Líder do MST crítica governo Lula e fala em aumentar pressão por reforma agrária

Segundo João Pedro Stedile, líder do MST, governo Lula está ‘meio medroso’, e movimento vai aumentar pressão pela reforma agrária

Em entrevista à jornalista da Folha de São Paulo, Mônica Bergamo, o líder do grupo invasor Movimento Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, disse que o governo Lula está “meio medroso” e “muito lento” para oferecer “soluções concretas” às demandas dos chamados “movimentos sociais”. Stédile contou a jornalista que cinco anos antes de o MST (Movimento de Trabalhadores Sem Terra) ser fundado, em 1984, ele já participava de invasões de terra em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Ele tinha 25 anos.

“Eu era mais machista, mais ignorante”, afirma o principal líder da organização. “Eu mudei junto com o movimento”, segue.

Aos 69 anos, quarenta deles à frente do MST, Stedile se prepara para enfrentar a quinta CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instalada no Congresso para investigar o grupo e suas lideranças.

Ele afirma estar tranquilo e diz que os deputados ruralistas querem usar a comissão para esconder seus próprios “crimes ambientais”.

“Vamos tentar fazer do limão uma limonada”, diz. “Vamos utilizar aquele palco para denunciar as invasões das terras indígenas, o trabalho escravo, as invasões de terras quilombolas, o uso abusivo dos agrotóxicos.”

Os atos do movimento, no entanto, já foram criticados até mesmo por ministros do governo Lula, que ficaram contrariados com ocupações realizadas em abril, inclusive em terras da Embrapa.

“Certos agentes públicos se encagaçaram com a luta social”, reage Stedile.

Ele afirma ainda que o governo federal está “lento” e que o MST, ainda que defendendo Lula (PT), aumentará a “pressão social”.

Vocês têm mantido o discurso de que já passaram por quatro CPIs que deram em nada. No entanto, a correlação de forças hoje é diferente da de anos anteriores, com uma bancada ruralista muito mais numerosa no Congresso Nacional. Vocês esperam de fato que nada aconteça? A CPI vai ser um espetáculo de retórica dos ruralistas e dos deputados bolsonaristas.

Como eles têm mais força no Legislativo [do que a bancada de centro-esquerda], estão usando a comissão como palco para criarem uma retórica para as suas redes, postando memes e outras coisas.

Mas de consequência real ela não terá nada, porque nós não cometemos crime nenhum, não há fato [para ser investigado].

Ao focar no MST, que é pública e notoriamente um movimento de esquerda que apoia o Lula e que, sem falsa modéstia, é atuante, os deputados ruralistas tentam jogar os holofotes contra nós para proteger os crimes ambientais que estão cometendo. Quem promove os desmatamentos?

Querem esconder o lado sujo deles.

Querem esconder as invasões que fazem nas áreas indígenas. E nos chamam [de invasores]. Até manipulam esse conceito jurídico, pois as nossas ocupações não têm nada a ver com invasão.

Nós estamos muito tranquilos.

O senhor vai depor na CPI? É óbvio que vão me chamar. Se isso acontecer, serei o primeiro a depor, a falar e a enfrentar. Já enfrentei eles outras vezes. Não me custa fazer isso mais uma vez.

Vamos utilizar aquele palco para denunciar os crimes do latifúndio, as invasões das terras indígenas, o trabalho escravo, as invasões de terras quilombolas, o uso abusivo dos agrotóxicos que causam câncer e têm matado silenciosamente milhares de brasileiros.

Nós vamos tentar, como dizia o nosso deputado Adão Preto [fundador do MST e morto em 2009], transformar o limão numa limonada.

Mas vocês tentaram evitar a CPI, visitando inclusive o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para tentar convencê-lo. Nós não queríamos a CPI, em primeiro lugar, porque ela consome muita energia.

Nós temos que organizar a nossa base, temos que resolver os problemas concretos nos assentamentos, resolver o problema da fome que no Brasil.

Com uma CPI, você tem que se preparar, tem que ter assessoria jurídica [o movimento firmou parceria com o grupo Prerrogativas, de juristas e advogados, para se defender na comissão].

É uma energia que você gasta, e que não serve para nada.

INVASÃO NA EMBRAPA

Em abril o MST promoveu uma série de invasões, inclusive em terras da Embrapa, uma empresa pública simbólica. Essa iniciativa não acabou impulsionando a CPI? As ocupações não têm nada a ver com a CPI.

