Ciclo pecuário: a oportunidade da “virada”

Como gostamos de dizer, “o ciclo pecuário tarda, mas não falha”. Mas, atenção! Sem a sua compreensão, grandes chances dentro do mercado podem ir por água a baixo. Quem investe na baixa tende a pagar mais barato e estará com munição para a virada.

Quem traz a análise abaixo, é o jornalista Ariosto Mesquita, pós-graduado em Administração de Marketing e Comércio Exterior e mestre em Produção e Gestão Agroindustrial. Venho notando um certo teor apocalíptico em algumas análises e comentários (que podem ser encontrados sobretudo na Internet) que batizam de “crise”, “fundo do poço” (ou algo semelhante) o atual momento da bovinocultura de corte. Tudo fundamentalmente impulsionado por um cenário de baixa cotação da arroba que, em 2023, derrubou margens de criadores, recriadores e terminadores (toda a cadeia logicamente é afetada), em que pese uma ligeira pressão de alta nas últimas semanas.

O pessimismo parece que também contagiou algumas empresas de insumos para o segmento. Há comentários sobre “total desânimo” por conta da lentidão das vendas para a próxima safra. Convenhamos que, na maioria dos casos, estas ponderações refletem a mais pura realidade atual. Considero uma radiografia bem pontual, fixa, que não olha para “as bordas”, parafraseando Steve Jobs.

Nesse sentido, tenho uma posição bem clara: atividades produtivas não podem ser compreendidas e/ou pautadas exclusivamente pelo momento. Com base no atual cenário, posso dizer que há desinformação e desconhecimento em várias dessas análises e comentários, alguns despretenciosos, é verdade. No entanto, muito disso acaba influenciando, gerando um clima quase de terror e, convenhamos, desnecessário e impróprio.

Existe um fenômeno na bovinocultura de corte que se chama “ciclo pecuário” e que passa batido por muita gente. Dia desses mencionei este “ciclo” em um evento online e um participante equivocadamente imaginou que eu estivesse tratando de safra e entressafra do boi (palavra cada vez mais em desuso na pecuária, sobretudo depois que as terminações intensivas e a ILP viabilizaram a produção de carne no inverno/meses secos). Algumas pessoas pensam, também erroneamente, se tratar do período compreendido entre a concepção e o abate do animal.

É até compreensivo ou aceitável (mas não recomendável) que, empresas mais novas, além de produtores e profissionais recentes na atividade, desconheçam total ou parcialmente o mecanismo deste ciclo, pois certamente ainda não o atravessaram por completo. Mas, atenção! Sem a sua compreensão, grandes chances dentro do mercado podem ir por água a baixo.

Este, se não me engano, é o quarto ciclo pecuário que vivencio profissionalmente e, em todos eles, em menor ou maior grau, os preceitos e fundamentos foram os mesmos, assim como as movimentações de mercado e preço – com eventuais flutuações graças a outras variantes. Portanto, defendo que o “ciclo pecuário” seja levado em conta no planejamento de qualquer organização da cadeia produtiva da carne bovina, seja ela uma propriedade rural, uma consultoria agropecuária, associação, empresas de insumos ou indústria.

Simplificando: o ciclo pecuário é um fenômeno de oscilação entre períodos de alta e de baixa nos preços do animal e da carne, que se repete periodicamente. A duração de um ciclo atualmente no Brasil está na casa de sete ou seis anos. Já foi maior.

Resumidamente, ele se caracteriza pelo seguinte:

  • Na ALTA: a oferta de bezerros é baixa, aumenta o preço da @ do boi gordo e da reposição e começa a acontecer maior retenção de fêmeas no campo;
  • Na BAIXA: a oferta de bezerros cresce, despenca o preço da arroba e aumenta significativamente o abate de matrizes.

