Posso fornecer sucedâneo de menor teor de proteína para bezerras?

No Brasil, a adoção de sucedâneos comerciais como dieta líquida vem aumentando, mas apresentam composição e qualidade nutricional variável.

Durante a fase de aleitamento, a dieta líquida é a principal responsável pelo desempenho e também pela saúde de bezerros leiteiros.

Uma nutrição equilibrada desde a fase inicial de vida, além de favorecer a saúde e bem-estar dos animais, pode promover boas taxas de crescimento e reduzir os índices de morbidade e mortalidade. Assim, o uso de dieta líquida de menor qualidade, assim como o fornecimento de menores volumes pode comprometer o desempenho, a saúde e o bem-estar de fêmeas de reposição.

No Brasil, a adoção de sucedâneos comerciais como dieta líquida vem aumentando, porém, os produtos hoje disponíveis no mercado apresentam composição e qualidade nutricional variável e, a depender da fonte utilizada em sua formulação, não é recomendado o fornecimento para bezerros menores de 15-21 dias de vida.

Nesse período, o sistema digestório do bezerro encontra-se em processo de adaptação, ou seja, não possui aparatado enzimático suficiente para a digestão de fontes alternativas que não sejam derivadas do leite. Dessa maneira, é aconselhado que os sucedâneos sejam de origem láctea e apresentem alto teor de proteína (>25% PB) para suprir as necessidades proteicas para o rápido crescimento muscular. No entanto, o alto custo dos ingredientes, especialmente a proteína de origem láctea, torna a menor inclusão dessa fonte nas formulações um desafio para criar bezerras com bons resultados de rentabilidade e bem-estar, minimizando os custos de criação. 

Dessa maneira, a questão permanece: qual conteúdo de proteína no sucedâneo necessário para maximizar o crescimento e/ou saúde de bezerros? Embora este tema já tenha sido bastante estudado, está sempre sendo revisitado.

O artigo relatado a seguir mostra que podemos utilizar um sucedâneo de menor teor de proteína sem prejuízos ao desempenho. Sim, acabamos de dar um spoiler, mas vejam que interessantes os resultados deste trabalho e depois leiam com atenção aos comentários finais para uma melhor conclusão.

Para elucidar ainda mais esse tema, Schubert et al. (2022) realizaram um estudo para avaliar o impacto na redução do teor de proteína no sucedâneo sobre o desempenho e saúde de bezerros jovens.

Os autores utilizaram 68 bezerros recém-nascidos (34 machos e 34 fêmeas) da raça Holandesa, os quais foram alojados em gaiolas individuais até o 7° dia de vida e posteriormente, divididos em dois grupos de acordo com o sucedâneo fornecido (Tabela 1) e transferidos para baias coletivas contendo 16-18 animais.

Os grupos foram divididos igualmente em quatro piquetes diferentes, com acesso a água e mesma dieta sólida (concentrado bezerros com alta fibra (MCF) + dieta total (TMR) das vacas leiteiras). O MCF foi oferecido apenas à vontade até que o bezerro mais novo de cada baia completasse 77 dias de vida. Já de 78 a 97d o MCF foi restrito a 2 kg/animal/d e de 98 a 117d a 1 kg/animal/d. A partir do dia 78, os bezerros receberam TMR à vontade.

O sucedâneo era fornecido via aleitador automático, em cerca de até 10L de sucedâneo, sendo os tratamentos:

  1. SD22: Sucedâneo com 22% de proteína bruta (PB) (Controle)
  2. SD19: Sucedâneo com 19% proteína bruta

Os bezerros receberam  349g e 296g (PB) via dieta líquida para os grupos controle e experimental, respectivamente. O consumo da dieta sólida, o desempenho e o estado de saúde foram monitorados durante a fase de pré-transição (8 a 42d), transição (43 a 77d) e pós-desaleitamento (78 a 157 dias de idade).

