
Esse fenômeno acontece quando o bovino alterna períodos de ganho acelerado de peso com fases de perda significativa, criando um padrão de crescimento irregular
Na pecuária de corte, todo produtor busca eficiência: um ciclo produtivo curto, animais com ganho de peso consistente e uma arroba produzida a custo competitivo. Porém, no meio desse caminho, existe um problema silencioso que corrói resultados sem ser percebido de imediato: o efeito boi sanfona.
Esse fenômeno acontece quando o bovino alterna períodos de ganho acelerado de peso com fases de perda significativa, criando um padrão de crescimento irregular. À primeira vista, parece apenas reflexo da variação de clima e pasto. Mas, na prática, o boi sanfona é muito mais do que uma simples oscilação: é um sintoma de falhas no manejo nutricional e estratégico da fazenda.
E, justamente por agir de forma lenta e contínua, muitos pecuaristas só percebem sua dimensão no fechamento da safra, quando os números não batem, mesmo com genética de ponta, estrutura robusta ou bom manejo sanitário.
Entendendo o que é o boi sanfona
O nome é autoexplicativo: assim como uma sanfona abre e fecha em movimentos repetidos, o animal ganha peso em um período e logo em seguida perde parte ou todo o avanço conquistado. Esse ciclo de avanço e retrocesso cria um “crescimento em zig-zag”, que compromete a eficiência global do sistema.
Do ponto de vista fisiológico, o organismo do boi passa por:
- Fase anabólica: acúmulo de reservas energéticas e construção de tecido muscular.
- Fase catabólica: quebra dessas reservas para sustentar funções vitais, quando falta energia ou proteína na dieta.
Essa alternância contínua causa:
- Metabolismo ineficiente;
- Desgaste energético extra;
- Menor aproveitamento de nutrientes;
- Perda de potencial de crescimento linear.
Ou seja, o animal até “engorda”, mas de forma irregular, menos eficiente e, no fim, mais cara.
Onde e quando o efeito aparece com mais força?
O boi sanfona surge especialmente em momentos de transição ou falha no planejamento nutricional:
- Troca de estações (seca → chuva e chuva → seca)
- Durante as águas, há abundância de pasto, e o animal ganha peso rápido.
- Com a seca, o capim perde qualidade e quantidade. Sem suplementação, o boi entra em déficit energético, perdendo parte do ganho obtido.
- Interrupção de suplementação
- Retirar suplemento proteico ou energético sem introduzir outra estratégia faz o animal regredir.
- O efeito é ainda mais severo quando a suplementação foi usada em fases críticas, como terminação.
- Sistemas extensivos sem suporte alimentar
- Rebanhos que dependem apenas do pasto sofrem quedas bruscas na seca ou em períodos de frio intenso.
- Transições alimentares mal planejadas
- A saída de confinamento ou semiconfinamento direto para pasto sem adaptação provoca queda de desempenho, pois o rúmen precisa de tempo para ajustar sua microbiota à nova dieta.
Diferença entre boi sanfona e variações normais
É comum que o peso de um animal oscile levemente por fatores fisiológicos como hidratação, temperatura ambiente ou atividade física. Mas esses ajustes são pontuais e não trazem impacto real ao desempenho.
Já o boi sanfona é repetitivo, crônico e cumulativo. Ele deixa marcas no desenvolvimento corporal, prejudica a eficiência alimentar e atrasa fases críticas como crescimento e acabamento de carcaça.
Consequências do efeito boi sanfona
As perdas não aparecem de imediato, mas se acumulam ao longo do ciclo. Vamos ver os principais impactos:
Redução da eficiência alimentar
Parte da energia consumida pelo animal é desviada para “reconstruir” tecidos perdidos em fases de restrição, em vez de ser usada para crescimento efetivo. Resultado: menor conversão de alimento em ganho de peso.
Carcaça de menor qualidade
Oscilações metabólicas atrapalham o desenvolvimento de músculos nobres e prejudicam o acabamento de gordura, comprometendo o rendimento de carcaça e a bonificação paga no frigorífico.
Atraso no abate
Animais que sofrem o efeito levam mais tempo para atingir peso de abate, o que alonga o ciclo produtivo e reduz a taxa de lotação (giro por hectare/ano).
Custo por arroba mais alto
Mais tempo no sistema significa mais gastos com suplemento, manejo, mão de obra e infraestrutura. No fim, a arroba produzida fica mais cara, e nem sempre o mercado paga a diferença.
Causas mais comuns nas fazendas
- Oscilação climática sem estratégia forrageira: a alternância entre seca e chuva não é compensada por reservas de alimento.
- Suplementação emergencial: usada apenas quando o boi já perdeu peso, em vez de preventiva.
- Manejo de pastagem inadequado: lotação acima da capacidade, falta de adubação ou ausência de áreas de vedação.
- Mudança brusca de dieta: falta de adaptação gradual entre sistemas intensivos e pastagem.
Como evitar o boi sanfona
A solução passa por consistência e previsibilidade nutricional. Não se trata de resolver apenas nos momentos críticos, mas de desenhar um sistema contínuo e resiliente.
1. Planejamento forrageiro
Garantir alimento de qualidade o ano inteiro é a base. Estratégias possíveis:
- Formação de bancos de proteína (ex.: leucena, estilosantes);
- Produção de silagem ou feno para uso na seca;
- Divisão de pastos e pastejo rotacionado, com reserva de áreas para vedação.
2. Suplementação estratégica
- Iniciar suplemento proteico antes da queda do capim;
- Usar suplementação energética em fases de terminação;
- Ajustar níveis conforme categoria e fase produtiva.
3. Transições bem conduzidas
- Adaptar o rúmen de forma gradual ao mudar dietas;
- Evitar rupturas bruscas entre confinamento e pasto.
4. Monitoramento constante
- Pesagens periódicas;
- Avaliação de escore corporal;
- Uso de softwares ou planilhas para acompanhar desempenho e ajustar em tempo real.
O efeito boi sanfona é um dos inimigos ocultos da pecuária de corte. Ele não se mostra em um dia ou em uma semana, mas vai corroendo resultados ao longo do ciclo, atrasando o abate e encarecendo a produção.
A boa notícia é que ele pode ser completamente evitado. Basta encarar a nutrição como processo contínuo, com planejamento forrageiro sólido, suplementação estratégica, transições bem feitas e acompanhamento sistemático.
Mais do que um problema de “ganho e perda de peso”, o boi sanfona deve ser visto como um sinal de falha de gestão do sistema. Corrigi-lo significa não apenas ter animais mais produtivos, mas transformar a fazenda em um negócio mais previsível, eficiente e lucrativo.
Escrito por Compre Rural
VEJA MAIS:
- China libera grãos geneticamente modificados e inicia nova era na agricultura; e agora?
- Troca de bezerros por boi gordo fica próxima da mínima e abre janela de oportunidade
ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias
Não é permitida a cópia integral do conteúdo acima. A reprodução parcial é autorizada apenas na forma de citação e com link para o conteúdo na íntegra. Plágio é crime de acordo com a Lei 9610/98.