‘Polícia é usada para entrar em fazenda de Fred’; estrada de servidão é o problema

Em decisão recente a justiça autorizou o uso de força policial para entrar em fazenda do Jogador Fred; Estrada de servidão é o motivo do problema

Por Olímpia de Paula* – No contexto rural, as questões relacionadas à propriedade de terras frequentemente evoluem para complexas situações, envolvendo os direitos e responsabilidades dos proprietários vizinhos. Um exemplo recente desse cenário é o caso que envolve a servidão de passagem na fazenda do ex-atacante Fred, reconhecido ícone do Fluminense.

Conforme veiculado na mídia, uma decisão proferida no final de julho pela juíza Lilian Lícia de Souza Caetano, da Vara Única da Comarca de Carlos Chagas/MG, autorizou o uso de força policial para assegurar o cumprimento de uma determinação judicial na propriedade de Fred. A disputa girava em torno do conceito de “servidão de passagem”.

A servidão de passagem refere-se ao direito de uma propriedade usar parte de uma propriedade vizinha para acessar vias públicas ou outros locais de interesse. Como Arnold Wald coloca, “a servidão é um direito acessório da propriedade, intrínseco a ela e perpétuo, cujo propósito econômico é nivelar desigualdades entre edifícios” (2002, p. 199).

Pode-se entender que a servidão visa aprimorar a utilidade do imóvel dominante, o que inevitavelmente resulta em restrições para o imóvel serviente. A servidão de passagem representa um direito real que permite ao proprietário de um imóvel usar uma parte de outro imóvel para obter acesso a outra área.

O Código Civil brasileiro estabelece que a servidão é benéfica para o imóvel dominante, afetando o imóvel serviente, e se estabelece por meio de declaração expressa dos proprietários, testamento ou registro no Cartório de Registro de Imóveis. Da mesma forma, autoriza o detentor da servidão a realizar obras necessárias para sua manutenção e uso, com os custos divididos entre os proprietários envolvidos. Ainda, determina que as obras devem ser executadas pelo dono do imóvel dominante, a menos que o título disponha de forma diferente.

Para legalizar uma servidão de passagem, independentemente do método de aquisição, é imperativo registrá-la no Registro de Imóveis competente para que possa ter efeitos plenos.

Conforme o Artigo 108 do Código Civil, em situações de instituição por contrato entre as partes, é essencial a formalização por escritura pública para negócios jurídicos que envolvam direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo do país.

A servidão é perpétua, o que significa que sua duração é indefinida, perdurando indefinidamente e nunca por um período específico. Sua continuidade não pode ser interrompida sem o consentimento do proprietário do imóvel dominante, permanecendo um ônus para os futuros proprietários do imóvel serviente.

Em relação a esse caso específico, vizinhos que são criadores de gado entraram com uma ação alegando que tinham autorização para usar uma passagem de terra através da fazenda de Fred para chegar às suas áreas.

foto de estrada rural
Foto: Carlinha Oliveira

A situação tomou um rumo inesperado quando Fred não cumpriu uma ordem judicial, que o instruía a entregar as chaves do cadeado da porteira de entrada aos vizinhos. A fazenda está sob administração de seu pai. Diante disso, a juíza autorizou o uso de força policial, se necessário, para garantir o cumprimento da decisão e a continuidade da servidão de passagem.

A disputa gira em torno da falta de acesso dos vizinhos à passagem de terra que corta a fazenda de Fred. Eles afirmam que, após adquirirem terrenos vizinhos em 2012, obtiveram permissão para usar essa passagem. Contudo, no ano passado, foram surpreendidos com as porteiras fechadas, prejudicando a criação de gado dos fazendeiros, que alegam que seus animais enfrentaram dificuldades e prejuízos por falta de cuidados e suplementos alimentares.

Por sua vez, Fred alega que a mudança dos cadeados e a recusa em fornecer outra via de acesso ao curral dentro da fazenda visam a proteger sua privacidade. Ele argumenta que usar a passagem afetaria sua privacidade, o que, diga-se de passagem, não é um argumento minimamente plausível diante do contexto fático.