Para compreender visualmente seu mecanismo, separei uma ilustração assinada pela Acrimat (Associação dos Criadores de Mato Grosso), gentilmente cedida para uso neste artigo.

ciclo pecuário

Quem acompanha o mercado pecuário sabe muito bem que o preço da arroba despencou em 2023. Isso, naturalmente, fez com que o criador e/ou produtor de ciclo completo tirasse o pé do acelerador e se mostrasse mais contido na aquisição de insumos, pois resolveu se desfazer de boa parte do plantel de fêmeas para obter algum caixa. Afinal, ele entende que a atividade não está atrativa para a produção do boi acabado.

Vamos tomar como exemplo o que aconteceu em Mato Grosso no primeiro semestre de 2023. Dados do Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária) revelam que 1,44 milhão de fêmeas foram abatidas, quantidade 20,7% superior à média dos últimos 10 anos (1,19 milhão). Em junho/23 as matrizes representaram 51,5% dos abates totais. Ou seja, superaram o abate de bois.

Nosso atual momento, portanto, parece sinalizar que a virada de ciclo vem por aí. Com menor número de matrizes para a estação de monta é normal que tenhamos uma safra reduzida de bezerros mais à frente e, consequentemente, uma oferta de boi gordo também limitada ainda mais adiante.

Isso acontecendo, a tendência é de que a arroba se valorize e o produtor seja novamente estimulado a adquirir mais insumos e investir de forma mais firme na atividade. Será esse o cenário até o momento em que volte a “chover boi”.

Muita calma nessa hora!

Esta gangorra não acontece do dia para a noite. A atividade se move lentamente a estímulos externos, como preços recebidos, por exemplo. Se 2023 foi ano de forte abate de fêmeas, não quer dizer que, em 2024, a pecuária responderá imediatamente de forma inversa, passando, repentinamente, a reter muito mais.

Além disso, temos de contar o tempo para que estas fêmeas atinjam escore ajustado para reprodução, passem por uma estação de monta, haja a concepção e venha o momento da parição. Depois dessa maratona, considerando que o bovino brasileiro vai para o abate após 36 meses de vida (média muito otimista), teríamos, ainda mais três anos pela frente.

Não se engane: os sinais de uma ligeira recuperação no preço da arroba em setembro/23 aconteceram provavelmente mais em função de um volume menor de boi de cocho este ano do que por uma sinalização de forte e imediata virada de ciclo. Com as cotações desabando no primeiro semestre, muita gente deixou de confinar, ou confinou menos. Mas quem não vacilou e se manteve firme, certamente vai conseguir uma margem melhor agora em outubro, na entrega de animais aos frigoríficos.

Este raciocínio pode ser aplicado na inversão de ciclo? Sim, mas com cuidado.

Quando se está em um ciclo de baixa, a única certeza é que vem um de alta por aí, e vice-versa. Essa observação é fundamental.

No momento de baixa, como o atual, geralmente o produtor desacelera e reduz seu investimento em insumos. Portanto, a tendência é que compre menos sementes de milho ou de sorgo, por exemplo. Isso acontecendo, quando ocorrer a virada ele estará desabastecido para aumentar seu plantel e, consequentemente, sua terminação (caso de quem faz cria, recria e engorda).

Por outro lado, quem investe em insumos na baixa tende a pagar mais barato e estará com munição para a virada e com boas chances de fechar negócios com margens bem satisfatórias. A questão é acertar o timing, ler bem o mercado, ter garantias de armazenagem e tomar as decisões nos momentos certos.

São aspectos que podem ser conduzidos conjuntamente pelas áreas técnicas, comercial e de marketing da organização, seja do lado da propriedade rural ou da empresa fornecedora. Mas volto a enfatizar: é preciso entender o ciclo pecuário para utilizá-lo a seu favor.

OBS: Outros fatores, casuais ou não, também podem influenciar diretamente a formação de preços de insumos, sobretudo enquanto commodities. Nisso entram guerras, pandemias, produções em outros mercados, clima, políticas externas, formação de blocos comerciais, taxações, etc.

* Ariosto Mesquita é jornalista, pós-graduado em Administração de Marketing e Comércio Exterior e mestre em Produção e Gestão Agroindustrial. Contatos: ariostomesquita@gmail.com e (67)99906-1859.

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