Governo costura nova medida para elevar disputa no crédito

Como os subsídios tendem a ser cada vez mais escassos, o plano também prevê a realização de leilões nos quais os bancos disputariam esses subsídios.

Como parte da estratégia do governo Jair Bolsonaro para ampliar a concorrência no segmento de crédito rural, o Ministério da Economia quer mexer na lei para permitir que bancos privados também operem com taxas de juros subsidiados, um privilégio exclusivo de bancos públicos e cooperativas há quase três décadas no país. Como os subsídios tendem a ser cada vez mais escassos, o plano também prevê a realização de leilões nos quais os bancos disputariam esses subsídios.

Na prática, a Lei 8.427/1992 criou uma vantagem competitiva para o Banco do Brasil, líder histórico em crédito rural, que a atual equipe econômica sinaliza a todo tempo querer pôr um fim, ainda que não imediatamente. É a equalização que permite que o BB pratique em seus financiamentos taxas de juros mais baixas (a média foi de 7,5% ao ano nesta temporada 2018/19) que as de mercado (de 9% a 11% ao ano) sempre que seu custo financeiro para captar recursos é mais elevado que o custo para emprestar ao tomador – um produtor rural, por exemplo. 

Nesse caso, o Tesouro cobre a diferença – ou seja, “equaliza” (subsidia) essas operações de crédito rural com um montante que atualmente chega a cerca de R$ 10 bilhões, com recursos públicos, para tornar a operação mais atraente ao tomador. No entanto, o governo não subsidia as taxas de juros de qualquer financiamento no meio rural, e são aqueles baseados em poupança rural, cujo saldo atualmente em torno de R$ 180 bilhões – nas mãos de BB, Bansicredi, Bancoob e BNB – os que mais recebem esse apoio. Como recebe subsídios do Tesouro para equalizar as taxas de juros, a poupança rural, assim definida pela finalidade da aplicação dos recursos, é uma das principais fontes de recursos de crédito rural do país, com menor custo de captação. 

É aí que mora a vantagem do BB. O banco é responsável pela captação de cerca de 90% da poupança rural depositada em todo o país, dada a grande capilaridade de sua rede de agências espalhadas pelo interior, que abriga os principais polos do agronegócio e onde a poupança ainda é uma aplicação muito frequente, apesar de render uma remuneração considerada baixa aos poupadores. 

A poupança rural responde por 44,4% do “funding” do Banco do Brasil e é a principal fonte de recursos para sua carteira de crédito rural – que soma quase R$ 190 bilhões -, ainda que sua participação, que já foi superior a 50%, esteja diminuindo diante da escalada de outras fontes, como as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) – a fatia das LCA no funding de crédito rural do BB saltou de 15,3%, em março de 2018, para 21,4% em março deste ano.

“A conversa é direta e reta: queremos aumentar a concorrência no crédito rural. Mas vai ser tudo bastante gradual. Ninguém vai virar a mesa, porque tudo o que a gente não quer é provocar um distúrbio na agricultura”, afirmou ao Valor o subsecretário de Política Agrícola e Meio Ambiente da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, Rogério Boueri. 

Nesse sentido, a Economia articula com a bancada ruralista a aprovação, ainda neste ano, de um projeto de lei que tramita no Congresso desde 2017, mas que deverá prever, agora, a criação de leilões para que os bancos disputem esses recursos de equalização. Por envolver o Legislativo, porém, não haverá tempo hábil para a implementação da medida já no próximo Plano Safra (2019/20), que entrará em vigor no dia 1º de julho. 

Segundo Boueri, melhorar a competitividade dos subsídios que o governo injeta no Plano Safra, onde é estabelecido o pacote de crédito rural do governo, é inclusive uma recomendação cada vez mais frequente da Controladoria-Geral da União (CGU) para a equipe econômica. E, nesse contexto, a ideia é concentrar os recursos de equalização para “quem mais precisa” – médios e pequenos produtores. Daí os leilões. 

Com os leilões, a ideia é que as instituições financeiras façam lances para ofertar taxas de juros e, assim, concorram pelos recursos disponíveis pelo governo. Conforme Boueri, o objetivo não é baixar as taxas de juros do financiamentos aos produtores, mas distribuir melhor os recursos públicos, de forma que o Tesouro subsidie mais operações de crédito rural com o mesmo montante. Os leilões poderão ser regionais. 

Enquanto os bancos privados veem com bons olhos a medida, o Valor apurou que o Banco do Brasil a encara com reservas, ainda que mesmo assim tenha condições de sair vitorioso nas primeiras disputas, pela experiência nas operações subsidiadas. Uma fonte do BB avalia como “irreversível” o movimento do governo para reduzir a participação da instituição no segmento de crédito rural, mas defende que as mudanças sejam cautelosas. “O mercado vai se regulando, mas somos um banco de mercado e vamos buscar fatias de mercado, assim como nossos concorrentes”, analisa a fonte. 

Carlos Aguiar, diretor de Agronegócios do Santander, diz que já conversou sobre a ideia dos leilões com o governo e reconhece que essa maior concorrência sempre foi defendida pelas instituições privadas, cada vez mais atentas ao agronegócio. “Vemos como positiva a ideia de abrir os subsídios para os privados, mas, ao mesmo tempo, esse é um mar desconhecido para nós. Não sei se devemos entrar tanto no Pronaf [agricultura familiar]”, afirmou ele. 

No caso do setor cooperativista, apesar de os bancos Sicoob e Sicredi já poderem receber subsídios, as cooperativas de crédito também serão beneficiadas, já que o Conselho Monetário Nacional (CMN) já autorizou que elas usem recursos da poupança rural a partir do segundo semestre. Márcio Freitas, presidente da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), não acredita, porém, em um impacto significativo no volume de crédito agrícola ofertado pelos bancos com os leilões. “A medida é benéfica e ajuda as cooperativas, mas o governo está caminhando mais num rumo de tirar responsabilidade dos bancos públicos”, disse.

As informações são do Valor Econômico.

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