O senhor acha mesmo que não? Não. Houve uma motivação ideológica do [deputado federal] Ricardo Salles [do PL de SP e cotado para ser relator da comissão]. Ele tem ódio ideológico do MST, desde o tempo em que era secretário do Meio Ambiente aqui em São Paulo.

Provavelmente a [empresa de papel e celulose] Suzano tenha financiado as campanhas dele, e ele tem a obrigação agora de defender seus financiadores.

Então a CPI está [inserida] muito mais num cenário de luta ideológica da extrema direita, que quer nos acuar com essa luta permanente para tentar inibir as ações do nosso movimento.

Agora, as nossas ações não têm nada a ver com o Legislativo ou com a direção nacional do MST. Elas são decididas pela nossa base, diante das necessidades.

São 80 mil famílias acampadas que agora veem uma possibilidade de resolver os seus problemas, já que o próprio Lula se comprometeu durante a campanha [a fazer a reforma agrária].

E na área da Embrapa [ocupada em abril] não tem nada, não tem um funcionário.

Eles dizem que há pesquisas sendo desenvolvidas no local. Tem pesquisa porra nenhuma. E na Embrapa há de tudo também. Tem pesquisador sério, tem picareta, e tem também gente de direita.

A Embrapa não é essa prima-dona que todo mundo tem que respeitar. Se ela comete erros, ela tem que se justificar para a sociedade.

O assentamento onde vive hoje o João Daniel [deputado federal do PT de Sergipe] já foi uma área da Embrapa.

Os deputados ruralistas tentam jogar os holofotes contra nós para proteger os crimes ambientais que estão cometendo. Querem esconder o lado sujo deles

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que as ocupações eram tão repugnantes quanto os atos golpistas do dia 8 de janeiro. Os agentes da política usam muito a retórica para, às vezes, agradar a sua base, fazer jogo de cena para a imprensa. Nós já estamos calejados, e não damos bola.

Mas o ministro da Agricultura confundiu invasão com ocupação. Quem invade terra pública são os fazendeiros.

Ocupação de terra não é crime e já há uma jurisprudência, consagrada em uma sentença antiga e fantástica do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que diz que ocupação massiva de terra, feita por famílias, não é esbulho possessório porque o objetivo não é se apropriar daquele bem para enriquecer.

Quando um movimento de massas como o MST ou o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) ocupam uma área, é para pressionar o governo a aplicar a Constituição.

O STJ já disse que as pessoas têm o direito democrático de pressionar as autoridades.

Se o governo se antecipasse, não precisaríamos fazer pressão.

FOGO AMIGO

Ministros à esquerda, como Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário, também criticaram as ocupações. Não houve um tensionamento? Sinceramente, eu não vi tensionamento algum.

Agora, o que nós criticamos e voltamos a criticar? Que o governo está muito lento. Já perdeu muito tempo.
Em cem dias, já deveria ter adotado um programa de emergência de combate à fome, com a compra de alimentos. E apenas agora estão anunciando recursos para isso.

Um volume maior de alimentos demora cinco, seis meses para ser disponibilizado para quem precisa.

Olha quanto tempo levaram para nomear o Edegar Pretto para a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Pelo amor de Deus! Era uma medida administrativa. Queriam o currículo dele? Que currículo? Ele tem uma trajetória, foi candidato ao governo do Rio Grande do Sul [em 2022, pelo PT].

O que estaria levando o governo a atuar de forma lenta? O governo como um todo está meio medroso. Primeiro pelo 8 de janeiro, que foi uma afronta e uma tentativa real de golpe.

Não é que as pessoas [do governo] fiquem medrosas. É que cria um clima em que tudo tem que ser mais cuidadoso.

[Em segundo lugar] Pela forma como nós ganhamos as eleições [presidenciais, em que Lula venceu Jair Bolsonaro], que foi muito tensionada.

Certos agentes públicos se encagaçaram com a luta social.

Parece que não estavam acostumados com isso.

E, de fato, foram seis anos de derrota da luta social. Então, quando as nossas ocupações ressurgiram, alguns ficaram assustados.

Este é João Pedro Stedile

Por que em outros governos, mais avessos ao MST, as manifestações refluíram? Fazemos uma autocrítica: a classe trabalhadora em geral e o movimento de massas estão em um descenso desde o golpe contra a [ex-presidente] Dilma [Rousseff].

