Justiça blinda cobranças da gigante centenária Cotribá com dívida de R$ 1 bilhão; e agora?

Decisão inédita que suspende execuções de cobrança a Cotribá abre precedente para cooperativas entrarem na recuperação judicial e reacende debate jurídico e econômico no agronegócio

A Cotribá, cooperativa agropecuária mais antiga do Brasil, com 114 anos de história e sede em Ibirubá (RS), virou o centro de um intenso debate jurídico e econômico ao conseguir na Justiça uma medida de proteção contra cobranças judiciais em meio a um passivo superior a R$ 1 bilhão. Fundada em 1911, a Cotribá reúne 9,5 mil associados, emprega mil funcionários e mantém 29 unidades de armazenagem de grãos, indústria de ração, lojas agropecuárias, postos de combustíveis e supermercados.

A decisão judicial que blindou temporariamente a cooperativa contra execuções e protestos foi emitida pelo juiz Eduardo Busanello, da Vara Empresarial de Santa Rosa (RS), e abriu caminho para um possível pedido de recuperação judicial, algo historicamente vetado às cooperativas, por não serem consideradas sociedades empresárias nos termos da Lei 11.101/2005.

Pedido de tutela antecipada: urgência e riscos à operação da Cotribá

A solicitação foi protocolada em 25 de novembro, como uma “tutela cautelar em caráter antecedente”, justamente para impedir o colapso financeiro antes mesmo de um pedido formal de recuperação judicial. No documento, a Cotribá apontou pressões simultâneas de credores, bloqueio de contas e risco de interrupção das atividades essenciais, como venda de insumos e recebimento de grãos. Alega-se que R$ 400 milhões vencem ainda em novembro, o que comprometeria o funcionamento e o abastecimento, inclusive de seus próprios supermercados.

A medida garante um stay period — período de suspensão de 180 dias das cobranças — dando fôlego à cooperativa para renegociar com os mais de 30 credores, entre bancos, fornecedores e cooperados.

Reação do Santander e temor de “efeito dominó”

A decisão gerou reação imediata do setor financeiro. O Santander foi o primeiro banco a recorrer da decisão, alegando que ela viola o regime jurídico brasileiro, já que cooperativas são regidas pela Lei 5.764/1971 e pelo Código Civil, não pela Lei de Recuperação Judicial. O banco pediu a suspensão da decisão em agravo ao TJ-RS, que, se acatado, poderia reativar imediatamente as cobranças e execuções.

Na contestação, o Santander alega que a decisão do juiz “flexibilizou” a norma, gerando insegurança jurídica no crédito rural e alertou para os efeitos sistêmicos sobre o mercado, principalmente diante do valor inadimplente de uma Cédula de Crédito Bancário de R$ 18,8 milhões. A ofensiva pode ser o início de um efeito em cascata: outras 30 instituições financeiras também podem contestar a medida.

E o que dizem os juristas?

O caso reacendeu o debate jurídico sobre a possibilidade de cooperativas acessarem a recuperação judicial. Pela legislação atual, elas não podem, sendo obrigadas a seguir o regime de liquidação — um processo mais longo, opaco e sem a figura de um administrador judicial.

No entanto, especialistas como o advogado Fábio Giorgi argumentam que a Lei 11.101/2005 apresenta ferramentas modernas de transparência, preservação de ativos e negociação coletiva com credores, o que faz sua aplicação subsidiária ser mais adequada à realidade atual do agro. Giorgi alerta que liquidações de cooperativas costumam durar anos — como os casos da Cotrijuí e Cotrimaio —, enquanto a recuperação judicial oferece mecanismos mais ágeis e eficazes.

Para ele, impedir que uma sociedade com relevante função social como a Cotribá tenha direito à recuperação, deixando apenas a via da extinção, seria um contrassenso jurídico e econômico. A cooperativa, afinal, movimenta cadeias produtivas inteiras e impacta milhares de produtores, funcionários e fornecedores.

O futuro da Cotribá e o impacto no agro

Ainda é incerto se a Cotribá formalizará o pedido de recuperação judicial. Por enquanto, tenta se reorganizar financeiramente com base na suspensão temporária de execuções. Entre os produtores cooperados, o clima é de apreensão. A Associação dos Produtores e Empresários Rurais (APER) solicitou acesso à ata da assembleia que aprovou o plano de reestruturação, alegando falta de clareza sobre as medidas que serão tomadas.

Caso o Tribunal de Justiça mantenha a decisão favorável à Cotribá, o precedente poderá permitir que outras cooperativas em dificuldade também solicitem recuperação judicial, alterando o panorama do crédito no setor agropecuário. Se a decisão for revertida, a cooperativa volta a ficar exposta a bloqueios e execuções, elevando os riscos de descontinuidade e liquidação.

Com um passivo bilionário e uma rede extensa de operações, o desfecho da crise da Cotribá pode impactar toda a cadeia do agronegócio gaúcho — e nacional. Como destacou o juiz Busanello, o caso já extrapolou o cenário regional e virou pauta de jurisprudência nacional.

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