
Ainda é comum subestimar a complexidade do processo envolvido na produção de ração animal
Com expectativa de atingir 90 milhões de toneladas de rações e concentrados, além de quase 4 milhões de toneladas de suplementos, a fabricação de alimentos para animais no Brasil projeta crescimento de aproximadamente 3% em 2025, segundo o Sindirações.
Entretanto, esse avanço é condicionado a fatores que extrapolam a eficiência industrial. Entre os principais, destacam-se eventos climáticos extremos e os efeitos do fenômeno La Niña, volatilidade do câmbio, sobretaxas e barreiras protecionistas, oscilações nos preços das commodities, além de pressões internas como inflação, juros e déficit fiscal.
Esse cenário multifatorial torna ainda mais urgente o fortalecimento dos pilares técnicos e regulatórios da indústria, especialmente no que se refere à segurança do alimento, padronização dos processos e qualidade do produto final.
Produzir ração é produzir alimento
Ainda é comum subestimar a complexidade do processo envolvido na produção de ração animal. No entanto, com a obrigatoriedade da rastreabilidade, o avanço da digitalização e a importância da sustentabilidade e bem-estar, a responsabilidade dos fabricantes chegou muito além da simples entrega de desempenho zootécnico.
Produzir ração é, antes de tudo, produzir alimento. Isso implica incorporar ao processo produtivo exigências como a garantia da qualidade microbiológica e físico-química, a ausência de contaminantes físicos, químicos e biológicos, a conformidade ambiental e a prevenção de desperdícios, além do rigor na segurança de alimentos com impacto indireto sobre a saúde pública (humana), pois estamos tratando de cadeias de produção de proteína animal.
A fabricação de alimentos para animais exige um encadeamento técnico complexo, iniciado já no projeto da fábrica e que se estende por diversas etapas críticas. Isso inclui o dimensionamento e instalação de equipamentos, a seleção e qualificação de fornecedores, a definição de formulações, a validação da qualidade das matérias-primas, a armazenagem controlada e movimentação interna, a calibração e operação de equipamentos de dosagem, moagem, mistura, peletização e resfriamento, além do controle de limpeza, manutenção e organização de layout.
Mais do que estruturas físicas e sistemas automatizados, é indispensável contar com equipes capacitadas, conscientes da criticidade de suas tarefas. A formação técnica e a cultura de responsabilidade são elementos estruturantes da segurança e padronização na produção.
A lógica do controle: da prevenção ao monitoramento
A fabricação de ração está inserida em um ambiente regulatório que exige não apenas conformidade documental, mas capacidade de prevenir, identificar e reagir a riscos reais de contaminação e perdas.
Para isso, destacam-se três sistemas interdependentes que apoiam os programas de autocontrole:
- Boas Práticas de Fabricação (BPF)
Estabelecem condições higiênicas, sanitárias e operacionais, aplicadas em todo o fluxo produtivo, visando garantir qualidade e segurança. São a base de sustentação de todos os demais sistemas. - Procedimento Padrão de Higiene Operacional (PPHO)
Abrangem procedimentos de limpeza e sanitização antes, durante e após as operações; inclui proteção contra contaminação cruzada, gestão de produtos tóxicos e higiene pessoal dos operadores. - Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC)
Também conhecida como HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points), é um sistema de gestão de segurança de alimentos com uma abordagem sistemática que se concentra na prevenção de problemas, em vez de apenas detectá-los após a ocorrência.
A lógica da APPCC se apoia na chamada árvore decisória, uma ferramenta que permite, com base no conhecimento profundo do fluxo produtivo, classificar os riscos por sua gravidade e frequência, determinando se há necessidade de controle específico em cada etapa.

Onde estão os riscos: os principais PCCs da produção de ração
Cada fábrica possui características particulares. No entanto, há pontos do processo com elevado potencial de risco cuja supervisão é mandatória. A seguir, listam-se os principais Pontos Críticos de Controle (PCCs) observados em plantas industriais de produção de alimentos para animais, conforme práticas de mercado e literatura técnica:
- Recepção, beneficiamento e estocagem de matérias-primas e embalagens – Monitoramento de umidade, pragas, impurezas, granulometria, composição nutricional e contaminação cruzada. Controle de temperatura e viscosidade no caso de líquidos como gorduras e melaço. Inspeção de embalagens e condições estruturais de silos e armazéns.
- Ensilamento e fluxos internos – Verificação de rotas de ingredientes, integridade de caixas, limpeza e registros internos. Sinalização adequada e alarmes operacionais.
- Moagem – Granulometria adequada à espécie e categoria animal e ajustada à necessidade de homogenização; capacidade dos moinhos proporcional à necessidade; monitoramento e controle de contaminação física e limpeza.
- Dosagem – Garantia de precisão de dosagem, calibração periódica dos equipamentos dosadores, capacidade e número de silos compatíveis com a flexibilidade produtiva.
- Mistura – Uniformidade da mistura (coeficiente de variação ≤ 10%, ideal ≤ 5%), controle de resíduos, vedação contra vazamentos e monitoramento contínuo.
- Peletização – Controle de temperatura, tempo, umidade e pressão para preservação dos nutrientes e dureza dos pellets.
- Resfriamento – Rações devem sair com temperatura máxima de 7°C acima da temperatura ambiente para evitar condensação e deterioração.
- Expedição – Garantia da integridade do produto, monitoramento de pragas, limpeza e organização, e rastreabilidade documental.
- Equipamentos transportadores – Velocidade adequada, prevenção de contaminação cruzada, segregação de áreas e manutenção periódica.
- Transporte – Veículos em condições sanitárias adequadas, proteção contra desmistura e geração de finos.
Para além do controle: limites críticos e rastreabilidade
A identificação dos Pontos Críticos de Controle (PCCs) é apenas o início. É necessário definir Limites Críticos (LCs), que indicam o ponto a partir do qual há risco inaceitável, bem como procedimentos de monitoramento, ações corretivas e preventivas e registros completos para auditorias internas e externas.
A rastreabilidade conecta todos os pontos do processo e é fundamental para gestão de crises, recalls e certificações de qualidade.

Considerações finais
A fabricação de alimentos para animais requer precisão, controle rigoroso e responsabilidade técnica em todas as etapas. Diante de um cenário cada vez mais exigente e vulnerável a riscos externos, não há espaço para improviso ou negligência.
A produção de ração é uma atividade essencial para a cadeia da proteína animal e exige compromisso com a segurança, com a ciência e com a excelência operacional. Os Pontos Críticos de Controle são ferramentas centrais nesse processo, e a definição dos Limites Críticos fecha o ciclo de garantia da qualidade.
Fonte: https://apecuariadeprecisao.com.br/
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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