Lembre-se de que as manifestações da época das Diretas Já [em 1984] colocavam um milhão de pessoas nas ruas.

O descenso do movimento de massas não é vontade ou decisão de direção [de movimentos sociais]. É [consequência do] clima político na sociedade.

Mas isso não faz parte de um contexto maior do Brasil, com mudanças radicais nas relações trabalhistas, terceirizações, trabalho precarizado e sindicatos que perderam verbas? Foram seis anos de derrotas políticas, com o governo de Michel Temer, a prisão de Lula e a eleição de Jair Bolsonaro.

A consequência foram as derrotas da reforma sindical, da reforma que tirou direitos dos trabalhadores e da reforma da Previdência.

Os problemas só se agravaram. Nós temos hoje 70 milhões de trabalhadores fora dos [sistemas de] direitos trabalhistas e previdenciários.

A classe trabalhadora está parada, e isso faz com que o governo seja mais lerdo.

Mas ela está olhando. Somos 140 milhões de pessoas. Em algum momento, essa massa vai se mexer.

E vocês pretendem aumentar a pressão? Claro, óbvio.

Com mais ocupação de terra? Não necessariamente. Nós podemos voltar a fazer marchas e grandes acampamentos.

As formas de pressão são diversas. E essa é a razão de ser dos movimentos da classe trabalhadora.

Certamente o movimento sindical vai voltar a fazer greves. Você viu o que aconteceu aqui em São Paulo com a greve do metrô. Foi uma greve importante, em que [os metroviários] arrancaram conquistas como abono e aumento de salário.

A pressão social faz parte da luta democrática. Quem é contra a luta social é porque não gosta da democracia, quer mandar sozinho.

Um governo como o de Lula é o ideal para sofrer essa pressão, até por ser mais permeável a ela? A natureza do governo não influi tanto na luta de classes —a não ser quando é um governo fascista como o de Bolsonaro.

O que a determina a luta é se os problemas sociais estão ou não resolvidos.

Nós vamos pressionar. Mas vamos defender o governo Lula. Não porque somos puxa-sacos, mas porque precisamos defendê-lo de seus verdadeiros inimigos, que são os inimigos da classe trabalhadora: o capital financeiro que não quer baixar os juros, o latifúndio atrasado, a extrema direita.

Ao mesmo tempo, o MST vai manter a sua autonomia, de governos, de igrejas e de partidos —por mais que legendas de esquerda torçam o nariz.

Um movimento popular só tem longa vida e chega aos 40 anos de existência, como o nosso, se caminha com suas próprias pernas.

Tem pesquisa porra nenhuma. E na Embrapa há de tudo também. Tem pesquisador sério, tem picareta, e tem também gente de direita. A Embrapa não é essa prima donna que todo mundo tem que respeitar

Quem financia hoje o MST?

O segredo, que não é segredo, é a descentralização das finanças do movimento.

Cada atividade tem que procurar cobrir seus custos.

Se vão organizar uma ocupação, tem que alugar o caminhão, levar comida. Quem entra com o dinheiro? As próprias famílias [que vão invadir].

Às vezes a gente pensa que os pobres são idiotas, que não têm ideias, que os trabalhadores não têm nenhuma força.

Uma ocupação não acontece da noite para o dia. As famílias planejam, se preparam e contribuem.

Seria uma estupidez irmos atrás de dinheiro para pagar uma ocupação, porque ela já nasceria morta.

Já os assentados pressionam o governo federal, as prefeituras, para a instalação de escolas, para ter merenda escolar, e isso é dinheiro público.

Terceira coisa: as famílias do MST contribuem com R$ 50 por ano para o movimento. E esse dinheiro paga as ajudas de custo para quem está liberado para fazer política nacional.

O senhor diz que Lula é o melhor de vocês, mas ele nunca fez a reforma agrária que o MST defende. Não é uma contradição?

Os governos do Lula e da Dilma nunca compreenderam a natureza da agricultura brasileira. Até porque eram militantes da esquerda urbana, vamos dizer assim. Podem ter sido mal assessorados pelos intelectuais que entendiam do assunto.

Espero que nesse governo eles consigam compreender o que está em jogo.

Está na Constituição: o latifúndio precisa ser combatido, eliminado.

O governo está muito lento. Já perdeu muito tempo. Em cem dias, já deveria ter adotado um programa de emergência de combate à fome, com a compra de alimentos

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