Em uma análise contundente, um dos nomes mais experientes da pecuária na região do Xingu aponta falhas estratégicas que, segundo ele, comprometem a qualidade da carne nacional. Agora, dados de pesquisas da Embrapa e números do mercado confirmam: a sabedoria do campo tem respaldo científico
A pecuária brasileira, uma potência mundial em volume de produção e exportação, vive um paradoxo: enquanto os números de produtividade crescem, a qualidade da carne consumida no mercado interno e em muitos mercados de exportação é constantemente debatida.
A voz da experiência, vinda de um renomado pecuarista e ex-açougueiro do Xingu, acende um alerta que encontra eco em estudos e dados do setor. Ele detalha em uma entrevista ao MF Cast os dois pontos que considera cruciais para o futuro da nossa carne. Siga a leitura e acompanhe o Compre Rural, aqui você encontra informação de qualidade para fortalecer o campo!
Erro 1: A precocidade a qualquer custo
A busca pela inseminação de novilhas cada vez mais jovens, por volta dos 14 meses, virou um mantra da pecuária moderna. O pecuarista, no entanto, a chama de “bobagem”.
“O pessoal fica inventando tanta coisa… Fazer ‘precocinha’ é bobagem. A fêmea Nelore não foi feita para isso. Se ela enxertar com 13 meses, vai parir com 22 meses. Ela vai falhar, pois não tem estrutura para reenxertar”, afirma.
O que os dados e a ciência dizem?
A crítica do produtor é validada por diversos estudos. Pesquisas da Embrapa Gado de Corte indicam que, embora a prenhez aos 14-16 meses seja tecnicamente possível, ela exige um altíssimo nível de manejo nutricional e sanitário, muitas vezes inviável na pecuária extensiva.
- Taxa de Reconcepção: O principal indicador é a capacidade da vaca de emprenhar novamente após o primeiro parto. Estudos mostram que primíparas (vacas de primeira cria) que parem muito jovens (com 24 meses) podem apresentar taxas de reconcepção inferiores a 50% em sistemas a pasto. Em contraste, fêmeas que parem pela primeira vez com cerca de 36 meses (inseminadas por volta dos 24-27 meses) atingem taxas de reconcepção de 70% a 85%, garantindo um bezerro por ano, que é o objetivo do sistema.
- Custo x Benefício: A antecipação exige um investimento elevado em suplementação para que a novilha continue a crescer ao mesmo tempo que gesta, o que pode não se pagar caso a taxa de reconcepção futura seja baixa.
A recomendação do pecuarista por uma inseminação mais tardia, por volta dos 20-24 meses, reflete uma estratégia focada na longevidade e na sustentabilidade do rebanho, um ponto crucial para a viabilidade econômica da fazenda a longo prazo.
Erro 2: O Boi Inteiro – Mais Peso na Balança, Menos Qualidade no Prato
Este é o ponto mais polêmico. O pecuarista classifica a popularização do boi inteiro (não castrado) como um “desastre para o sabor”, mesmo que represente mais peso na balança — o “errado que deu certo” financeiramente.
“Esse boi inteiro criado a pasto é uma porcaria. Fui açougueiro 5 anos, entendo de carne. A carne é ruim, não tem marmorização, não tem gordura. E é a gordura que dá o sabor”, crava.
O que os dados e a ciência dizem?
A ciência zootécnica confirma as observações do produtor. A testosterona, hormônio abundante em machos não castrados, direciona a energia do animal para o crescimento muscular, e não para a deposição de gordura.
- Ganho de Peso: Dados de desempenho mostram que animais inteiros podem ter um ganho de peso diário de 10% a 15% maior e um peso final de carcaça até 20% superior em comparação com animais castrados sob as mesmas condições. Isso explica a preferência econômica de muitos produtores.
- Qualidade da Carne: A contrapartida está na qualidade sensorial, confirmada por inúmeros estudos acadêmicos e painéis de consumidores:
- Maciez: A carne de animais castrados é consistentemente mais macia. A castração leva a uma maior atividade de enzimas (calpaínas) que amaciam a carne durante o processo de maturação.
- Marmoreio: A deposição de gordura intramuscular (marmoreio), essencial para o sabor e a suculência, é significativamente maior em animais castrados. Em escalas de 1 a 5, carcaças de animais inteiros frequentemente pontuam abaixo de 2, enquanto castrados podem superar 3,5.
- Cor e pH: A carne de touros tende a ser mais escura e a ter um pH final mais elevado, o que pode diminuir sua vida útil na prateleira (problema conhecido como “corte escuro” ou DFD – Dark, Firm, Dry).
O Mercado Já paga a conta?
Enquanto o mercado de commodities ainda privilegia o peso, nichos de alto valor já remuneram a qualidade. Programas de certificação como o Selo Angus, e cotas de exportação de alta qualidade como a Cota Hilton para a Europa, exigem características (acabamento de gordura, maciez) que são mais facilmente atingidas com animais castrados. Isso prova que há, sim, um mercado disposto a pagar mais pela qualidade que o pecuarista defende.
A análise do pecuarista do Xingu, longe de ser uma mera opinião, é um reflexo prático de realidades biológicas e econômicas confirmadas pela ciência. O dilema entre peso e qualidade não é novo, mas em um mercado cada vez mais competitivo e exigente, a resposta parece pender para a segunda opção.
Investir na estrutura da matriz e na qualidade final da carne, optando pelo animal castrado, pode significar um ganho menor na balança do frigorífico hoje, mas representa um ganho imensurável em valor agregado, fidelização do consumidor e posicionamento do Brasil como um produtor não apenas de quantidade, mas de excelência.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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