A decisão de usar a força policial destaca a importância das questões de servidão de passagem em ambientes rurais. A situação ressalta a necessidade de equilíbrio entre os direitos dos proprietários, visando ao bem-estar de todos os envolvidos e à manutenção da ordem.

Por isso, para o bem de todos, o ideal é não adquirir imóvel rural encravado, bem como evitar imóvel em que haja vizinhos encravados “por trás” dele. Na pior das hipóteses, tem de ser possível construir outra saída direto para a rua, a passagem forçada servindo apenas para começar os trabalhos.

Um sítio encravado ensanduichado entre um reflorestamento e um grande acidente geográfico (rio, montanha) poderia ser aceitável, já que reflorestamento não tem muita presença humana, e as estradas internas de um reflorestamento não costumam ter porteiras. Mas sempre lembre que o reflorestamento pode ser vendido…

estrada rural com endereco eletronico
Foto: Gilson Abreu/AEN

Se você está decidido a comprar um imóvel encravado, pense bem se você e seus vizinhos “pensam parecido”, pois isto vai facilitar muito o entendimento mútuo.

Por exemplo, se os vizinhos criam gado e você comprar um sítio encravado para criar gado, a convivência fica mais fácil, pois o perfil de uso dos caminhos é parecido, algumas obras como mata-burros nas porteiras são empresas comuns. Pode até haver algum ganho de escala, por exemplo uma fonte de água ou poço artesiano são obras caras, mas diluindo entre vizinhos fica viável.

Outra encrenca envolvendo imóvel encravado é a energia elétrica. Cada concessionária tem um critério sobre as questões envolvidas:

  • a) onde fica o medidor?
  • b) burocracia e permissões para passar a linha pela terra de outra pessoa;
  • c) custo da linha de transmissão, e sua divisão entre usuário e concessionária;
  • d) prazo de instalação.

Outra faceta da passagem forçada é a água. Por exemplo, se você está entre um vizinho e uma fonte da qual este último queira bombear água, e supondo é claro que haja permissão e outorga da água, você é obrigado a dar passagem aos condutos. Você pode insistir numa instalação correta, enterrada ou bem oculta, que não bloqueie seus caminhos, etc. mas tem de dar passagem para instalação e manutenção. Servidão de água é considerada mais intrusiva que de eletricidade, pois não pode ser aérea.

O caso exposto enfatiza como as leis e decisões judiciais afetam a vida nas áreas rurais, influenciando as relações entre vizinhos e o uso das propriedades. Seu desfecho será acompanhado de perto, pois impactará não somente as partes envolvidas, mas também a compreensão das leis de servidão de passagem em contextos rurais.

A servidão de passagem se revela como um instituto significativo, permitindo que proprietários de imóveis tenham acesso adequado a vias públicas. Sendo um direito real, pode ser acordado entre as partes, ou ser objeto de testamento ou usucapião, porém, o registro no Cartório de Registro de Imóveis é fundamental para sua eficácia.

Essa servidão é transmitida por sucessão após a morte ou durante a vida, acompanhando as mudanças no imóvel. Sendo perpétua, persiste após a morte ou a venda do imóvel. A exceção é a desapropriação, e a servidão só cessa em relação a terceiros quando cancelada (Artigo 1.387 do CC/02).

Além disso, é acessória, existindo somente em relação à propriedade, e é atípica, visto que a lei não esgota suas formas.

Finalmente, é inalienável, pois não pode ser separada do direito de propriedade.Por isso, para o bem de todos, o ideal é não adquirir imóvel rural encravado, bem como evitar imóvel em que haja vizinhos encravados “por trás” dele. Na pior das hipóteses, tem de ser possível construir outra saída direto para a rua, a passagem forçada servindo apenas para começar os trabalhos.

Conteúdo escrito por Olímpia de Paula [(18) 98158-8363)] e Priscila Rocha [(18) 99115-1980] com a contribuição do estagiário de de Direito, Matheus Vinicius da Silva Ferreira. Ambas são advogadas e atuam de forma especializada para produtores rurais.

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