Dietas ‘plant-based’ industrializadas podem realmente ser saudáveis?

Reduzir seu consumo de produtos de origem animal sem chegarem a se tornar vegetarianas ou veganas, a indústria alimentícia criou um novo modismo: a dieta baseada em plantas.

Com muitas pessoas estão interessadas em reduzir seu consumo de produtos de origem animal sem chegarem a se tornar vegetarianas ou veganas, a indústria alimentícia criou um novo modismo: a dieta baseada em plantas. Dê uma olhada em seu supermercado e você provavelmente encontrará vários produtos substitutos de laticínios, ovos e carne que ostentam o rótulo “plant-based”.

Mas a indústria tomou liberdades com a definição do que é “baseado em plantas”. Em vez de priorizar alimentos em estado natural, como legumes, frutas, feijões e semelhantes e nozes ou castanhas, que é do que falam os profissionais de saúde quando recomendam uma dieta baseada em plantas, a indústria alimentícia está desenvolvendo hambúrgueres ultraprocessados feitos de proteína de ervilha ou soja, metilcelulose e maltodextrina, e “ovos” líquidos feitos de proteína isolada de feijão moyashi. Depois ela coroa esses alimentos ultraprocessados com uma aura saudável não merecida.

Empresas de fast food se aliaram à indústria alimentícia. Hambúrgueres vegetais da Impossible Foods hoje fazem parte do cardápio da Burger King. Enquanto isso, a Beyond Meat oferece a opção de sanduíches de almôndegas sem carne na Subway nos EUA, linguiças sem Carne na Dunkin, burritos sem carne na Del Taco e o hambúrguer sem carne da Carl Jr., sem falar que ela acaba de formar uma parceria com a KFC para testar seu “frango” frito vegano. E a rede canadense Tim Hortons está usando ovos veganos JUST Eggs em seus sanduíches para o café da manhã (nota: esses itens podem não ser encontrados em todos os restaurantes dessas redes).

Produtos ultraprocessados e de origem vegetal como esses são feitos para que tenham o sabor do produto real. Desse modo, o consumidor pode sentir que está fazendo a coisa certa ou se pautando por seus princípios quando escolhe plantas em lugar de carne, sem abrir mão de muito do sabor da carne.

Mas será que produtos de base vegetal que foram esmagados e moldados para parecerem cópias dos originais possuem algum valor real? Vamos analisar a questão sob diversas lentes, considerando os nutrientes, o grau de processamento do produto e como a produção desse alimento afeta o planeta.

No curso de nutrição, o valor dos alimentos para a saúde era calculado principalmente pela presença de nutrientes desejáveis, como fibras e vitaminas, e a ausência de nutrientes negativos, como sódio ou gorduras trans. Se compararamos alimentos de base vegetal ultraprocessados e alimentos semelhantes de base animal levando em conta unicamente seus nutrientes, veremos que eles são mais ou menos iguais.

Os alimentos de base vegetal são formulados intencionalmente para imitar alimentos de base animal. Assim, o leite de origem vegetal é enriquecido com cálcio e vitamina D para imitar o leite de vaca, enquanto os hambúrgueres vegetarianos são ricos em proteínas e incluem ferro e zinco, para imitar a carne. Mas nem sempre são fabricados de modo a incluir menos nutrientes menos saudáveis. Às vezes, o alimento processado de base vegetal possui mais sódio que o alimento processado de base animal, e às vezes o alimento de base animal será mais rico em calorias ou gorduras saturadas. E vice-versa. Portanto, ocorre um empate. Considere o seguinte: um Whopper da Burger King tem 660 calorias e 980 mg de sódio, enquanto a versão vegana virtuosa contém 630 calorias e 1.080 mg de sódio. Não é uma diferença tão grande, certo? Você faria melhor em preparar seu hambúrguer em casa, onde poderia fazê-lo com menos calorias e menos sódio, quer seja vegano ou não.

