Existe flexibilidade de manejo em mistura de gramíneas?

Algumas gramíneas parecem ter uma flexibilidade na altura de entrada dos animais, sem perdas na capacidade produtiva, desde que a severidade seja moderada

O manejo de uma pastagem utilizando a altura como critério de manejo proporciona diversos benefícios ao sistema produtivo. O estabelecimento de metas de altura de entrada e saída dos animais dos piquetes que estejam de acordo com as recomendações técnicas são importantes para possibilitar a sustentabilidade do sistema (persistência da planta forrageira e desempenho animal satisfatório).

De maneira geral, algumas gramíneas parecem ter uma flexibilidade na altura de entrada dos animais, sem perdas na capacidade produtiva, desde que a severidade de desfolha seja moderada (não excedendo cerca de 50% da altura de entrada).

Nestes casos, ao considerar a amplitude possível de altura de manejo, a escolha deve ser pautada nos objetivos da produção. Maior desempenho por animal está associado aos limites superiores de altura do pasto (maior massa de forragem), enquanto que alturas de manejo mais próximas do limite inferior estão ligadas a desempenho animal mais modesto, porém implicam em maior taxa de lotação.

Mais detalhes deste conceito podem ser encontrados aqui: Manejo do pasto usando altura: há um alvo?

A adoção de pastagens formadas por mais de uma espécie forrageira tem despertado o interesse de produtores rurais e é fortemente respaldada pela pesquisa científica como uma maneira de melhorar o uso dos recursos (água, luz, nutrientes).

Em termos práticos, o uso do consórcio de plantas pode trazer robustez ao sistema aumentando, por exemplo, a tolerância a pragas e doenças e a estiagem. (Diversificar o pasto pode atenuar os efeitos da estiagem prolongada?) Além disso, resultados promissores também são observados na produção de forragem (kg de MS/ha) e na estabilidade produtiva da mistura quando comparado a monoculturas.

Contudo, a inclusão de mais uma espécie forrageira na pastagem traz consigo mais complexidade no manejo, uma vez que é preciso manejar o pasto de maneira que permita a coexistência das duas (ou mais) espécies presentes na associação.

Feitas estas considerações, de que as gramíneas possuem uma altura de manejo flexível e que a adoção de mistura de espécies é benéfica para o sistema, a dúvida é: Ao implantar duas gramíneas que crescem juntas, a flexibilidade de manejo se mantém da mesma forma que os monocultivos? E ainda, a altura de manejo pode “desequilibrar” a proporção das espécies e levar a dominância de uma delas?

A fim de contribuir no esclarecimento destas dúvidas, implementamos um experimento com uma mistura forrageira no município de Lages-SC*. A pastagem era composta de 10 % (em média) de leguminosas e 90% de gramíneas. As gramíneas eram Tifton 85 (Cynodon spp.) e Capim-quicuiu (Cenchrus clandestinus) (Figura 1) e apresentavam proporções semelhantes na mistura quando implantadas.

Figura 1. Espécies de gramíneas que compunham um pasto misto submetido a diferentes alturas de manejo. (A) tifton 85, (B) capim-quicuiu, (C) exemplo de perfilho basal de capim-quicuiu.

Espécies de gramíneas que compunham um pasto misto
Fonte: Barreta, 2022.

Durante três anos, no período da estação quente no Sul do Brasil (nov-abr.) o pasto foi manejado sob duas alturas de pré-pastejo, 17 e 23 cm com severidade de desfolha de 40% (novilhas leiteiras acessavam os piquetes nas alturas 17 e 23 cm e saíam quando a altura do dossel era de 10 e 14 cm, respectivamente).
 

  • Composição de espécies: Após três anos de manejo (2020-2022) as duas gramíneas permaneceram coexistindo muito bem na área, e cada uma compôs cerca de 40 a 50% da massa de forragem durante o verão e outono, independentemente da altura de manejo. Ou seja, não houve dominância aparente de uma das espécies em função da altura de manejo.
     
  • Produção de forragem: Não houve efeito da altura de manejo na produção de forragem (Tabela 1). A principal razão para a mesma produção em duas alturas distintas é que sob uma altura mais baixa (17 cm) o dossel forrageiro foi hábil em modular sua estrutura para compensar este efeito.

    Exemplificando: Sob alturas de manejo mais baixas, os perfilhos (Figura 1-C) das plantas são menores (e consequentemente mais leves) em comparação a perfilhos de pastos manejados mais altos. Assim, ao reduzir a altura de manejo de uma pastagem, a manutenção da produtividade ocorre em função da densidade de perfilhos (no perf./m²), a planta produz mais perfilhos para compensar o menor tamanho destes (há um limite para que este mecanismo ocorra). Neste experimento, ambas as plantas foram capazes de aumentar o número de perfilhos (por m²) na altura de 17 cm (Tabela 1).
     

Tabela 1. Produção de forragem (ton. MS/ha) e número de perfilhos/m² de uma pastagem mista formada majoritariamente (90%) por tifton 85 e capim quicuiu em função de duas alturas de pré-pastejo, Lages-SC.
 

Produção de forragem (ton. MS/ha) e número de perfilhos/m² de uma pastagem mista


Vale salientar que as alturas adotadas neste experimento são alturas já testadas para estas espécies em monocultura, e respeitam a amplitude de manejo das plantas para uma produção forrageira semelhante.

O mecanismo de compensação que ocorre em monoculturas de gramíneas também opera em misturas forrageiras, e dentro desta amplitude de manejo, a produção de forragem é semelhante.

Em termos práticos, tifton 85 e capim quicuiu podem compor juntos um ambiente pastoril e possivelmente entregar os benefícios de um pasto misto. Além disso, o equilíbrio entre as espécies é mantido sob uma considerável amplitude de manejo, desde que a severidade de desfolha seja moderada.

Fonte: MilkPoint

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