Investimentos bilionários, tecnologia de ponta e estratégia estatal fazem do Mar Vermelho o novo polo global da aquicultura, em um país que busca reduzir importações e garantir segurança alimentar.
No coração de um dos ambientes mais inóspitos do planeta, a Arábia Saudita está promovendo uma das transformações mais ambiciosas da história moderna da produção de alimentos: converter o deserto e a costa do Mar Vermelho em um gigantesco polo de aquicultura de alta tecnologia. A iniciativa, que integra o megaprojeto econômico Visão 2030, pretende reduzir drasticamente a dependência de importações, fortalecer a segurança alimentar e criar uma nova indústria capaz de sustentar a economia saudita na era pós-petróleo.
Durante décadas, o país viveu sob a contradição de ser um gigante energético, mas um importador quase absoluto de alimentos — mais de 80% do consumo nacional vem do exterior. Em um território praticamente sem rios, com chuvas escassas e solos pobres, faltavam condições naturais para produzir proteína animal em larga escala. Mas essa realidade começou a mudar com o avanço de tecnologias aquícolas, investimentos bilionários e uma mudança profunda na política alimentar saudita.
A vulnerabilidade do país ficou ainda mais exposta nos últimos anos, especialmente durante a pandemia e nos choques globais de abastecimento. Esses episódios levaram o governo a tratar o tema não apenas como questão econômica, mas como prioridade de soberania nacional.
É nesse contexto que o Mar Vermelho desponta como um ativo estratégico sem precedentes. Com 1.800 km de litoral, águas quentes e oxigenadas, ótima salinidade e rica biodiversidade, tornou-se o cenário ideal para a implantação de:
- Mega fazendas costeiras
- Tanques flutuantes em mar aberto
- Sistemas de recirculação de água (RAS)
- Centros de produção de alevinos
- Fábricas de ração marinha
- Infraestruturas de processamento e refrigeração
A produção concentra-se em espécies de alto valor, como robalo, pargo, camarão e outros peixes tropicais, fortalecendo a competitividade internacional do país.

A expansão acelerada do setor é impulsionada por um fluxo gigantesco de recursos financeiros. O Fundo de Investimento Público (PIF), um dos maiores fundos soberanos do mundo, é o principal financiador do movimento que promete redesenhar a economia saudita.
Esses investimentos incluem:
- Linhas de crédito exclusivas
- Subsídios energéticos
- Programas de transferência de tecnologia
- Incentivos fiscais e logísticos
O objetivo é claro: tornar a aquicultura um dos pilares da economia pós-petróleo.
Uma das frentes mais inovadoras é o uso dos sistemas fechados de recirculação de água (RAS), que permitem criar peixes em galpões climatizados no deserto, com reutilização de até 99% da água.
Esses sistemas controlam:
- Temperatura
- Oxigenação
- Fluxo de água
- Nutrição
- Sanidade
O modelo elimina o descarte de efluentes, reduz drasticamente o consumo hídrico e traz previsibilidade total à produção — uma solução crucial em um país onde a água é mais valiosa que o petróleo.
Para o governo saudita, o peixe se tornou uma peça central da estratégia nacional de segurança alimentar, por três motivos:
- Alto valor nutricional
- Ciclo produtivo rápido, permitindo escalabilidade
- Menor impacto ambiental em comparação com proteína de origem terrestre
A meta é que, nos próximos anos, uma parcela crescente do pescado consumido no país seja produzida internamente — reduzindo riscos em um cenário global cada vez mais instável.
A Visão 2030 prevê a diversificação total da economia. Dentro desse plano, a aquicultura se destaca como:
- Indústria de alta tecnologia
- Geradora de empregos costeiros especializados
- Vetor de urbanização e desenvolvimento regional
- Potencial plataforma de exportação para Europa, Ásia e Oriente Médio
Na prática, o peixe passa a ser tratado como o novo ativo estratégico do país.
A instalação das fazendas transformou a dinâmica socioeconômica das regiões costeiras. Cidades antes dependentes da pesca artesanal agora recebem:
- Técnicos e operadores
- Engenheiros de produção
- Biólogos marinhos
- Veterinários especializados
- Operadores logísticos
- Profissionais de processamento de alimentos
A renda local cresce, novos empregos surgem e polos produtivos se consolidam, alterando o mapa da economia regional.
O Mar Vermelho abriga ecossistemas extremamente sensíveis, incluindo recifes de coral únicos no mundo. Para operar ali, os projetos precisam cumprir padrões ambientais rigorosos, com:
- Monitoramento constante da qualidade da água
- Controle de efluentes
- Rastreabilidade total
- Certificações exigidas por mercados internacionais
A pressão ambiental é intensa, e qualquer falha pode gerar impactos severos — o que torna a gestão responsável uma exigência estratégica.
Produzir alimentos na região é uma questão geopolítica. Países do Oriente Médio competem para reduzir sua dependência externa, e a Arábia Saudita quer liderar essa corrida.
Se o plano se concretizar, o país pode se tornar o maior exportador de pescados cultivados do Oriente Médio — um feito extraordinário para um território dominado pelo deserto.
Em poucas décadas, a Arábia Saudita passou de importadora quase total de peixe para candidata a nova potência aquícola global. Essa virada só foi possível graças à combinação de:
- Capital abundante
- Planejamento estatal
- Tecnologia avançada
- Aproveitamento estratégico do litoral do Mar Vermelho
O caso saudita mostra que a produção de alimentos no século XXI não depende mais apenas da natureza, mas da engenharia, da biotecnologia e da geopolítica.
A aquicultura, antes limitada por clima e recursos hídricos, agora ultrapassa fronteiras — até mesmo as dunas do deserto.
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