O julgamento do Marco Temporal no STF versus o Agronegócio: “E agora, José?”

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, por 9 votos contra 2, o julgamento da tese do chamado “Marco Temporal” que define a demarcação das terras indígenas.

Quando me deparei com o resultado, sabia que a nossa próxima coluna deveria tentar jogar luz sobre esse tema, já que nos dedicamos em nossa coluna a tentar esclarecer para os agentes de mercado as consequências e impactos de situações que permeiam importantes temas jurídicos do direito do agronegócio e da sustentabilidade.

Na hora, me veio à cabeça o famoso poema do grande Carlos Drummond de Andrade e a sua inquietante indagação: “E agora, José?”.

A tese do Marco Temporal

Pois bem, a tese do Marco Temporal, a rigor, diz respeito à delimitação de período do quanto se voltaria no tempo para se considerar uma determinada área de terras como passível de demarcação para fins de constituição de uma reserva (ou terra) indígena.

O ponto é que esse “deslocamento temporal” da data de eventual investigação da posse da terra pelos indígenas poderia via a ferir eventual direito de propriedade e/ou posse da terra dos atuais detentores atuais das propriedades, acaso a terra entrasse em processo de demarcação como “terra indígena”, independentemente de esses atuais ocupantes/proprietários terem adquirido legitimamente a propriedade sobre esses imóveis.

marco temporal
Foto: CLÁUDIO REIS/ENQUADRAR/ESTADÃO CONTEÚDO

Assim, a “régua” que se visava fixar na linha do tempo para evitar que esse marco não ficasse “móvel” e, eventualmente, se comprometessem os direitos adquiridos de proprietários de terras legitimamente adquiridas e registradas em cartório, seria o ano de 1988, quando foi promulgada Constituição Federal vigente.

Por maioria absoluta, o STF decidiu por bem não fixar o “Marco Temporal” em 1988. A Corte Constitucional entende que esse “corte” com base nesta data não atenderia aos anseios e direitos dos povos indígenas, como integrantes que são de nossa nação e de nossa sociedade, podendo violar assim os seus direitos mais básicos de subsistência como brasileiros integrantes dos povos originários.

Cenários possíveis para o agronegócio

Apesar de todas as celeumas e opiniões manifestadas até agora, é fato que somente a partir da próxima quarta-feira (27), o plenário do STF se reunirá para fixar a tese que servirá de parâmetro para a resolução de cerca de 226 casos semelhantes que ainda estão suspensos à espera da definição final com base no que ocorreu na semana passada.

Dessa maneira, devemos nos debruçar para entender como esse caso pode repercutir no agronegócio e na segurança jurídica aos proprietários legítimos das terras que podem ser objeto de novas demarcações nesses 226 outros processos – e em outros tantos casos a posteriori – ainda em tramitação.

Em primeiro lugar, é importante salientar que no voto do Ministro Gilmar Mendes, há menção expressa aos “critérios objetivos” que devem nortear a modulação dos efeitos da decisão, ainda a ser decidido a partir do dia 27.

Quais os critérios?

A pergunta é: quais são esses critérios? E os direitos dos proprietários legítimos das terras, como serão observados? Eles serão indenizados? E os direitos de toda a sociedade ao meio-ambiente, à segurança alimentar, como ficariam? Tudo isso ainda deverá ser tratado quando os ministros se reunirão novamente para definir esses tais critérios para a modulação dos efeitos da decisão a partir de amanhã.

Em segundo plano, também temos que pensar em como ficaria a tramitação dos novos processos federais de reconhecimento de terras como passíveis de desapropriação para fins de constituição de reservas indígenas pelos órgãos do executivo federal. E nesse ponto, como ficariam os projetos de lei em tramitação em outros poderes que ainda pretendem regular a matéria em definitivo?

Assim, seriam os tais “critérios objetivos” passíveis de serem observados por tais poderes e órgãos federais, regulados por lei específica para tanto? E mais, o mesmo poderia se dar em relação aos critérios de indenização, desapropriação de terras passíveis de serem consideradas como indígenas?

Por todos esses questionamentos que surgiram após a decisão de sexta-feira, começamos o texto nos refugiando no grande Carlos Drummond de Andrade, dada a complexidade da questão e que não termina no julgamento do STF da semana passada, mas somente se esgotará com debate da sociedade como um todo e com a atuação de todos os poderes da república em prol de toda sociedade brasileira, incluindo os próprios povos originários, que compõem a própria sociedade e integram a nação brasileira.

Além disso, temos hoje inúmeros investimentos em Fiagros, em ações listadas em bolsa de companhias que investem em terras produtivas, a constituição de garantias imobiliárias em operações de financiamento ao agronegócio, as operações no mercado de capitais, de trade finance e outras tantas lastreadas em garantias e produtos produzidos em áreas que estão hoje devidamente registradas em cartório e regularizadas perante o Incra e que podem ser envolvidas em um futuro próximo em querelas contemplando desapropriação par fins de constituição de terras indígenas.

Dessa forma, qual será a opção do legislador? Qual será a opção dos poderes da União e da sociedade brasileira? Prestigiar a segurança jurídica, a segurança alimentar, o desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais do agro e a própria decisão do STF – que trouxe os interesses das comunidades indígenas para o centro desse debate – e a própria subsistência dessas comunidades originárias, ou simplesmente deixar o José responder em que termos tudo isso ficará posto para as gerações futuras de brasileiros? E agora, José?

Fonte: .moneytimes.com.br

ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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