ILPF é alternativa para segurança alimentar de rebanhos na Caatinga

Os resultados indicam potencial de geração de receitas para o produtor, com a venda de silagem e de madeira e estão publicados em um comunicado técnico.

Pesquisa coordenada pela Embrapa Caprinos e Ovinos (CE) propõe um novo desenho para implantação de sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) adaptado às condições da Caatinga bioma e à realidade de pequenos e médios produtores. Na área de teste do sistema no campo experimental, com seis hectares, foi possível obter produção de 44,7 toneladas de material para silagem e autonomia de oferta alimentar para que ovinos pudessem se alimentar somente do pastejo na área, sem necessidade de suplementação. Os resultados indicam potencial de geração de receitas para o produtor, com a venda de silagem e de madeira e estão publicados em um comunicado técnico.

Segundo o pesquisador Rafael Tonucci, que liderou a equipe responsável pelo estudo, a nova proposta incorpora as bases de três décadas de pesquisa da Embrapa Caprinos e Ovinos com sistema agrossilvipastoril para a Caatinga, mas traz inovações para superar problemas que limitaram a adoção do sistema. “A base teórica é a mesma do sistema agrossilvipastoril, que é bem sólida. O que é diferente é o redesenho, que permite a intensificação e mecanização da área. No formato antigo, a produção de forragem não era suficiente e a mão de obra era grande, ficava caro e laborioso”, destaca o pesquisador.

O redesenho proposto para o sistema ILPF na Caatinga utiliza, na área de seis hectares, faixas de vegetação conservada intercaladas com faixas desmatadas, com área útil de aproximadamente 2,8 hectares. O arranjo permitiu o plantio de culturas como sorgo, milheto e feijão guandu, além do uso do capim Massai e pastagem nativa. A ideia é permitir o uso sustentável da área, com a produção animal e o manejo sustentável para extração de madeira, que pode conservar até 50% da vegetação nativa.

Na colheita, foram obtidas para ensilagem 25 toneladas de sorgo, 12 toneladas de milheto, cinco toneladas de capim Massai, 2,1 toneladas de pasto nativo e 0,6 toneladas de feijão guandu. Após a colheita, o manejo da pastagem para produção de alimento volumoso foi suficiente para garantir alimentação de rebanho com 21 ovelhas das raças Morada Nova, Santa Inês e Somalis, por um período de 90 dias, entre os meses de outubro e dezembro – período seco na Caatinga – com pastejo exclusivo na área, sem suplementação no cocho, além de sal mineral e água. “Somente com esses resultados de sorgo obtidos, temos uma garantia de reserva alimentar suficiente para quatro anos”, ressalta Tonucci.

O experimento mostrou também a possibilidade de obtenção de receitas ao produtor rural, por meio da venda de silagem e madeira para lenha e estacas. Na área da pesquisa, foi possível obter 544 m3 de lenha e 400 unidades de estacas que, somadas a uma possibilidade de venda de 30 toneladas do material obtido para silagem, podem proporcionar uma receita de cerca de R$ 22 mil à propriedade.

Todas essas potencialidades se somam às características de produção sustentável, que conserva vegetação nativa e traz benefícios como a incorporação ao solo dos restos do material de vegetação, gerados a partir do processo de abertura das faixas, o que resulta em melhor cobertura vegetal, aumento do teor de matéria orgânica e melhoria da fertilidade do solo – um aspecto favorável à produção na Caatinga, cujos solos geralmente são pobres em matéria orgânica.

O desafio da mecanização

Para os próximos anos, o desafio para aperfeiçoamento da nova proposta de ILPF é permitir a mecanização do trabalho de preparo do solo e abertura de faixas, com os testes de máquinas que acelerem a implantação e possam otimizar os custos de implementação. Esse aspecto foi identificado pela Embrapa como obstáculo para maior adoção de sistemas integrados de produção na Caatinga, uma vez que o trabalho manual para abertura de áreas requer mão de obra e consequentes custos que nem sempre podem ser arcados pelos produtores rurais do bioma.

