.
Para especialistas, o impacto ultrapassa os dados estatísticos. O jumento, especialmente o nordestino, possui perfil genético único, moldado por séculos de adaptação ao semiárido brasileiro. “Sua extinção seria uma perda irreparável para nossa biodiversidade e para as comunidades rurais que dependem dele”, alerta Patricia Tatemoto, coordenadora da campanha da ONG britânica The Donkey Sanctuary no Brasil e pós-doutora em medicina veterinária pela USP.
“Há três caminhos sustentáveis: viverem livres na natureza, seguirem como apoio à agricultura familiar ou serem valorizados como animais de companhia”, comentou ela em matéria divulgada pela Forbes, criticando ainda a ideia de que a queda no uso agrícola justifique o abate em larga escala.
Frente à crise, a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em parceria com a The Donkey Sanctuary, promove de 26 a 28 de junho, em Maceió (AL), o 3º Workshop Internacional – Jumentos do Brasil: Futuro Sustentável. O evento marca o lançamento no país do relatório “Stolen Donkeys, Stolen Futures” e da campanha global Stop The Slaughter (Parem o Abate).
Segundo Pierre Barnabé Escodro, professor da UFAL e pesquisador em Medicina Veterinária e Inovação, o Brasil precisa se posicionar internacionalmente. “Não podemos continuar sendo o elo frágil de uma cadeia que lucra com a morte de um animal essencial para comunidades vulneráveis. O Brasil precisa alinhar sua legislação às boas práticas já adotadas por outros países do Sul Global”, argumenta.

Atualmente, dois projetos de lei visam proibir o abate de jumentos no país:
- PL nº 2.387/2022, em tramitação no Congresso Nacional, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados;
- PL nº 24.465/2022, na Assembleia Legislativa da Bahia, também aprovado na CCJ e aguardando votação em plenário.
Além do apelo ético, há soluções viáveis que tornam o abate desnecessário. O agrônomo e doutor em economia aplicada pela USP, Roberto Arruda, destaca o avanço da fermentação de precisão, técnica que permite a produção de colágeno em laboratório, sem a utilização de animais.
“É uma oportunidade para o Brasil liderar um modelo mais sustentável e ético, alinhado com as novas tendências globais de consumo e inovação”, afirma Arruda.
O movimento internacional de proteção aos jumentos já provoca mudanças concretas. Em 2023, a União Africana aprovou uma moratória contra o abate de jumentos para exportação, decisão já aplicada em países como Quênia, Nigéria e Tanzânia. A expectativa é de que essa política seja estendida a todo o continente.
Enquanto isso, no Brasil, a janela de tempo para proteger os jumentos está se fechando rapidamente. Sem medidas urgentes, o país pode entrar para a história como responsável pelo desaparecimento de um dos animais mais resilientes e simbólicos do semiárido.
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