
Da primeira escala no porto de Salvador em 1868 às importações históricas de 1962, a raça Nelore construiu um caminho de adaptação, melhoramento e protagonismo que fez dela a base da pecuária de corte brasileira
O Nelore, raça zebuína originária da Índia, é hoje o alicerce da pecuária de corte no Brasil, respondendo por cerca de 80% do rebanho bovino de corte. Adaptado ao clima tropical, resistente a parasitas e com alta eficiência reprodutiva, o Nelore transformou a forma de produzir carne no país. Mas sua trajetória até esse posto de destaque foi longa, marcada por visionários que desafiaram o gosto da época e investiram em genética quando poucos acreditavam.
A chegada do Nelore ao Brasil
A história do Nelore no Brasil começa em 1868, quando um navio inglês vindo da Índia e com destino à Inglaterra fez escala no porto de Salvador (BA). A bordo, havia um casal de bovinos da raça Ongole – como o Nelore é chamado em sua região de origem. Comprados por fazendeiros locais, esses animais ficaram no país e marcaram o primeiro registro de Nelore em solo brasileiro.
Poucos anos depois, o Barão do Paraná, Henrique Hermeto Carneiro Leão, trouxe novos exemplares. Em 1874 e 1877, ele importou dois casais de Ongole diretamente do Zoológico de Londres. Já em 1878, o imigrante suíço Manoel Ubelhart Lemgruber trouxe de Hamburgo (Alemanha) um casal que se tornaria importante para a difusão inicial da raça.
Apesar do potencial produtivo, a expansão foi lenta no fim do século XIX. Criadores preferiam raças indianas de orelhas maiores, como Guzerá e Gir, por considerarem-nas mais nobres. O Nelore, com suas orelhas curtas, era visto como “menos típico” para os padrões da época.

O início da expansão da raça Nelore
O salto veio no início do século XX, especialmente a partir de 1906, quando o baiano Manuel de Souza Machado, proprietário da Fazenda OM, importou diretamente da Índia o touro Cacique e a vaca Aracy. Prenhe, Aracy pariu Itabira, a primeira bezerra Nelore POI (Puro de Origem Importado) nascida no Brasil. A marca OM tornou-se referência e forneceu genética para diversos criatórios que ajudaram a espalhar a raça.
Entre 1910 e 1930, pecuaristas do Triângulo Mineiro, São Paulo e Goiás também viajaram à Índia, atraídos pelo potencial dos zebuínos. Famílias como os Martins Borges, de Uberaba, foram decisivas nesse processo, organizando expedições que abasteceram fazendas e ampliaram a presença do Nelore.
Em 1938, a então Sociedade Rural do Triângulo Mineiro – hoje ABCZ – criou o Livro de Registro Genealógico da Raça Nelore, estabelecendo padrões oficiais e iniciando um trabalho de seleção estruturado.
As importações que mudaram a história
Em 1930, os criadores Francisco Ravízio Lemos e Manuel Oliveira Prata trouxeram um lote de reprodutores diretamente da Índia, que deu origem a touros marcantes como Marajá e Raji, ajudando a definir o padrão racial brasileiro.
Já em 1960, o paranaense Celso Garcia Cid liderou a importação de 20 reprodutores da linhagem Karachapadu, desembarcados em Paranaguá (PR). Dois anos depois, em 1962, ocorreu a última e mais importante importação: 84 animais indianos chegaram ao Brasil, incluindo touros lendários como Karvadi, Taj Mahal, Godhavari, Golias e Rastã. O impacto genético foi tão grande que praticamente todo Nelore atual tem alguma ligação com esses reprodutores.

