
Investigações apontam que a facção criminosa PCC utilizava fazendas para lavagem de dinheiro, logística de tráfico e, em volume de terras, rivalizava com os gigantes do agronegócio brasileiro; já são mais de 511 mil hectares bloqueados pela Justiça
Mais do que dominar o tráfico de drogas no país e ampliar sua presença internacional, o Primeiro Comando da Capital (PCC) também tem se consolidado como uma ameaça silenciosa ao campo brasileiro. Levantamento inédito, baseado em decisões judiciais e reportagens de mais de 25 veículos de imprensa, revela que mais de 511 mil hectares de terras ligadas à facção já foram bloqueados pela Justiça desde 2006.
A área colocaria o grupo criminoso entre os maiores “proprietários” de terras do país, caso ainda tivesse posse direta dessas áreas.
PCC: Um império oculto entre os grandes do agro
Se fosse uma holding agropecuária, o PCC figuraria entre os cinco maiores grupos agrícolas do Brasil em extensão territorial, atrás apenas de nomes como:
- SLC Agrícola – 833 mil hectares
- Grupo Bom Futuro – 600 mil hectares
- Amaggi – 380 mil hectares
- Grupo Bom Jesus – 374 mil hectares
- Scheffer – 215 mil hectares
Ou seja, a facção já chegou a controlar o equivalente a 75% da área operada pela líder SLC Agrícola, utilizando laranjas, empresas de fachada e imóveis rurais em nome de terceiros.
O mapa da infiltração: MT, MS e PA na mira
A maior parte das terras foi bloqueada em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará, estados que, além da forte presença agropecuária, se tornaram pontos estratégicos para o tráfico transnacional. Só em 2008, foram 85 fazendas bloqueadas no MS, totalizando 368 mil hectares, além de uma única propriedade de 140 mil hectares no norte do MT, atribuída a uma facção ligada ao PCC.
Em outro caso emblemático, o traficante Luiz Carlos da Rocha, o “Cabeça Branca” — embora não integrasse formalmente o PCC — acumulou 16 fazendas entre MT e PA, somando 40 mil hectares. Ele foi apontado como um dos principais fornecedores de drogas para a facção.
Poder financeiro e estratégia criminosa
De acordo com estimativas da Polícia Federal e do Coaf, o PCC movimenta entre R$ 2 bilhões e R$ 4 bilhões por ano. Com esse capital, e considerando os valores médios do hectare rural (de R$ 8 mil a R$ 30 mil, dependendo da região), a facção teria capacidade para comprar até 30 mil hectares por ano, mesmo em áreas valorizadas.
Esse investimento em imóveis rurais não é apenas econômico. As propriedades têm função dupla:
- Operacional: servem como base para pousos clandestinos, armazenamento de drogas, armas e munições;
- Financeira: são usadas para lavagem de dinheiro, com operações fictícias de pecuária e agricultura, além do uso de notas fiscais frias e declarações forjadas de rebanhos.
Muito além das porteiras
A infiltração do PCC no setor vai além da terra. A facção já foi identificada em postos de combustíveis, redes de supermercados, transportadoras, usinas e distribuidoras de açúcar e álcool — todos setores ideais para movimentar grandes quantias de dinheiro em espécie.
Em 2024, a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp) chegou a acusar publicamente o grupo por envolvimento em queimadas criminosas no interior paulista, com o objetivo de desestabilizar concorrentes e pressionar o mercado.
O cerco das autoridades e os desafios
A atuação das autoridades tem se intensificado com operações como “Rei do Crime” e “Serras Gerais”, que já bloquearam centenas de milhões de reais em bens. Apesar disso, o volume total de terras e empresas sob controle da facção ainda pode ser subestimado, dado o grau de sofisticação com que o grupo se oculta por trás de estruturas legais.
Essa realidade expõe a fragilidade dos mecanismos de controle patrimonial no país, especialmente no meio rural, onde a fiscalização sobre grandes propriedades, movimentações financeiras e declarações produtivas é muitas vezes ineficaz ou subdimensionada.
O campo brasileiro, tradicionalmente visto como motor do progresso nacional, está sendo cooptado por um novo agente: o crime organizado. A presença do PCC entre os maiores “proprietários de terras” do Brasil revela uma face alarmante do agronegócio e escancara a necessidade de ações integradas de inteligência, fiscalização e rastreabilidade patrimonial para proteger a produção rural e garantir a segurança jurídica no setor.
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