Conheça os primeiros cavalos geneticamente editados do mundo, que geram polêmica

Criados com tecnologia CRISPR na Argentina, os primeiros cavalos geneticamente editados do mundo prometem desempenho explosivo, mas enfrentam proibição em competições e forte resistência de criadores tradicionais

A cena se passa numa área rural da província de Buenos Aires, mas poderia ser o início de uma revolução global na equinocultura: cinco potros de aparência comum, com pelagem marrom e manchas brancas na cabeça, carregam uma inovação inédita — são os primeiros cavalos geneticamente editados do mundo, desenvolvidos pela empresa argentina Kheiron Biotech.

Por trás do projeto, uma única modificação no DNA, feita com a tecnologia CRISPR, que visa reduzir a ação do gene da miostatina, responsável por limitar o crescimento muscular. O objetivo é claro: criar cavalos mais fortes, com explosão muscular superior e desempenho ideal para o esporte, especialmente o polo.

Da clonagem à edição genética: um salto tecnológico

Diferente da clonagem tradicional — que a Kheiron também domina desde 2013 —, a edição genética com CRISPR permite alterar genes ainda durante o desenvolvimento do embrião, como se fosse uma “tesoura molecular”. Isso abre espaço para “melhorar” características físicas antes mesmo do nascimento, como velocidade, força e resistência.

Embora o uso de clones já seja permitido e amplamente aceito na Argentina, inclusive no polo, o caso dos cavalos geneticamente modificados trouxe uma nova camada de polêmica. Atualmente, os cavalos transgênicos são vetados das competições oficiais, o que coloca em xeque sua viabilidade comercial e esportiva.

Reações no mundo do polo: tradição versus inovação

A repercussão no universo do polo argentino — considerado o mais prestigiado do mundo — foi imediata. Benjamin Araya, presidente da associação argentina de polo, declarou que “isso tira o charme e a magia da criação”, defendendo o tradicional cruzamento entre éguas e garanhões como forma de manter a essência do esporte.

Outros criadores, como Marcos Heguy, ex-jogador profissional, foram ainda mais contundentes: “É como pintar um quadro com inteligência artificial. O artista está acabado”.

Contudo, há quem veja com naturalidade o avanço da ciência. O criador Eduardo Ramos, ativo desde os anos 70, lembra que a rejeição à tecnologia é recorrente. “Quem diz que isso não deve ser feito não será capaz de impedi-lo”, afirmou.

egua quarto de milha com potro ao pe
Foto: Divulgação

O futuro dos primeiros cavalos geneticamente editados do mundo: incerteza e vigilância

Apesar da proibição atual, a Associação Argentina de Criadores de Cavalos informou que monitorará esses novos animais por cinco anos antes de decidir se podem ser registrados para competição. Enquanto isso, os criadores seguem em compasso de espera.

Daniel Sammartino, empresário por trás da Kheiron, reconhece o momento de incerteza: “Será um cavalo melhor? Não sei. O tempo dirá”. Os potros ainda são muito jovens — só começarão a treinar com sela aos dois anos de idade e só poderão competir cerca de dois anos depois.

O projeto também preocupa associações internacionais. Em 2017, quando a Kheiron produziu seus primeiros nove potros transgênicos com CRISPR, concorrentes acionaram o órgão de regulação biotecnológica do governo argentino, temendo uso indevido em competições.

Questões éticas e impacto no mercado

A inquietação não é apenas esportiva. Uma carta assinada por 50 criadores enviada à associação argentina de polo alertava que os potros transgênicos “ultrapassam um limite” e pediam que a entidade refletisse sobre os rumos da criação equina. A preocupação central é com o possível impacto econômico, já que a entrada desses animais pode mudar drasticamente o mercado e a valorização dos exemplares.

O cientista Ted Kalbfleisch, do Gluck Equine Research Center da Universidade de Kentucky, afirma que a edição da miostatina é, do ponto de vista genético, segura. “É um gene que sabemos estar presente em cavalos saudáveis […] Se você puder preencher um cheque, poderá fazer isso”, afirmou, destacando a democratização da tecnologia.

Entre a inovação e a tradição

Enquanto a ciência avança em ritmo acelerado, as tradições do mundo equestre ainda resistem a mudanças tão profundas. A Kheiron estima produzir cerca de 400 clones somente em 2025, o que representa mais da metade dos nascidos na Argentina com essa técnica. Já os cavalos clonados têm sido vendidos por até US$ 40 mil (R$ 215 mil), com históricos como o clone premiado vendido em 2010 por US$ 800 mil.

Seja como for, os potros CRISPR já marcaram um novo capítulo na biotecnologia animal. Resta saber se o mundo — e o mercado — está pronto para cavalgar nessa nova era.

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