Ao simular situações de produção de forragem ao longo do tempo, é possível prever cenários que ajudam o planejamento da alimentação dos animais e a gestão da propriedade.
Uma pesquisa realizada por especialistas da Embrapa, em parceria com universidades do Brasil e dos Estados Unidos, desenvolveu um modelo que estima a quantidade de produção de forragem a ser armazenada anualmente em propriedades rurais do Semiárido brasileiro, visando otimizar a produção animal.
Os resultados mostram que o armazenamento de cerca de 1.500 kg de forragem por hectare é suficiente para complementar a alimentação de caprinos leiteiros, com uma taxa de lotação de um indivíduo para cada hectare de pastagem. Taxa de lotação é um indicador que mensura a relação entre o número de animais e a área de pastagem, na propriedade, ocupada por eles durante um período de tempo.
A pesquisa, relatada no artigo “Stabilized Forage Guarantee System: defining a forage storage capacity to stabilize livestock production in vulnerable ecosystems”, publicado na Revista Ciência Agronômica, da Universidade Federal do Ceará (UFC), tomou como referência três locais no Semiárido (Sobral e Quixadá, no Ceará; e Ouricuri, em Pernambuco), considerando dados sobre o histórico de chuvas e tipos de solo e de vegetação de Caatinga.
Por meio de ferramentas de modelagem de sistemas, foi possível simular a variabilidade da produção de pastagens em um sistema produtivo de leite de cabras, de acordo com o índice de chuvas ao longo do tempo, e relacioná-la com a capacidade do pasto suportar o consumo pelos animais, considerando o estoque de forragem.
De acordo com o estudo, ao considerar que o tamanho médio de propriedades rurais no Semiárido brasileiro é de 28,9 hectares, com um armazenamento de forragem próximo ao indicado, é possível manter um rebanho de 35 a 45 caprinos em pastagem nas regiões pesquisadas. Dessa forma, se o produtor for capaz de aumentar a produção e o armazenamento de forragem, não será necessário ampliar a área de pasto todos os anos para alimentar os animais.
O modelo foi desenvolvido por pesquisadores da Embrapa e de universidades do Brasil e dos Estados Unidos.
Modelagem colabora para superação de incertezas climáticas
Segundo os pesquisadores que integraram a equipe do estudo, a modelagem de sistemas voltados à produção pecuária pode colaborar para a superação de desafios como a incerteza sobre as condições climáticas e o padrão irregular de chuvas nas regiões semiáridas brasileiras. “O principal desafio tecnológico no Semiárido é a escassez de forragem durante o período seco do ano. As simulações são um modo de gerarmos referências das quantidades de forragem que precisam ser armazenadas nas propriedades rurais, para que, ao longo dos anos, a seca não seja um fator limitante à produção pecuária”, ressalta Ana Clara Cavalcante, pesquisadora da área de Forragicultura e Pastagens da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE).
Para o professor Magno Cândido, do Departamento de Zootecnia da UFC, a ferramenta, além de gerar dados confiáveis para lidar com a imprevisibilidade do clima, também ajuda os produtores rurais a melhor gerir custos de produção. “Por meio da modelagem, é possível fazer uma análise de longo prazo, com 95% de garantia, que estima a real necessidade de alimento a ser estocado na fazenda, sem haver necessidade de comprá-lo de fora e sem gastar com mão de obra, maquinário, energia e combustível armazenado além do necessário”, reforça ele.
Na avaliação dos pesquisadores, o modelo pode ser ajustado e trazer informações para outras regiões do Semiárido do País. “O modelo é aplicável em qualquer região, pois trata do entendimento do padrão de produção dos (alimentos) volumosos, em função das condições de solo e clima e, a partir desse comportamento esperado, na definição da capacidade de suporte da área”, afirma Rodrigo Gregório, professor do curso de Agronomia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
Para Cavalcante, um aspecto importante do modelo é trazer, para a pesquisa agropecuária, evidências científicas sobre a necessidade de estoques anuais de armazenamento da forragem produzida no período chuvoso. “O modelo prova cientificamente que é necessário produzir anualmente forragem para ser armazenada, de modo que os riscos com perdas por seca diminuam. Há quantidades específicas de forragem calculadas pelo modelo para determinados percentuais de riscos estabelecidos”, frisa.
