Na Mongólia, 4,8 milhões de equinos sustentam uma tradição milenar ainda presente no cotidiano; com raízes que remontam ao império mongol, o animal molda a identidade social e econômica do país.
A Mongólia é um dos países mais singulares da Ásia – uma imensa extensão de estepes, montanhas e desertos que abriga pouco mais de 3,5 milhões de habitantes distribuídos em um território maior que o do Pará e Mato Grosso juntos. Com uma densidade populacional de apenas duas pessoas por quilômetro quadrado, o país é considerado um dos mais vazios do planeta. Sua capital, Ulan Bator, concentra mais de 45% da população, enquanto o restante vive em pequenas cidades ou mantém o tradicional estilo de vida nômade nas vastas planícies. A economia gira em torno da mineração, pecuária e de um setor de serviços ainda em desenvolvimento, mas é no aspecto cultural que o país encontra sua marca mais poderosa.
E essa marca tem forma e quatro patas: o cavalo.
A Mongólia é um dos raros lugares onde o animal não é apenas parte da paisagem, mas parte da identidade nacional. São aproximadamente 4,8 milhões de cavalos, número que supera significativamente a população humana – uma curiosidade que permite fazer uma brincadeira irresistível: se no Brasil “há mais boi que gente”, na Mongólia “há mais cavalo que gente”. A diferença é que, por lá, isso não é apenas estatística; é história viva.

O cavalo como pilar da cultura e da sobrevivência mongol
Para entender a alma mongol, é preciso entender o cavalo. Desde os tempos do imperador Gengis Khan, no século XIII, esses animais foram decisivos para a transformação de tribos nômades em um dos maiores impérios territoriais já conhecidos. As conquistas mongóis – da Coreia à Hungria – só foram possíveis graças à extraordinária resistência dos cavalos nativos, capazes de percorrer enormes distâncias por dias, enfrentando neve, vento, calor e terrenos inóspitos.
Os guerreiros de Gengis Khan utilizavam cinco ou mais cavalos por campanha, trocando-os ao longo do percurso para garantir velocidade e potência. A elas se atribui parte da eficiência das mensagens do Yam, o sistema de correio imperial que conectava vastas regiões em tempo recorde. Até hoje, monumentos, museus e pinturas em Ulan Bator exaltam essa relação quase mítica entre homem e animal. 
No cotidiano contemporâneo, mesmo com o avanço da urbanização, os cavalos seguem essenciais. Nas áreas rurais, são utilizados para deslocamento, manejo de rebanhos, transporte de mercadorias e práticas esportivas. A equitação não é um passatempo, mas uma habilidade aprendida desde a infância. É comum ver crianças de cinco anos participando das corridas tradicionais do Naadam, o grande festival cultural da Mongólia.
Na Mongólia, a relação entre homem e cavalo vai muito além do utilitário. Para os povos nômades das estepes, os cavalos sempre foram essenciais não apenas como meio de transporte ou ferramenta de trabalho, mas como parte intrínseca da identidade cultural. Relatos de viajantes como a escritora Elizabeth Kimball Kendall, que percorreu o país no início do século XX, destacam que “um mongol sem seu cavalo é apenas metade de um homem — com seu cavalo, vale por dois”. Essa frase ilustra a centralidade do cavalo no imaginário social e na vida cotidiana do povo mongol. 
A cultura equestre na Mongólia começa muito cedo. Nas áreas rurais, crianças aprendem a montar entre os 3 e 5 anos de idade e participam de competições de corrida já entre 6 e 12 anos, como parte das celebrações e tradições locais. Essa habilidade precocemente adquirida ajuda a explicar por que os mongóis desenvolveram, ao longo de séculos, uma reputação de cavaleiros excepcionais — tradição que remonta diretamente às táticas de mobilidade utilizadas pelos exércitos de Gengis Khan durante as expansões do século XIII.

As raças que dominam a estepe
O cavalo mongol não é uma raça, mas um conjunto de variações regionais dentro de um mesmo grupo genético milenar. Pequeno, compacto e extremamente rústico, o cavalo mongol clássico é disparado o mais numeroso – e é considerado um dos últimos remanescentes de linhagens equinas não modificadas por cruzamentos modernos. Ele vive praticamente solto durante o ano todo, enfrentando invernos que chegam a –40°C e se alimentando da vegetação natural da estepe.
Entre as raças mais conhecidas do país estão:
- Cavalo Mongol (o tradicional) – responsável por quase toda a população equina do país.
- Przewalski (Takhi) – considerado o último cavalo selvagem genuíno do mundo, já extinto na natureza, mas reintroduzido em parques nacionais da Mongólia.
- Yargui e Darkhad – linhagens regionais com pequenas variações de tamanho e coloração, muito usadas em trabalho e corridas.
Embora o Przewalski seja mais famoso internacionalmente, ele representa uma parcela ínfima da população. O dominador absoluto continua sendo o cavalo mongol, símbolo de força, resistência e liberdade.
Curiosidades que tornam a Mongólia ainda mais fascinante
- Os cavalos têm nome próprio, e cada família nômade sabe identificar centenas deles apenas pela pelagem e comportamento.
- O país produz um tipo de bebida fermentada chamada “airag”, feita a partir de leite de égua, considerado tradicional e energético.
- Existem competições de canto gutural dedicadas aos cavalos, nas quais artistas simulam sons de cascos e relinchos, celebrando o vínculo histórico com o animal.
- O ano novo mongol, o Tsagaan Sar, inclui rituais de bênção para rebanhos e cavalos, reforçando o papel espiritual do animal na cultura local.
Na cultura mongol, o cavalo é também um símbolo espiritual de liberdade, poder e resistência. Curiosamente, os mongóis geralmente não batizam seus cavalos; ao invés disso, distinguem-nos por características físicas como cor, marcas e cicatrizes, sustentando uma linguagem especializada que inclui mais de 500 termos para descrever diferentes atributos equinos. Além disso, algumas famílias selecionam um cavalo considerado sagrado — identificado por um lenço azul ao redor do pescoço — que só é montado em ocasiões especiais pelo chefe da família como um gesto de honra e respeito.

Um país que cavalga entre passado e futuro
Enquanto boa parte do mundo associa a ideia de desenvolvimento ao abandono de tradições, a Mongólia segue como prova de que a modernidade não precisa apagar a identidade. O cavalo continua sendo o elo entre gerações e o símbolo mais consistente de resistência cultural.
E, assim como o Brasil carrega a fama de ter mais bovinos do que habitantes, a Mongólia se destaca por algo ainda mais épico: ter mais cavalos do que pessoas. Uma estatística que, longe de ser anedótica, revela a essência de um país cuja história, economia e alma continuam entrelaçadas à força de um animal que moldou impérios e segue moldando destinos.
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