Após 1962, a Índia proibiu a exportação de bovinos. O melhoramento passou a ser exclusivamente nacional, com seleção genética, inseminação artificial e, mais tarde, programas de avaliação.
A raça que moldou a pecuária brasileira
A partir dos anos 1970, o Nelore tornou-se protagonista na ocupação de novas fronteiras agrícolas, especialmente no Cerrado e na Amazônia. Rusticidade, fertilidade e capacidade de engorda a pasto fizeram dele a raça ideal para a expansão extensiva.
Hoje, estima-se que entre 80% e 85% de todo o rebanho bovino brasileiro tenha sangue Nelore, seja puro ou cruzado. Além de símbolo da pecuária nacional, o Nelore é peça-chave para que o Brasil figure entre os líderes mundiais na produção e exportação de carne bovina.
Os “pais” do Nelore no Brasil
Nome / Agente | Ano(s) | Local | Contribuição |
---|---|---|---|
Fazendeiros da Bahia | 1868 | Salvador (BA) | Compra do primeiro casal de Ongole desembarcado no Brasil |
Barão do Paraná | 1874–77 | Rio de Janeiro (RJ) | Importou dois casais do Zoológico de Londres |
Manoel U. Lemgruber | 1878 | Rio de Janeiro (RJ) | Importou casal do Zoológico de Hamburgo |
Manuel de Souza Machado (Fazenda OM) | 1906 | Cachoeira (BA) | Importou Cacique e Aracy, gerando a 1ª bezerra POI |
Francisco R. Lemos e Manuel O. Prata | 1930 | Triângulo Mineiro | Importaram lote que consolidou padrão racial |
Celso Garcia Cid | 1960 | Londrina (PR) | Importou 20 reprodutores da Índia |
Tonico Carvalho, Torres H. R. da Cunha e outros | 1962 | Noronha → Santos | Importaram 84 exemplares, incluindo Karvadi e outros genearcas |
Cada introdutor acima teve papel crucial na história da raça, seja trazendo os primeiros animais, estabelecendo os primeiros núcleos de seleção ou viabilizando as importações que definiram o Nelore brasileiro moderno. Cada etapa – da escala em Salvador em 1868 às grandes compras de 1960-62 – contribuiu para transformar uma raça oriunda da Índia no gigante da pecuária nacional que conhecemos hoje.

Linhagens de Nelore no Brasil
A raça Nelore pode ser dividida em três linhagens principais, de acordo com a origem dos animais e de seus ascendentes:
- PO (Puro de Origem)
- Todos os ascendentes estão registrados no livro genealógico da raça.
- POI (Puro de Origem Importado)
- Animais trazidos da mesma região dos Nelores “originais” e que mantêm todas as características do padrão racial.
- Animais nascidos no Brasil, com todos os ascendentes POI, também podem receber essa classificação.
- LEI (Livro Especial de Importação)
- Animais originários de pesquisas voltadas ao aperfeiçoamento genético da raça.
Padrão da Raça Nelore
O padrão define as características físicas e funcionais que um animal deve apresentar para ser considerado Nelore.
Pelagem e Pele
- Pelagem curta nas cores branca ou cinza-clara.
- Pele preta ou mais escura, solta, flexível, macia e oleosa.
Cabeça e Face
- Formato tradicional de ataúde.
- Perfil sub-convexo (mais evidente nos machos).
- Olhos pretos e vivos.
- Orelhas curtas, simétricas, terminando em ponta de lança.
Chifres
- Podem estar presentes ou não.
- Coloração escura, firmemente presos ao crânio.
- Nascem para cima e podem se curvar ou apontar para cima, para fora ou para trás.
- Nos exemplares mochos, é permitida apenas a presença de calo ou batoque.
Pescoço e Barbela
- Machos: pescoço musculoso, harmonioso com o tronco.
- Fêmeas: pescoço mais delicado.
- Barbela: inicia logo abaixo do maxilar inferior e vai até o umbigo.
- Nos machos: maior e mais pregueada.
- Nas fêmeas: menor e mais delicada.
Peito e Musculatura
- Ambos os sexos: peito largo e boa cobertura muscular.
Cupim
- Característica marcante dos zebuínos, funciona como reserva de energia.
- Machos: cupim grande, apoiado sobre a cernelha.
- Fêmeas: cupim reduzido.
Medidas e Peso
- Machos:
- Altura média: 1,70 m.
- Peso: acima de 1.000 kg.
- Musculatura compacta, barbela pregueada, umbigo curto, bainha e prepúcio leves.
- Fêmeas:
- Altura média: 1,55 m.
- Peso: até 800 kg.
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