Para todos os grupos, o sucedâneo foi misturado na concentração de 160 g/L até 42d, quando foi reduzida para 125 g/L. O volume foi reduzido linearmente em 2,5 L por semana ao longo de quatro semanas e depois em 0,5 L/d até o total desaleitamento.

Tabela 1. Lista de ingredientes, conteúdo energético e composição química conforme analisado (%MS) de sucedâneos lácteos (SD) contendo dois níveis diferentes de proteína.

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Desempenho dos bezerros leiteiros

Durante a fase de pré-transição, a ingestão de sucedâneo não foi afetada pela concentração de proteína (Tabela 2), mas animais aleitados com o sucedâneo com menor teor proteico (SD19), apresentaram maior consumo de concentrado. No entanto, o consumo total de MS não diferiu entre os tratamentos.

Por outro lado, na fase de transição (43-77d), embora não tenha sido observada diferença no consumo de sucedâneo ou concentrado de acordo com o teor de proteína do sucedâneo, houve tendência para que animais aleitados com sucedâneo com menor teor de proteína bruta apresentassem maior consumo total de MS.

Já no último período de avaliação (78-157d), não foram observadas diferenças no consumo de alimentos em função do teor de proteína do sucedâneo.

Tabela 2. Consumo de matéria seca (MS) (g/d) diferenciado de acordo com os períodos experimentais e fontes alimentares em g/animal/d (média ± DP).

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A Figura 1a mostra que o peso dos animais não foi afetado pelo teor de proteína do sucedâneo, uma vez que na maior parte do período avaliado o ganho médio diário (GMD) também foi afetado (Figura 1b).

No entanto, uma diminuição no GMD entre 42-49 d foi observada, provavelmente porque os bezerros foram incapazes de compensar totalmente a redução do nutriente da dieta liquida aumentando sua ingestão de concentrado.

Figura 1. Peso corporal (a) e ganho médio diário (b) de bezerros alimentados com sucedâneo de leite com 22% PB (SD22; n = 35) ou 19% PB (SD19; n = 33) de acordo com a idade.

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Saúde

Tanto a aferição da temperatura retal, quanto as características fecais podem ser utilizadas como parâmetros para avaliar a saúde dos bezerros jovens. No presente estudo, as temperaturas diárias estavam dentro da faixa fisiológica considerada normal (38,5°C a 39,5°C) sendo assim, não houve efeito do teor de proteína bruto do sucedâneo quanto a temperatura retal.

As avaliações das fezes foram realizadas de acordo com os parâmetros de consistência e cor, pH, MS e teor de sódio. O episódio de diarreia foi considerado quando as fezes apresentavam teor de MS inferior a 150g/kg, tendo sido observado maior MS fecal nos bezerros alimentados com SD22 durante todo o período (Figura 2a).

O grupo alimentado com maior teor de proteína (22%) obteve os maiores valores de pH se comparado com bezerros alimentados com SD19. Esse resultado pode estar relacionado o aumento de teor de proteína, assim como maior teor de cálcio na dieta (8,70 vs. 7,90 g/kg DM), que resultou em maiores concentrações de cálcio nas amostras fecais.

Menor pH fecal é normalmente observado quando os ruminantes recebem rações com alto teor de concentrado, o que equivale a altas quantidades de extrativo não nitrogenado (ENN). No presente estudo, o pH fecal foi mais baixo em bezerros aleitado com SD19 aos 42d, os quais apresentaram maior ingestão de concentrado nesse período, juntamente com maior ingestão de extrativo não nitrogenado via sucedâneo, contribuindo com a redução do pH fecal.

Figura 2. Teor de matéria seca fecal (MS) (a) e pH fecal (b) de amostras fecais em diferentes idades de bezerros aleitados com sucedâneo do leite com 22% PB (SD22; n = 35) ou 19% PB (SD19; n = 33).