Curiosamente, esse método de avaliar os alimentos a partir de seus nutrientes caiu em desuso porque ele não nos mostra o quadro mais geral. Profissionais de saúde passaram anos apontando os males da gordura, depois do sódio e, mais recentemente, do açúcar, mas nenhum desses fatores isoladamente parece ser o problema. É a dieta inteira que faz diferença. Em vez de enfocar um nutriente único, muitos pesquisadores avaliam até que ponto as dietas são saudáveis ou não baseadas no grau de processamento dos alimentos que a formam, porque estudos indicam que é isso que exerce o maior impacto sobre a saúde humana.

Para determinar o grau de processamento de um alimento, os pesquisadores utilizam o sistema Nova de classificação, que separa os alimentos em quatro categorias: alimentos não processados ou minimamente processados (frutos ou ovos, por exemplo); ingredientes culinários processados (como sal ou manteiga); alimentos processados (geralmente contendo dois ou três ingredientes, como castanhas salgadas ou legumes enlatados), e alimentos ultraprocessados (formulações industrializadas contendo cinco ou mais ingredientes, incluindo açúcar, sal, gordura, isolados proteicos, intensificadores de sabor, estabilizantes e conservantes). Assim, uma maçã inteira é um alimento não processado; um molho de maçã com açúcar é processado, e barrinhas de cereal com maçã são ultraprocessadas. Vale notar que todos os três são “alimentos de base vegetal”.

Cinquenta e oito por centro das calorias diárias ingeridas pelo norte-americano médio vêm de alimentos ultraprocessados. Essa alta ingestão de ultraprocessados –mesmo que estes sejam alimentos de base vegetal— está ligada a um risco maior de síndrome metabólica, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer. Por outro lado, dietas à base de plantas compostas de alimentos em estado natural (e especificamente não de alimentos de base vegetal ultraprocessados) estão associadas a um risco mais baixo de doenças cardíacas e diabetes tipo dois. É sempre melhor escolher alimentos no estado natural, quando possível.

Finalmente, algumas pessoas optam por alimentos de base vegetal porque rejeitam o tratamento cruel de animais ou querem reduzir seu impacto ambiental, especialmente ligado às emissões de gases estufa e o consumo de água. Estudos revelam que as emissões de gases estufa são mais altas para carne e outros produtos animais e mais baixas para a maioria dos grãos, frutos, legumes e leguminosas como feijão e semelhantes. Especialistas apontam que a contribuição dos alimentos para os gases estufa é muito pequena e que a maioria dos estudos não leva em conta as melhorias recentes de eficiência dos pecuaristas ou agricultores orgânicos. Mas a maioria das pesquisas confirma a ideia de que uma alimentação baseada em plantas é melhor para o meio ambiente. Uma vez que se leva em conta o processamento de alimentos, a vantagem fica menos clara. Conclusão: é melhor escolher alimentos em estado natural que alimentos ultraprocessados, mesmo que ambos sejam de origem vegetal.

O uso do termo “baseado em plantas” nos rótulos de fast food é simplesmente mais uma tentativa dos profissionais de marketing para mudar a imagem dos junk foods. Uma dieta verdadeiramente baseada em plantas não significa optar por um Impossible Whopper no drive-through ou preparar um ovo mexido com “ovos alternativos” feitos de 15 ingredientes. Significa uma dieta com opções que alimentam de fato, como feijão preto, brócolis ou arroz integral. Vivemos procurando algum jeito mágico de poder comer junk food e ser saudáveis assim mesmo. Não se deixe enganar por essa farsa baseada em plantas.

*Texto da nutricionista Cara Rosenbloom, presidente da empresa de comunicações sobre nutrição Words to Eat By e co-autora do livro “Nourish: Whole Food Recipes Featuring Seeds, Nuts and Beans”, publicado no The Washington Post, traduzido e publicado pela Folha de São Paulo.

Siga o Compre Rural no Google News e acompanhe nossos destaques.
LEIA TAMBÉM