Frigoríficos gigantes fecham nos EUA enquanto pecuaristas criticam a carne bovina brasileira

Crise no ciclo pecuário americano, custos elevados e oferta restrita de gado levam ao fechamento de grandes plantas industriais; ao mesmo tempo, produtores dos EUA intensificam críticas à carne bovina brasileira, apontando falhas na rotulagem e na inspeção do produto importado

A indústria da carne bovina dos Estados Unidos atravessa um dos momentos mais delicados das últimas décadas. Em meio à forte retração do rebanho, alta nos custos de produção e pressão sobre as margens, gigantes do setor anunciaram o fechamento de importantes unidades industriais. Paralelamente, cresce o discurso crítico de pecuaristas norte-americanos contra a carne bovina brasileira, que ganhou espaço no mercado dos EUA justamente em um cenário de escassez interna e preços elevados.

Esse duplo movimento — plantas fechando de um lado e aumento das importações do outro — escancara as transformações estruturais do mercado global de carne bovina e ajuda a explicar por que o Brasil passou a ocupar posição central nas discussões do setor nos Estados Unidos.

Gigantes do setor encerram operações

Nos últimos meses, dois anúncios chamaram a atenção do mercado. A Tyson Foods, uma das maiores processadoras de carne do mundo, confirmou o fechamento de uma unidade no estado de Nebraska. Pouco depois, foi a vez da JBS Foods, braço da brasileira JBS nos EUA, informar o encerramento permanente de uma planta nos arredores de Los Angeles, responsável pelo preparo de carne bovina destinada ao varejo americano .

Segundo as empresas, as decisões fazem parte de ajustes estratégicos para otimização de operações, redução de custos e foco em produtos de maior valor agregado. No entanto, o pano de fundo é mais amplo e estrutural.

A indústria de carne dos EUA enfrenta uma crise típica de ciclo pecuário, agravada por fatores climáticos e econômicos. O rebanho bovino americano está no menor nível em 75 anos, segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Desde 2021, o número total de cabeças caiu de 92,6 milhões para cerca de 86,6 milhões, enquanto o gado de corte recuou para 27,9 milhões de cabeças — uma queda de 13% desde 2019.

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Foto: Divulgação

Oferta restrita, preços altos e impacto no consumo

Com menos animais disponíveis para abate, a produção de carne bovina nos EUA deve cair 4% em 2025 e mais 2% em 2026, pressionando toda a cadeia. O impacto chega diretamente ao consumidor: a carne moída, base da indústria de hambúrgueres — responsável por cerca de 80% do consumo desse produto no país — acumulou alta de 14% no ano, conforme dados do Bureau of Labor Statistics (BLS) .

A situação foi agravada pela seca prolongada no oeste americano, que reduziu a qualidade das pastagens e elevou os custos com ração, forçando muitos pecuaristas a diminuir seus plantéis. Além disso, a suspensão das importações de gado vivo do México, em maio, para evitar a entrada da praga conhecida como New World Screwworm (bicheira do Novo Mundo), restringiu ainda mais a oferta de animais para engorda nos confinamentos dos EUA .

Carne brasileira ganha espaço — e vira alvo de críticas

Nesse contexto de escassez, a carne bovina brasileira passou a ocupar um papel estratégico no abastecimento do mercado americano. Entre janeiro e novembro, os EUA importaram 244,5 mil toneladas de carne bovina do Brasil, volume 109% superior ao registrado no mesmo período do ano anterior, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) .

O crescimento das importações, no entanto, acendeu o alerta entre pecuaristas norte-americanos. Lideranças rurais e representantes do setor passaram a pressionar o governo dos EUA, acusando o sistema atual de inspeção e rotulagem da carne importada de “enganar o consumidor” e prejudicar a competitividade da produção local .

De acordo com o movimento, embora a legislação americana determine que 100% da carne importada seja reinspecionada fisicamente na entrada do país, na prática parte desse controle teria sido substituída por análises baseadas em risco, reduzindo a fiscalização visual direta. Para os produtores, isso cria brechas sanitárias e compromete a transparência do sistema .

O ponto mais sensível: rotulagem e origem da carne bovina

O principal foco das críticas está na rotulagem da carne bovina importada. Hoje, produtos que passam por algum tipo de processamento nos Estados Unidos — como corte, moagem ou reembalagem — podem receber o selo de “Produto dos EUA”, desde que sejam considerados “substancialmente transformados”.

carne bovina brasileira
Foto: Divulgação

Na avaliação dos pecuaristas americanos, essa interpretação é excessivamente ampla. Eles argumentam que o consumidor, ao ver o rótulo e o selo “Inspecionado e Aprovado pelos EUA”, acredita estar comprando carne de origem americana, quando, na realidade, pode se tratar de um produto importado, como a carne brasileira .

Apesar do tom duro, o grupo afirma não ser contra a importação em si, mas defende que as regras existentes sejam cumpridas integralmente, com inspeção física total e rotulagem clara sobre a origem do produto.

Brasil assume liderança global na produção

Enquanto os EUA enfrentam retração, o Brasil vive um momento de protagonismo no mercado global. Segundo o USDA, o país deve encerrar 2025 com produção estimada em 12,35 milhões de toneladas de carne bovina, superando os Estados Unidos, que devem produzir 11,81 milhões de toneladas — um marco inédito na história recente do setor .

Esse avanço ocorre em meio a um ciclo favorável da pecuária brasileira, com maior oferta de animais, custos relativamente mais competitivos e forte presença no comércio internacional. Para 2026, o USDA projeta uma leve queda na produção brasileira, ligada à retenção de fêmeas para recomposição do rebanho, enquanto os EUA devem iniciar uma recuperação gradual — ainda assim, em ritmo lento .

Carne bovina: Um mercado em transformação

O fechamento de frigoríficos nos Estados Unidos e o aumento das críticas à carne brasileira não são fatos isolados. Eles refletem um mercado global em profunda transformação, marcado por ciclos pecuários distintos, mudanças climáticas, pressões de custo e uma disputa crescente por espaço nos principais mercados consumidores.

Para o Brasil, o cenário reforça a importância de manter padrões sanitários rigorosos, transparência e competitividade, em um ambiente internacional cada vez mais atento — e sensível — à origem da proteína que chega à mesa do consumidor.

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