Empresas avaliam saída do pacto da Moratória da Soja em meio a embate jurídico

Lei estadual que entra em vigor em 2026 e decisões do STF em relação a Moratória da Soja, reacendem debate sobre competitividade, sustentabilidade e segurança jurídica no maior polo produtor de soja do país

A Moratória da Soja, um dos acordos ambientais mais emblemáticos do agronegócio brasileiro, voltou ao centro do debate nacional. Empresas signatárias do pacto estariam se preparando para deixar o acordo, firmado em 2006, que proíbe a compra de soja produzida em áreas do bioma Amazônia desmatadas após julho de 2008. A movimentação ocorre diante da Lei nº 12.709/2024, do Estado de Mato Grosso, que autoriza o governo estadual a retirar incentivos fiscais de companhias que aderem à moratória — norma que passa a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2026 .

A informação, divulgada pela agência Reuters, expõe um ambiente de crescente insegurança jurídica e intensifica a disputa entre produtores rurais, governo estadual, entidades do setor e grandes tradings internacionais.

O que é a Moratória da Soja e por que ela está em xeque

Criada em 2006 pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e pela Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), a Moratória da Soja surgiu como uma resposta às pressões internacionais por maior controle do desmatamento na Amazônia. O acordo estabelece que empresas signatárias não podem comprar soja oriunda de áreas desmatadas após 2008, mesmo quando o produtor esteja em conformidade com o Código Florestal Brasileiro.

Ao longo dos últimos anos, o pacto passou a ser duramente criticado por produtores e autoridades de Mato Grosso, que alegam que a moratória impõe restrições adicionais além da legislação ambiental vigente, afetando a competitividade do setor produtivo e criando um sistema paralelo de regulação privada.

Lei estadual muda o jogo e pressiona empresas

O estopim para a possível saída das empresas do acordo foi a aprovação da Lei mato-grossense nº 12.709/2024, que autoriza o Estado a retirar incentivos fiscais de empresas que participam da Moratória da Soja. Para o governo estadual, a medida busca proteger produtores que cumprem rigorosamente a legislação ambiental e impedir que recursos públicos financiem práticas consideradas abusivas ou discriminatórias.

Mato Grosso é hoje o maior produtor de soja do Brasil, com uma colheita superior a 50,8 milhões de toneladas na safra 2024/25, segundo dados do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). A retirada de incentivos fiscais, portanto, tem potencial de gerar impactos econômicos relevantes para toda a cadeia.

Até a publicação da reportagem, a Abiove informou que foi procurada, mas não se manifestou oficialmente sobre a possibilidade de saída das empresas do pacto .

STF entra em cena e decisões aumentam a complexidade

O tema chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e se transformou em um dos embates jurídicos mais relevantes do agro nos últimos anos. Em dezembro de 2024, o ministro Flávio Dino suspendeu a eficácia da lei estadual, atendendo a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PCdoB. No entanto, em abril de 2025, o ministro reconsiderou parcialmente sua decisão, restabelecendo o artigo 2º da lei, justamente o dispositivo que corta incentivos fiscais das empresas signatárias da moratória.

Com isso, ficou definido que a norma voltará a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2026, permitindo ao governo de Mato Grosso restringir benefícios fiscais às companhias que aderem ao acordo ambiental privado .

Em novembro, o STF avançou ainda mais: reconheceu a autonomia do Estado de Mato Grosso para restringir benefícios fiscais, decisão que contou com maioria de votos no plenário. Poucos dias depois, porém, o próprio ministro Flávio Dino determinou a suspensão de todos os processos judiciais e administrativos que discutem a constitucionalidade da moratória, após pedido da Abiove. O julgamento permanece paralisado por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Cade investiga possível cartel e amplia tensão

Além do STF, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também entrou no debate. O órgão antitruste suspendeu até 31 de dezembro de 2025 os efeitos de uma medida preventiva que havia paralisado provisoriamente a moratória, abrindo espaço para uma análise mais aprofundada do acordo.

O Cade chegou a instaurar nota técnica para investigar possível cartel de compra no mercado de soja, citando empresas e apontando prejuízos econômicos aos produtores. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sustenta que a moratória gera danos concretos e imediatos à economia, enquanto a Abiove obteve decisões judiciais para impedir a suspensão do pacto.

O que está em jogo para o agro brasileiro

A possível saída das empresas da Moratória da Soja expõe um conflito estrutural entre acordos privados internacionais e a soberania da legislação ambiental brasileira. De um lado, há pressão de mercados externos por compromissos ambientais mais rígidos. De outro, produtores e governos estaduais defendem que o Código Florestal já é um dos mais exigentes do mundo e não pode ser sobreposto por regras privadas.

Com a entrada em vigor da lei em 2026 e decisões ainda pendentes no STF e no Cade, o setor vive um período de incerteza regulatória, que pode redefinir o futuro da comercialização da soja brasileira, a relação com tradings globais e o equilíbrio entre sustentabilidade, competitividade e segurança jurídica no campo .

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