Como alternativa para contornar esse problema, já está em validação um processo de mecanização com teste de protótipo de uma máquina trituradora de capoeira, a Tritucap, adaptada às condições do Semiárido brasileiro. A tecnologia está sendo desenvolvida em parceria entre Embrapa e a empresa Petrotec. “É um equipamento que suprime a vegetação, mas deixa árvores. Com ele, um tratorista pode abrir cerca de um hectare de área por dia. No trabalho manual, seria cerca de 0,1 hectare por dia. Isso traz facilidade e otimização do trabalho e não há necessidade de um equipamento para cada produtor, uma cooperativa pode adquirir, uma prefeitura poderá ter um equipamento como este”, explica Tonucci.

Implantação em propriedades rurais

Tanto o redesenho do sistema ILPF Caatinga quanto as alternativas de mecanização começam a ser implementadas em propriedades rurais em três diferentes regiões do Semiárido brasileiro – Vale do Itaim (PI), Sertão dos Inhamuns (CE) e Cariri Paraibano – por meio do programa AgroNordeste – coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), com ações da Embrapa em parceria com Projeto Dom Hélder Câmara e financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida).

Essas unidades servirão de referência para que associados e produtores de cooperativas locais possam ter acesso e implementar áreas em suas propriedades, segundo as recomendações técnicas da Embrapa.

No Vale do Itaim, a área foi implementada na propriedade de Josivan Damasceno, produtor rural de Betânia (PI) que cria ovinos e bovinos e reservou uma área de 5 hectares de sua propriedade para a experiência com o ILPF que vai para o segundo ano de implantação em 2022 e potencializa, segundo ele, a oferta de alimento aos animais. “O sistema foi uma novidade muito grande, um aprendizado que a Embrapa trouxe. Quem trabalha bastante com ovinos, sabe que garantir a variedade dos alimentos faz bem aos animais. Tenho capim do pasto, milho, sorgo, mata nativa”, ressalta Josivan.

Segundo Damasceno, o sistema de produção ILPF apresenta, também, benefícios ambientais. “É uma técnica boa para se trabalhar, porque você não destrói a vegetação nativa e o risco de erosão do solo é bem menor. Percebi que esse sistema dá certo e quero, nos próximos anos, ampliar a área de ILPF aqui”, frisa ele.

Benefícios para o bioma

O potencial de combinar uma melhor oferta de alimentos para rebanhos, geração de alternativas de renda para o produtor e manejos sustentáveis torna o ILPF uma alternativa promissora para a Caatinga, segundo especialistas como Rodrigo Gregório da Silva, professor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) – campus Limoeiro do Norte (CE), que há anos pesquisa esse tipo de sistema.

“É um sistema que permite uma mudança no modelo de gestão, mais planejada e menos reativa, com a receita oriunda de mais de uma atividade”, destaca Gregório. Para o professor, o ILPF também permite boa versatilidade de combinações para produtores em regime de agricultura familiar diversificarem sua produção. “Entre as plantas arbóreas, posso plantar cajueiro, para explorar caju e castanha. Nas entrelinhas, posso implementar a mandioca para alimentação animal ou plantio de macaxeira. Posso colocar borregos e, em vez de vender animais, posso manter por mais tempo e fazer manta de carneiro”, exemplifica ele.

Tal diversidade torna o sistema ILPF uma alternativa mais resiliente às condições da Caatinga e com impactos ambientais positivos, conforme aponta o pesquisador Rafael Tonucci. “Quando você possibilita mais uma fonte de renda para o produtor e associa forragem nativa, produção de volumoso e as culturas agrícolas, você assegura a segurança alimentar e torna o sistema menos vulnerável a eventos climáticos do que o sistema solteiro”, afirma o pesquisador.

Vantagens de sistemas ILPF para a Caatinga:

– Favorecem a fixação da agricultura, com eliminação de queimadas.

– Facilitam correto manejo pastoril, com adequação da quantidade de animais que o pasto pode suportar.

– Melhoram manejo da vegetação nativa e aporte de matéria orgânica, reduzindo risco de erosão do solo.

– Permitem racionalização na extração da madeira, por meio de corte seletivo e manejo de rebrota

Fonte: Embrapa

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