Marco temporal: STF permite que qualquer terra pode ser reivindicada como indígena, diz advogada

Para especialista em Direito Agrário, afastamento da tese do Marco Temporal pelo STF em recente decisão fragiliza títulos de propriedade, eleva riscos para produtores e tende a acirrar conflitos fundiários e impactos econômicos no campo

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que afastou a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas reacendeu um debate sensível e de longo alcance no meio rural brasileiro. Na avaliação da advogada Márcia de Alcântara, especialista em Direito Agrário e do Agronegócio do escritório Celso Cândido de Souza Advogados, o entendimento consolidado pela Corte amplia a insegurança jurídica sobre a posse e o uso da terra, com reflexos diretos sobre investimentos, crédito rural e planejamento produtivo.

Do ponto de vista do direito agrário, o afastamento do marco temporal provoca uma instabilidade possessória sistêmica. Abre-se a possibilidade de revisão de títulos antigos, regularmente registrados e transmitidos de boa-fé, o que compromete a previsibilidade necessária para quem produz e investe no meio rural”, afirma a advogada.

Na última quarta-feira (17), o STF formou maioria para derrubar a tese defendida por setores ligados ao agronegócio, segundo a qual apenas terras ocupadas por povos indígenas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, poderiam ser demarcadas. O entendimento contrário foi consolidado com os votos dos ministros Gilmar Mendes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, em julgamento que segue aberto até as 23h59 desta quinta-feira (18).

Impactos sobre o direito de propriedade e o valor das terras

Para Márcia de Alcântara, a decisão do STF sobre o Marco Temporal também provoca um tensionamento constitucional relevante, ao colocar em rota de colisão o direito de propriedade e o princípio do ato jurídico perfeito. “Quando o título deixa de oferecer segurança plena, há desvalorização imediata das terras em áreas de conflito e paralisação de investimentos. O produtor passa a conviver com um risco jurídico permanente”, analisa.

O voto do ministro Gilmar Mendes prevê a possibilidade de permanência do ocupante não indígena até o pagamento de indenização e reconhece a validade de atividades econômicas e contratos firmados nessas áreas. Embora a medida busque mitigar danos, a advogada avalia que ela não elimina as incertezas práticas.

“Enquanto a indenização não ocorre, o imóvel perde liquidez, deixa de ser aceito como garantia para crédito rural e enfrenta entraves para licenciamento ambiental. Na prática, o produtor fica imobilizado”, afirma.

advogada Márcia de Alcântara, especialista em Direito Agrário e do Agronegócio do escritório Celso Cândido de Souza Advogados
Advogada Márcia de Alcântara, especialista em Direito Agrário e do Agronegócio do escritório Celso Cândido de Souza Advogados

Contratos sob risco e cautela redobrada

Outro ponto de atenção, segundo a especialista, recai sobre contratos de arrendamento, parceria rural e investimentos em áreas potencialmente disputadas. “São operações de alto risco jurídico. A recomendação é reforçar cláusulas resolutivas, prever mecanismos de saída e realizar auditorias fundiárias profundas antes de qualquer negócio”, orienta.

Na avaliação de Márcia, a decisão também tende a encarecer o crédito rural, uma vez que instituições financeiras passam a reavaliar garantias imobiliárias localizadas em regiões com histórico ou potencial de conflito fundiário.

Prazo para demarcações é visto como pouco factível

O STF estabeleceu ainda o prazo de dez anos para a conclusão das demarcações pendentes em todo o país. Para a advogada, o horizonte é considerado irrealista diante da complexidade do processo. “O procedimento envolve estudos antropológicos detalhados, etapas administrativas extensas e uma série de contestações judiciais. A União não dispõe hoje de orçamento nem estrutura suficientes para indenizar milhares de propriedades nesse período”, avalia.

Segundo ela, o risco é que o prazo acabe estimulando decisões apressadas, judicializações prolongadas e um acúmulo ainda maior de conflitos no campo.

Congresso segue como palco do embate sobre o Marco Temporal

Mesmo com o posicionamento do Supremo, o tema continua no centro da disputa institucional. O Congresso Nacional avança na discussão de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca restabelecer o marco temporal por via legislativa. Para Márcia de Alcântara, ainda há espaço para atuação do Parlamento.

“O Legislativo pode buscar uma regulamentação que dê previsibilidade e reduza conflitos, desde que não esvazie o núcleo essencial dos direitos indígenas. Se houver aprovação da PEC, o embate tende a retornar ao Judiciário”, pondera.

Reflexos econômicos e sociais no médio e longo prazo

Na visão da especialista, a ausência de uma solução equilibrada tende a acirrar conflitos agrários nos próximos anos. “A expectativa de novas demarcações estimula disputas possessórias, enquanto produtores recorrem cada vez mais a medidas judiciais defensivas. Esse ambiente afasta investidores, encarece o crédito e dificulta o planejamento de longo prazo”, afirma.

Ela ressalta ainda possíveis impactos sobre a segurança alimentar e a economia nacional. “A instabilidade territorial compromete cadeias produtivas inteiras, reduz a oferta e pressiona preços. O grande desafio é conciliar a proteção dos direitos indígenas com a segurança jurídica do setor produtivo e o direito à alimentação. Sem esse equilíbrio, todos perdem”, conclui.

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