A decisão de castrar deixa de ser tradição e vira estratégia. Enquanto o boi inteiro ganha peso mais rápido, o castrado domina os programas de carne premium. Qual caminho gera mais lucro?
Por décadas, a castração de bovinos machos foi uma prática quase unânime no Brasil, sinônimo de manejo e docilidade. No entanto, o avanço da genética e da nutrição trouxe um novo protagonista à balança: o boi inteiro. Alimentado por hormônios naturais, ele se tornou uma verdadeira “fábrica de músculo”, desafiando o pecuarista a fazer uma escolha complexa: é melhor ter mais peso na balança ou mais qualidade (e valor) no gancho do frigorífico?
A resposta não é simples e está nos números. Analisamos estudos e dados de campo para entender as reais diferenças no ganho de peso e no resultado financeiro. Siga a leitura e acompanhe o Compre Rural, Aqui você encontra informação de qualidade para fortalecer o campo.
O Boi inteiro e a vantagem da testosterona
O principal argumento a favor de não castrar é hormonal. A testosterona, produzida nos testículos, é um poderoso agente anabolizante natural.
- Impacto Hormonal: A testosterona promove uma maior síntese de proteína, o que se traduz diretamente em mais massa muscular e menos deposição de gordura.
- Ganho de Peso Diário (GPD): Estudos consolidados da Embrapa Gado de Corte e de universidades como a ESALQ/USP indicam que machos inteiros, sob as mesmas condições nutricionais, podem apresentar um Ganho de Peso Diário (GPD) de 10% a 15% superior ao de animais castrados.
- Conversão Alimentar: O boi inteiro é mais eficiente. Dados de confinamento mostram que ele precisa de 5% a 10% menos alimento para produzir o mesmo quilo de carcaça em comparação com um animal castrado.
- Rendimento de Carcaça: Por ter menos gordura (que é “perdida” no abate) e uma musculatura mais desenvolvida, o boi inteiro frequentemente apresenta um rendimento de carcaça 1 a 2 pontos percentuais maior.
A desvantagem: A testosterona também torna os animais mais agressivos. Isso aumenta o estresse no manejo, no transporte e no curral de espera do frigorífico. Esse estresse consome glicogênio muscular, elevando o pH da carne e aumentando drasticamente o risco de carcaças DFD (Dark, Firm, Dry), que são escuras, firmes e secas, resultando em rejeição e grande prejuízo.
O boi castrado e o valor da gordura
A castração (seja cirúrgica ou por bandagem) remove a principal fonte de testosterona. Isso muda completamente o metabolismo do animal, que passa a direcionar a energia da dieta de forma diferente.
- O “Acabamento” de Carcaça: Sem a testosterona inibindo a deposição de gordura, o boi castrado acumula gordura subcutânea (capa de gordura) de forma mais precoce e uniforme.
- O Valor do Marmoreio: Mais importante ainda, o animal castrado deposita mais gordura intramuscular (marmoreio). Essa é a gordura entremeada nas fibras musculares que garante sabor, maciez e suculência, sendo a principal característica da carne premium.
- Comparativo de Acabamento: Em um mesmo período de confinamento (ex: 90 dias), um boi castrado de boa genética pode atingir uma capa de gordura ideal de 4 a 6 mm, enquanto um boi inteiro, na mesma dieta, pode ficar com apenas 1 a 3 mm.
A desvantagem: Para atingir o mesmo peso do boi inteiro, o castrado geralmente precisa de um período de engorda mais longo ou de uma dieta com maior densidade energética, o que pode aumentar o custo de produção por arroba.
A Imunocastração
Uma tecnologia que ganha espaço é a imunocastração (vacinação). O animal recebe uma vacina que “desliga” temporariamente a função testicular.
- O Melhor dos Dois Mundos: O pecuarista pode criar o animal como inteiro durante a maior parte do ciclo de crescimento (aproveitando o alto GPD e a conversão alimentar) e aplicar a vacina nos últimos 90 a 120 dias antes do abate.
- Resultado: Nesse período final, o animal para de produzir testosterona e começa a depositar gordura (acabamento e marmoreio) como um animal castrado, unindo eficiência de ganho de peso com qualidade de carcaça.
O Veredito: Quem Paga a Conta (e a Bonificação)?
A decisão final não é do pecuarista, mas do frigorífico e do consumidor.
- O Mercado Commodity: Para o mercado interno comum ou exportações para mercados menos exigentes (que compram por volume), o boi inteiro, mais pesado e produzido em menos tempo, é frequentemente mais rentável.
- O Mercado Premium: Para programas de carne premium (como Protocolo Angus, Cota Hilton, ou marcas gourmet), o boi inteiro é automaticamente desclassificado. Esses programas exigem animais castrados e pagam uma bonificação que pode variar de 5% a 15% sobre o valor da arroba base.
| Variável | Boi Inteiro (18 meses) | Boi Castrado (18 meses) |
| Peso Inicial | 380 kg | 380 kg |
| GPD (Confinamento) | 1.7 kg/dia | 1.5 kg/dia |
| Peso Final (90 dias) | 533 kg | 515 kg |
| Rendimento Carcaça | 55% | 53% |
| Peso Carcaça (@) | 19.8 @ | 18.2 @ |
| Preço da @ | R$ 250,00 (Preço Base) | R$ 275,00 (Base + 10% Bonificação Premium) |
| Receita Bruta | R$ 4.950,00 | R$ 5.005,00 |
Uma Decisão Estratégica
Não existe resposta única. O pecuarista deve ter a resposta para três perguntas antes de decidir:
- Qual a minha genética? (Animais com alto potencial para marmoreio, como Angus e Wagyu, perdem potencial se não forem castrados).
- Qual o meu sistema de produção? (Tenho nutrição de ponta para terminar um boi inteiro super jovem, antes que a carne endureça?).
- Para quem eu vendo? (Meu frigorífico parceiro bonifica por qualidade ou paga apenas por peso?).
A era da castração por tradição acabou. Hoje, o bisturi (ou a vacina) é uma ferramenta de gestão, usada para adequar o produto final ao mercado que paga mais.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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