
A rastreabilidade bovina no Pará é a nova aposta do pecuarista considerado o ‘Rei do Gado’ – com um rebanho de 240 mil bovinos, símbolo de uma pecuária mais transparente e ambientalmente responsável
O homem que mudou e moldou a história da pecuária brasileira, Roque Quagliato, conhecido como o “Rei do Gado” no Brasil, está no centro de uma das transformações mais ambiciosas da pecuária nacional. Aos 85 anos, o criador que já enfrentou acusações de desmatamento e uso de trabalho análogo à escravidão nas décadas passadas, agora se posiciona como protagonista em um movimento para recuperar a imagem da pecuária amazônica e torná-la mais sustentável e rastreável.
Durante anos, as fazendas da família Quagliato foram alvo de sanções por práticas questionáveis. Nos anos 1990, houve acusações de trabalho escravo e, nos anos 2000, de desmatamento em larga escala. No entanto, Quagliato pagou as multas aplicadas — com exceção de uma, que foi resolvida mediante compromisso de regenerar a floresta — e hoje tenta reescrever seu legado.
Agora, ele abraça uma política ambiental inédita no Pará, que prevê a etiquetagem de todos os bovinos com chips de rastreamento até 2027. O objetivo: garantir que nenhum animal esteja associado a áreas desmatadas ilegalmente e, ao mesmo tempo, ampliar o acesso a mercados internacionais mais exigentes.
Um dos maiores rebanhos privados do Brasil
O apoio de Quagliato à rastreabilidade não vem de um pequeno produtor. Pelo contrário, ele é o maior pecuarista individual do país, à frente de um império construído ao longo de cinco décadas. Segundo informações do Compre Rural, o Grupo Rio Vermelho, liderado por Roque Quagliato, possui cerca de 240 mil cabeças de gado de corte, distribuídas principalmente entre os municípios de Sapucaia e Xinguara, no Pará.
Ao todo, o grupo administra aproximadamente 112 mil hectares, e sua principal unidade é a Fazenda Rio Vermelho, considerada uma das maiores do Brasil. Sua influência na pecuária nacional vai além dos números: foi um dos pioneiros na adoção de práticas como o manejo rotacionado, intensificação a pasto e integração lavoura-pecuária (ILP), defendendo a produtividade com responsabilidade ambiental.
Essa dimensão e protagonismo fazem com que sua adesão ao plano de rastreabilidade tenha um peso simbólico e prático fundamental para a política pública.
Rastreabilidade como moeda de mercado
O Pará abriga um dos maiores rebanhos do Brasil — com 26 milhões de cabeças, número similar ao da Austrália —, mas sofre restrições comerciais devido à imagem associada ao desmatamento. Países como Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e membros da União Europeia evitam importar carne bovina do estado.

“Ao final, o que esperamos é que o mercado internacional ofereça um preço melhor ao Brasil”, disse Quagliato durante um leilão em Xinguara (PA). Ele enfatiza que produtores que continuam desmatando hoje devem ser responsabilizados: “Agora é assunto para prisão”.
O plano em andamento e seus desafios
A lei estadual de rastreabilidade, aprovada no final de 2023, obriga todos os criadores do Pará a identificarem eletronicamente seus animais até o fim de 2026. Contudo, até maio de 2025, apenas cerca de 12 mil cabeças haviam sido etiquetadas, um número muito abaixo da meta.
Apesar do ritmo lento, a adesão de grandes nomes como Quagliato acalmou temores de uma rejeição em massa. O programa [ da rastreabilidade bovina no Pará ] é impulsionado por parcerias como a do Bezos Earth Fund, que doou US$ 16,3 milhões para sua implementação, e pelo frigorífico JBS, que já doou 300 mil chips eletrônicos.
“O sucesso dessa iniciativa depende dos próprios pecuaristas”, afirmou Andy Jarvis, diretor do programa Future of Food do Bezos Earth Fund. “Sem eles, a política não se sustenta.”
Rastreabilidade bovina no Pará: Um divisor de águas para a Amazônia?
Para ambientalistas e especialistas, o projeto pode representar um divisor de águas na luta contra o desmatamento. A rastreabilidade bovina no Pará cria uma barreira técnica para escoamento de animais criados em áreas ilegais, algo que hoje ainda ocorre com facilidade. Códigos eletrônicos permitirão geolocalizar os animais em momentos críticos, dificultando fraudes na origem da carne.

Ainda assim, muitos produtores estão resistentes, seja por medo de custos ou de punições ao descobrirem-se vínculos com fornecedores que atuaram em terras ilegais.
“Tem um custo”, reconheceu Quagliato. “Mas quando a gente conversa entre produtores, chega a uma conclusão: temos que fazer isso.”
O pequeno produtor e o dilema da regularização
Enquanto os grandes pecuaristas avançam com o processo, os pequenos enfrentam insegurança jurídica e financeira. É o caso de Alaion Lacerda, que cria 50 cabeças no sul do Pará. Ele teme que a nova política o impeça de comercializar seus animais, já que parte de sua área foi desmatada ilegalmente no passado.
“Isso nos assusta”, disse. “Quase todos os produtores aqui têm alguma pendência.”
Para amenizar esse impacto, o governo estadual está permitindo que produtores com áreas embargadas recuperem sua legalidade mediante compromissos de reflorestamento, mas isso exige isolamento de áreas e redução de rebanhos — medidas que impactam diretamente a renda de pequenos criadores.
Rastreabilidade bovina no Pará
Apesar dos desafios, a política de rastreabilidade bovina no Pará é vista como um passo histórico rumo à pecuária sustentável no Brasil. Com apoio da indústria, ONGs e de grandes pecuaristas como Roque Quagliato, o projeto mostra que o setor pode — e precisa — se reinventar para continuar competitivo e ambientalmente aceito.
Se bem-sucedido, o plano não só protegerá a floresta amazônica, mas também posicionará o Brasil como líder em carne bovina sustentável nos mercados internacionais. Como disse uma analista do Imaflora: “Neste momento, temos vontade política — e isso já é mais da metade do caminho”.
Compre Rural com base em matéria divulgada pela Reuters no dia 06/09/2025
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