Apesar do aumento pontual dos atrasos e dos pedidos de recuperação judicial, Banco do Brasil sustenta que a carteira do agronegócio segue saudável e aposta em ajustes no crédito, gestão de risco mais refinada e criação de um “colchão de liquidez” para atravessar os ciclos do setor
Se o agronegócio brasileiro pudesse eleger um único motivo de preocupação em 2025, dificilmente haveria consenso. Para parte dos produtores, o foco estaria no crescimento da inadimplência; para outros, no avanço dos pedidos de recuperação judicial, fenômenos que ganharam visibilidade ao longo do ano em um ambiente de juros elevados, crédito mais restrito e margens pressionadas no campo. No entanto, segundo o Banco do Brasil, essa leitura precisa ser feita com cautela: o problema existe, mas não é generalizado.
A avaliação é do vice-presidente de Agronegócios e Agricultura Familiar do Banco do Brasil, Gilson Bittencourt, que afirma que 94,7% dos clientes da instituição permanecem adimplentes, mantendo a carteira de crédito rural em patamar considerado saudável.
Para o executivo, o aumento da inadimplência observado em 2025 está concentrado em setores específicos, regiões determinadas e, principalmente, em operações de crédito contratadas a taxas livres, fora das linhas mais tradicionais do crédito rural oficial.
Segundo Bittencourt, “o aumento da inadimplência tem sido localizado e não representa um problema estrutural do agro brasileiro”, embora reconheça que os sinais de alerta não podem ser ignorados diante do novo cenário financeiro .
Os números que acendem o sinal amarelo, afirma Banco do Brasil
Mesmo com a avaliação mais ponderada do Banco do Brasil, os dados setoriais mostram que o momento exige atenção. Levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) indica que o atraso nas operações contratadas a taxas de mercado alcançou 11,4% em outubro, o maior nível desde o início da série histórica, em 2011 .
Outro indicador relevante é o avanço das recuperações judiciais no campo. De acordo com dados da Serasa Experian, as solicitações mais que dobraram no trimestre encerrado em outubro, passando de 254 pedidos no mesmo período de 2024 para 628 registros em 2025 . O movimento reforça a percepção de que, embora não generalizada, a dificuldade financeira atinge um grupo específico de produtores e cadeias produtivas.
Descompasso entre receitas e compromissos financeiros
Para o Banco do Brasil, o cerne do problema não está, majoritariamente, em perdas climáticas, mas em um descompasso entre receitas e compromissos financeiros, que compromete o fluxo de caixa das propriedades rurais. Entre os fatores citados estão investimentos realizados em máquinas em períodos de preços elevados, aumento dos custos com arrendamento de terras, além do peso crescente dos juros sobre dívidas renegociadas .
Esse contexto levou a instituição a revisar seus modelos de avaliação de risco, passando a analisar as operações de crédito de forma mais segmentada, considerando setor produtivo, região, perfil do produtor e qualidade das garantias. Onde o risco se mostrou maior, o banco passou a exigir garantias mais robustas e adotou postura mais criteriosa na concessão de novos financiamentos .
Seguro rural ajuda, mas não resolve sozinho
A ampliação do seguro rural costuma surgir como resposta automática em momentos de crise no campo, mas o Banco do Brasil pondera que, embora essencial, o seguro não resolve sozinho o problema atual. Segundo Bittencourt, a inadimplência observada em 2025 não tem origem predominante em quebras de safra por fatores climáticos, e sim em dificuldades estruturais de caixa.
“Quanto mais seguro, seja climático ou de preço, melhor para o produtor e para as instituições financeiras. Mas, neste momento, a raiz do problema está no fluxo de caixa”, reforçou o executivo .
Crédito, produção e o peso do Plano Safra
Mesmo diante das turbulências, o Banco do Brasil segue como principal financiador do agro nacional. No Plano Safra 2025/26, a instituição desembolsou R$ 87 bilhões em crédito rural e na cadeia de valor do agronegócio, mantendo acompanhamento próximo da evolução da produção agrícola no país .
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra brasileira deve alcançar 354,4 milhões de toneladas de grãos, volume 0,6% superior ao do ciclo anterior, o que reforça a tese de que a crise financeira não decorre de uma quebra generalizada de produção .
O futuro: aprender com o ciclo e criar um “colchão de liquidez”
Olhando para frente, o Banco do Brasil defende que o setor agropecuário aproveite o momento para assimilar aprendizados e reduzir vulnerabilidades estruturais. Em outra frente, a instituição propõe a criação de mecanismos capazes de formar um “colchão de liquidez”, alimentado nos anos de maior rentabilidade, para ser utilizado em períodos de crise, marcados por clima adverso e volatilidade das commodities .
A ideia, segundo Bittencourt, passa por uma articulação entre produtores, governo, parlamento e sistema financeiro, criando instrumentos que ajudem o agro a atravessar seus ciclos naturais com menos sobressaltos e menor dependência de renegociações emergenciais .
Entre cautela e reorganização
O recado do Banco do Brasil é claro: há dificuldades reais e localizadas, mas o agronegócio brasileiro, como um todo, não está inadimplente nem financeiramente quebrado. O momento exige mais gestão, planejamento financeiro e políticas anticíclicas, tanto no nível da propriedade rural quanto nas estruturas de crédito.
Se 2025 ficou marcado pelo aperto financeiro, o futuro do agro passa por reorganização, disciplina de investimentos e instrumentos que permitam atravessar os altos e baixos do setor com mais resiliência — um desafio que vai muito além de uma safra ou de um ciclo de preços.
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