País asiático busca reduzir dependência da Austrália, mas desafios logísticos, custos elevados e bem-estar animal ainda colocam em dúvida a viabilidade comercial da exportação de gado vivo do Brasil para Indonésia
A possibilidade de o Brasil voltar ao radar da Indonésia como fornecedor de gado vivo para engorda ganhou força após a visita do presidente indonésio, Prabowo Subianto, a Brasília, em outubro. O movimento faz parte de uma estratégia clara do país asiático: diversificar suas origens de importação e diminuir a histórica dependência da Austrália, principal fornecedora de bovinos vivos da região há décadas. Resumindo a história, a Indonésia está novamente explorando a opção de importar gado brasileiro para engorda, mas gargalo logístico precisa ser superado para garantir o mercado na exportação de gado vivo.
Neste cenário, apesar do interesse político e sanitário, a concretização desse comércio ainda está longe de ser simples. Um navio teste, em caráter piloto, é estudado, mas enfrenta obstáculos logísticos, econômicos e operacionais que colocam em xeque sua viabilidade no curto prazo.
Autorização existe, mas não significa operação imediata
A Indonésia já deu um passo importante ao autorizar formalmente a importação de gado vivo do Brasil, ampliando sua cota total para 534 mil cabeças em 2025, o que rompe o antigo monopólio australiano e cria uma janela estratégica para novos fornecedores .
A decisão tem forte apelo interno. Segundo autoridades indonésias, a importação de animais vivos — e não de carne — estimula a engorda local, gera empregos e movimenta a cadeia produtiva doméstica, diferentemente da carne congelada, que chega pronta ao consumidor final .
Apesar disso, nenhuma licença operacional específica foi emitida até o momento para embarques brasileiros, o que reforça o caráter ainda exploratório das tratativas.
Logística é o maior gargalo para o Brasil
O principal entrave está no tempo de viagem. Enquanto o gado australiano chega à Indonésia em quatro a cinco dias, partindo do norte da Austrália, um embarque brasileiro pode levar de 30 a até 45 dias, dependendo da rota e das condições marítimas.
Esse período prolongado levanta uma série de preocupações:
- Necessidade de grande volume de ração a bordo;
- Riscos ao bem-estar animal, especialmente em viagens longas;
- Maior probabilidade de perdas e mortalidade durante o transporte;
- Custos operacionais significativamente mais elevados.
Fontes do setor indicam que seria necessária ao menos uma recarga de ração durante a travessia, seja programada ou como contingência. O problema é que atualmente não existe um porto intermediário adequado para esse tipo de operação, o que aumenta ainda mais o risco logístico.
Navios disponíveis para exportação de gado vivo levantam dúvidas sobre padrões sanitários
Outro ponto sensível está na escolha das embarcações. Brasil e Indonésia não exigem os mesmos padrões rigorosos de bem-estar animal adotados pela Austrália nas exportações de gado vivo. Com isso, os navios disponíveis para esse corredor tendem a ser embarcações mais antigas, que já não atendem às exigências australianas.
Esses navios geralmente operam com:
- Maior densidade de animais por metro quadrado;
- Menor controle sobre temperatura e ventilação;
- Limitações nos sistemas de monitoramento de mortalidade e sanidade.
Por outro lado, o uso dessas embarcações pode reduzir o custo do frete, tornando o projeto tecnicamente possível, ainda que cercado de incertezas.
Experiência passada serve de alerta
No setor, há quem compare esse possível embarque com o carregamento realizado ao Vietnã em 2021. Na época, a operação funcionou do ponto de vista técnico, mas não se consolidou como um negócio recorrente, justamente pelos custos elevados e pela logística complexa.
A avaliação predominante hoje é clara: um lote piloto pode até sair do papel, mas a chance de o Brasil competir de forma consistente com a Austrália nesse mercado, nas condições atuais, é considerada baixa.
Estratégia é mais política do que comercial, por ora
Para a Indonésia, o interesse no Brasil cumpre um papel estratégico: ampliar o poder de barganha, reduzir riscos de abastecimento e sinalizar ao mercado que há alternativas à Austrália. Para o Brasil, trata-se de uma oportunidade relevante, especialmente após o reconhecimento do país como livre de febre aftosa sem vacinação, fator que fortalece sua imagem sanitária internacional .
Ainda assim, especialistas avaliam que, sem investimentos robustos em logística, frota adequada e protocolos específicos de bem-estar animal, a exportação de gado vivo do Brasil para a Indonésia tende a permanecer mais como um teste de viabilidade do que como um fluxo comercial contínuo.
O interesse existe, o aval sanitário também. O desafio agora é transformar intenção política em operação economicamente sustentável — algo que, pelo cenário atual, ainda parece distante.
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