Desafios para pecuária no Semiárido
A modelagem de sistemas é uma ferramenta científica que abre diversas possibilidades de aplicação para superação de desafios enfrentados pela produção pecuária no Semiárido. “Ela pode agilizar soluções para diversos problemas priorizados pelos produtores, inclusive a proposição de sistemas de produção mais eficientes e sustentáveis quanto ao uso dos recursos disponíveis. Pode contribuir também para a gestão sanitária dos rebanhos e a disponibilização de ferramentas destinadas a mercados e à comercialização de produtos”, exemplifica Cavalcante.
No caso da pesquisa descrita no artigo, ao simular situações de produção de pastagens ao longo do tempo, com a influência dos indicadores avaliados, foi possível prever cenários que ajudam produtores rurais no planejamento da alimentação dos rebanhos e na gestão da propriedade. Essas simulações são importantes no contexto de zonas semiáridas, em que a produção pecuária sofre com a variabilidade climática, a imprevisibilidade de chuvas e o risco de períodos severos de seca.
Outros gargalos para a pecuária na região são as técnicas de manejo inadequadas, que favorecem a desertificação e o superpastejo (quantidade de animais em área de pastagem acima do limite suportado); as limitações do solo, que dificultam a mecanização; e as perdas de qualidade da forragem por problemas no armazenamento. Esses problemas dificultam o uso sustentável dos recursos alimentares para o rebanho e podem ocasionar o aumento de custos de produção, ao exigir mais insumos voltados à suplementação dos animais.
“Os estudos têm apresentado uma estimativa da quantidade de estoque de alimento necessária em cada fazenda, mas o produtor muitas vezes não dispõe de mão de obra e maquinário necessário para realizar o armazenamento. Também há a necessidade de assistência técnica para planejar as operações de colheita e estocagem, a fim de realizá-las no momento ideal de corte de cada recurso forrageiro”, acrescenta Magno Cândido.
O artigo traz recomendações para melhorar a eficiência agrícola, com alternativas como a diversificação de recursos forrageiros, com adoção de diferentes espécies na propriedade – a exemplo da estratégia do cardápio forrageirorecomendada pela Embrapa; a otimização do uso da terra, alinhando a produção pecuária à lavoura; e a utilização de máquinas adaptadas às condições de zonas semiáridas.
Aperfeiçoamento do modelo
A intenção da equipe responsável pela pesquisa é prosseguir com o aperfeiçoamento do modelo, para incluir outros parâmetros importantes, como indicadores sobre a qualidade da forragem armazenada e sobre a eventual necessidade de suplementação de animais. “Há um esforço da Embrapa e de seus parceiros em projetos de pesquisa visando ao registro desses dados em bancos, para que possam ser utilizados na melhoria dos modelos. E temos estimulado a pesquisa, de modo a termos mais competências treinadas e aptas a desenvolver e a aplicar ferramentas de modelagem, úteis na resolução de problemas, em processos de tomada de decisão e até na formulação de políticas públicas”, reforça Cavalcante.
Os dados de pesquisas referentes a pastagens e demais recursos forrageiros em regiões de Semiárido já foram utilizados para o desenvolvimento de soluções tecnológicas, como o aplicativo Orçamento Forrageiro. A perspectiva para o futuro é que as informações integrem também novas ferramentas para apoio a tomadas de decisão, como sistemas de alerta precoce de riscos climáticos para rebanhos.
Autoria
Os autores do artigo são Magno José Duarte Cândido, da Universidade Federal do Ceará (UFC); Samuel Rocha Maranhão, do Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional (PDCTR-CNPq/Funcap); Jay Peter Angerer, da Texas A&M University; Ana Clara Rodrigues Cavalcante, da Embrapa; Valdson José da Silva, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE); e Rodrigo Gregório da Silva, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
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