Greve dos caminhoneiros em nível nacional é convocada por lideranças da categoria e levanta pautas econômicas e sociais, mas sofre resistência por associação política e falta de apoio de entidades representativas
A partir desta quinta-feira (4), parte dos caminhoneiros brasileiros promete parar o país em mais uma tentativa de chamar atenção para as dificuldades enfrentadas pela categoria. A convocação da greve dos caminhoneiros ganhou visibilidade após a divulgação de vídeos e postagens nas redes sociais feitas por Francisco Dalmora Burgardt, conhecido como Chicão Caminhoneiro, que esteve no Palácio do Planalto protocolando oficialmente a pauta de reivindicações. A mobilização, no entanto, não tem apoio unânime, revelando uma categoria dividida entre demandas legítimas e disputas políticas.
Disputa política e racha na base
Apesar da amplitude das pautas, parte da categoria acusa o movimento de ter motivações político-partidárias. O principal ponto de tensão é a presença do ex-desembargador Sebastião Coelho, apoiador declarado do ex-presidente Jair Bolsonaro, e pré-candidato ao Senado pelo partido Novo. Coelho defendeu abertamente a paralisação como uma forma de pressionar por anistia ampla e irrestrita aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, quando manifestantes invadiram os prédios dos Três Poderes.
A associação da greve com essas causas políticas gerou críticas internas. Wallace Landim, o “Chorão”, liderança reconhecida pela greve de 2018, declarou que não participará do movimento. “Estão usando a categoria para defender político A ou B. Nós lutamos pelo sistema do transporte”, afirmou em vídeo.
A Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), que representa nove federações e mais de 100 sindicatos, também declarou que não foi informada oficialmente sobre a greve e que não houve sinalização de adesão por parte de suas bases.
As principais reivindicações
A pauta apresentada por Chicão à Presidência da República reúne uma série de demandas que há anos são debatidas pela categoria, incluindo:
- Estabilidade contratual, com critérios claros para a recusa de fretes
- Reestruturação do Marco Regulatório do Transporte de Cargas
- Atualização do piso mínimo do frete, com atenção especial para veículos de nove eixos
- Congelamento de dívidas da categoria por 12 meses, com possibilidade de refinanciamento em até 120 meses
- Aposentadoria especial para quem tiver 25 anos de atividade fiscalmente comprovada
- Linha de crédito de até R$ 200 mil, inclusive para caminhoneiros negativados
- Isenção de IPI para renovação da frota
- Ampliação de pontos de parada e descanso, conforme previsto na Lei 13.103/2015
- Suspensão temporária da “Lei do Descanso”, enquanto não houver estrutura adequada
- Criação de uma “Justiça do Transporte”, com vara judicial especializada no setor
- Reserva de 30% das cargas de empresas estatais para caminhoneiros autônomos
Histórico e temores de desabastecimento
A lembrança da greve de 2018 ainda é forte na memória dos brasileiros. Na ocasião, caminhoneiros bloquearam rodovias por dez dias, causando desabastecimento de combustíveis, alimentos, queda na produção industrial e prejuízos bilionários ao agronegócio. O movimento só foi encerrado após o governo Michel Temer ceder, criando a tabela de frete mínimo e subsidiando o diesel.
Já em 2021, grupos de caminhoneiros se mobilizaram no 7 de Setembro, durante o governo Bolsonaro, em manifestações contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar das tensões, a movimentação foi contida com reforço de segurança e não gerou impactos logísticos significativos.
A legalidade e os riscos da greve dos caminhoneiros
Chicão afirma que o movimento busca agir dentro da legalidade, e que o direito de ir e vir da população será respeitado. “Temos que respeitar toda a legislação que é imposta à categoria no sentido de permitir o livre trânsito das pessoas”, disse em vídeo.
Apesar disso, o próprio Sebastião Coelho defende que “tudo pode parar”, com exceção de bombeiros, hospitais e ambulâncias. Segundo ele, o movimento deve ganhar força gradualmente, à medida que diferentes setores aderirem.
A convocação da greve dos caminhoneiros para esta quinta-feira reacende discussões sobre as dificuldades estruturais do transporte rodoviário no Brasil, mas também evidencia os riscos da instrumentalização política de movimentos sociais. Com apoio dividido, lideranças em conflito e pauta sensível ao cenário econômico, o desfecho do movimento ainda é incerto — mas os impactos, como se viu no passado, podem ser significativos.
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