Neste especial do Compre Rural, conheça a história da rara raça de galináceo que canta por mais de 40 segundos e o papel do pesquisador Fausto Pereira Lima no resgate e preservação dessa joia da avicultura nacional
Muito além do cacarejo matinal, existe uma ave capaz de transformar o galinheiro em palco de espetáculo sonoro. Estamos falando do galo músico, raça rara de origem europeia que encontrou no Brasil solo fértil para desenvolver uma característica única: o canto longo e grave, que pode durar até 50 segundos. E se essa tradição ainda resiste, é graças ao trabalho quase centenário do pesquisador e criador Fausto Pereira Lima, que há gerações se dedica ao melhoramento genético desses galos cantores.
A origem do galo músico no Brasil remonta ao ano de 1817, quando a princesa Maria Leopoldina da Áustria teria trazido consigo galos de canto prolongado para as fazendas do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Esses galos descendiam da raça alemã Bergische Kräher, conhecida pelo canto vigoroso e melódico. Ao longo dos séculos, a linhagem foi se adaptando ao clima e ao manejo brasileiro, tornando-se uma ave rústica e com forte apelo ornamental.
No Brasil, a raça ganhou o apelido de “galo músico” pela sonoridade grave e surpreendentemente duradoura. É comum que os machos emitam cantos de 20 a 30 segundos; porém, os melhores exemplares, como os do criatório Sítio Jacarandá, chegam a ultrapassar os 40 segundos em uma única vocalização.
Características físicas e comportamento do Galo Músico
Com penas malhadas de preto e dourado, crista simples e porte robusto, o galo músico chama atenção também pela aparência. Os machos adultos pesam até 3,5 kg, e as fêmeas, cerca de 2,5 kg. Além do canto, são aves vigorosas e resistentes, adaptadas ao manejo extensivo e à criação rústica.
As galinhas botam em média 120 a 150 ovos por ano, mas o foco da seleção é voltado ao desempenho vocal dos galos. Os filhotes começam a cantar a partir dos sete meses, atingindo o auge por volta de um ano e meio.
Outro traço curioso: esses galos costumam cantar preferencialmente ao amanhecer, mas podem soltar a voz em outros momentos do dia, especialmente quando estimulados por luz ou movimento. E sim, às vezes até as galinhas tentam cantar, mesmo que de forma mais tímida.
Fausto Pereira Lima: o guardião do galo músico
A trajetória de Fausto Pereira Lima, de 92 anos, é indissociável da história do galo músico no Brasil. Descendente de criadores tradicionais, ele herdou do bisavô Domiciano a paixão pela raça e transformou o Sítio Jacarandá, em Cajuru (SP), no principal reduto dessa ave no país. Ao lado dos filhos, Luis Otávio e Maria Lúcia, mantém um plantel fechado e selecionado há mais de 170 anos.
A seleção feita por Fausto é minuciosa: apenas os galos com os cantos mais longos são usados na reprodução. O resultado? Uma linhagem de elite, capaz de superar os padrões internacionais em duração de canto.
“Meu objetivo sempre foi preservar o que essa ave tem de mais valioso: sua voz. O que me motiva é ouvir esse canto longo no terreiro, ao nascer do sol”, conta Fausto, em entrevista ao Canal Rural.
Valorização e leilões online
Com a redescoberta da vida rural durante a pandemia, o interesse por raças ornamentais aumentou, e o galo músico voltou aos holofotes. Em 2021, o criatório organizou o 1º leilão online de galos músicos do Brasil, com lances que chegaram a R$ 5 mil por exemplar. O sucesso foi tanto que, em 2022, a família promoveu nova edição, ampliando a oferta para dezenas de lotes, com frangos, galinhas e galos reprodutores.
Hoje, o galo músico começa a conquistar criadores de São Paulo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e outros estados, formando uma rede nacional de apaixonados por essa ave única. Ainda não há concursos oficiais de canto no país – como os realizados na Alemanha ou Indonésia – mas há crescente movimentação de criadores para trocar vídeos, relatos e até treinar suas aves para que “cantem bonito”.
Um patrimônio genético e cultural
O galo músico é, antes de tudo, uma expressão da avicultura ornamental brasileira. Sua resistência, beleza e sobretudo seu canto prolongado fazem dele uma ave cobiçada não por produtividade, mas por encanto. É uma raça que une tradição familiar, resgate histórico e seleção genética, preservada com zelo por um dos maiores nomes da avicultura alternativa nacional.
E enquanto o mundo desperta ao som de despertadores digitais, quem tem um galo músico em casa acorda ao som de um concerto natural – uma melodia que ecoa da roça para o coração, nota por nota, segundo por segundo.
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