Decisão histórica encerra impasse jurídico, garante segurança à atividade e reacende o debate sobre manejo sustentável, geração de renda e bem-estar dos jumentos no Nordeste.
A consolidação da legalidade do abate de jumentos no Brasil marcou um dos capítulos mais relevantes do debate agropecuário e ambiental recente. Em 5 de novembro, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceu que os abates realizados por frigoríficos certificados com o Serviço de Inspeção Federal (SIF) cumprem todas as exigências sanitárias e de bem-estar animal previstas na legislação brasileira, afastando a tese de inconstitucionalidade defendida por organizações contrárias à atividade.
A decisão reforçou um entendimento histórico: o abate de jumentos é permitido no Brasil desde 1952, desde que observados os critérios técnicos e legais. Ao validar a fiscalização permanente do Ministério da Agricultura e Pecuária, o TRF-1 estabeleceu um marco de segurança jurídica para produtores, trabalhadores e investidores, criando condições para a formação de uma cadeia produtiva estruturada.
No julgamento, o TRF-1 foi categórico ao afirmar que não ficaram comprovadas irregularidades no transporte, na fiscalização ou nos procedimentos de abate. O tribunal também ressaltou que eventuais falhas devem ser apuradas pontualmente, e não servir de fundamento para a proibição geral de uma atividade lícita.
Outro ponto central do acórdão foi o reconhecimento dos prejuízos causados por suspensões anteriores, especialmente na Bahia, onde existe frigorífico habilitado para exportação. Segundo o tribunal, a paralisação afetou uma atividade regulada, fiscalizada e geradora de renda, com impactos diretos para a economia local e para o Estado.
Decisão não foi isolada
A decisão do TRF-1 não foi isolada. Ela coroou uma série de entendimentos favoráveis ao setor nas mais diferentes instâncias. Em outubro de 2025, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia rejeitou pedido do Ministério Público baiano para suspender os abates, destacando o grave impacto social e econômico que a medida causaria.
Em trecho da decisão, o TJBA ressaltou que a cadeia envolve criadores, transportadores, trabalhadores de frigoríficos, prestadores de serviços e suas famílias, muitas delas em situação de vulnerabilidade econômica. Antes disso, STJ e STF, no fim de 2024, já haviam afastado recursos com o mesmo objetivo, consolidando o entendimento jurídico em nível nacional.
Com a segurança jurídica assegurada, cresce a expectativa de atração de novos investidores. Principal parceiro comercial do Brasil, a China possui forte demanda por pele e carne de jumento, utilizadas, entre outros fins, na produção do ejião, um remédio tradicional amplamente consumido no país asiático.
Hoje, o Brasil já exporta carne e pele de jumentos, especialmente a partir da Bahia, onde há frigorífico habilitado para o mercado chinês. O cenário aponta para a possibilidade de o país ampliar sua participação nesse mercado, de forma semelhante ao que já ocorre com cadeias consolidadas como a da carne bovina e da soja.
Além da geração de renda, o tema envolve uma questão prática e sensível: o abandono de jumentos. Com a perda de utilidade histórica dos asininos no transporte e no trabalho rural, milhares de animais passaram a vagar por estradas e áreas abertas, elevando o risco de acidentes graves.
Para o zootecnista e produtor no sertão baiano Alex Bastos, a decisão judicial abre caminho para uma mudança de paradigma. Segundo ele, o Brasil pode deixar o abandono não intencional e avançar para uma revalorização produtiva dos asininos, nos moldes do que ocorreu com outras espécies ao longo do tempo.
Bastos defende que a discussão seja conduzida com responsabilidade técnica e transparência. Para ele, o tema não se resume a “ser contra ou a favor do abate”, mas envolve a construção de uma política pública de manejo sustentável, com foco em:
- Bem-estar animal
- Controle populacional e sanitário
- Redução de riscos viários
- Desenvolvimento regional
Outro ponto levantado é a falta de dados consolidados sobre a população de jumentos no semiárido. As informações disponíveis são fragmentadas e baseadas, em grande parte, em percepções regionais, o que impede afirmar que o abate seja responsável por eventual declínio populacional. Segundo o zootecnista, levantamentos indicam, inclusive, que a redução se intensificou em períodos sem atividade frigorífica plena.
A decisão do TRF-1 representa mais do que um desfecho jurídico: ela reorganiza o debate nacional sobre os jumentos no Nordeste. Ao reconhecer a legalidade, a fiscalização e a relevância socioeconômica da atividade, a Justiça Federal criou as bases para que o país avance na estruturação de uma cadeia produtiva formal, capaz de gerar renda, reduzir problemas históricos de abandono e atender a um mercado internacional em expansão.
O desafio, agora, será transformar essa segurança jurídica em políticas públicas, dados confiáveis e práticas responsáveis, garantindo que o manejo dos asininos seja conduzido com técnica, fiscalização e equilíbrio entre produção, bem-estar animal e desenvolvimento regional.
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