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Parâmetros sanguíneos

GH e IGF-1

Os níveis do hormônio de crescimento (GH) e do fator de crescimento semelhante à insulina tipo I (IGF- 1) são utilizados para avaliar o crescimento nos bezerros jovens, já que o eixo somatotrópico já é funcional. O padrão de liberação do GH é afetado pelo tratamento dietético fornecido ao animal e a concentração plasmática é afetada de forma negativa com a quantidade de PB na dieta dos ruminantes.

No presente estudo, os maiores níveis de GH foram observados em bezerros aleitados com 19% PB, no período de pré-transição, devido ao menor consumo de PB (Tabela 3). Por outro lado, animais aleitados com menor teor de PB (SD19) apresentaram maior concentração de IGF-I no dia 42d, mas este efeito não foi observado nas outras avaliações, sugerindo que não houve desvantagem do ponto de vista nutricional e estado imunológico para bezerros que consumiram menores teores de PB.

Insulina, Glicose e Ureia

Para avaliação metabólica, foram determinadas as concentrações de insulina, glicose e ureia dos animais. No início do experimento (8d de vida) foi observado praticamente o dobro da concentração de insulina para SD19 se comparado ao SD22 e, após esse período ocorreu uma queda nos valores até os 77d de vida.

Já a glicose também apresentou maiores concentrações no início do experimento e posterior queda até aos 77 dias de vida dos animais. Estes resultados estão relacionados com o aumento no consumo da dieta sólida conforme o avançar da idade dos animais, favorecendo o aumento da fermentação ruminal e, consequentemente, a produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), utilizados como nova fonte energética, reduzindo os níveis de glicose e insulina no sangue dos bezerros (Tabela 3).

No geral, e com base nos dados do estudo, a redução do teor de proteína no sucedâneo do leite não teve efeito negativo para os bezerros devido às características metabólicas.

Quanto os níveis séricos de ureia, durante a fase pós-desaleitamento não foram encontradas diferença entre os grupos. No entanto, durante a fase de pré-transição, os bezerros alimentados com SD19 apresentaram maior concentração sérica de ureia se comparado ao grupo SD22 (Tabela 3).

Isso indica que os bezerros aleitados com SD22 podem ter tido maiores acréscimos de proteína corporal e que uma menor proporção de aminoácidos foi utilizada como fonte energética ao se comparar com bezerros aleitados com SD19.

Porém, vale ressaltar que os níveis de ureia observados para ambos os tratamentos mostraram que nenhum dos grupos era deficiente em proteína ou energia, indicando que o uso do sucedâneo reduzido em proteínas foi eficiente no presente estudo.

Tabela 3. Níveis séricos do hormônio do crescimento (GH), fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1), insulina, glicose e ureia em função da idade e teor de proteína bruta do sucedâneo.

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1 Sucedâneo contendo 22% de proteína bruta; Sucedâneo contendo 19% de proteína bruta; 3 Fase de pré-transição de 8 a 42d: 10L de sucedâneo na concentração de 160 g/L; Fase de transição de 43 para 77d: redução linear de 10L para 0L em concentração de 125 g/L.

Os resultados do estudo sugerem que um sucedâneo do leite de boa qualidade com 19% de PB, oferecido sem restrições durante as primeiras 6 semanas de vida, foi suficiente para atender as exigências nutricionais dos bezerros e promover crescimento similar aos bezerros recebendo maiores teores de proteína bruta.

Comentários

A avaliação da composição de sucedâneos, assim como seu volume de fornecimento, não são assuntos novos, mas estão sempre sendo revisitados. No presente trabalho não houve efeito do fornecimento de sucedâneo com menor teor de proteína, no entanto alguns pontos precisam de destaque.

O primeiro aspecto importante a ser considerado é que os sucedâneos utilizados este estudo continha 40% de leite em pó, o que é bastante incomum, especialmente nas formulações disponíveis no Brasil. Esta alta inclusão de leite em pó faz com que a qualidade da proteína consumida seja bastante superior àquela a partir de sucedâneos com outras fontes de proteína.

Outro aspecto importante é o fornecimento de dieta líquida à vontade, com animais consumindo mais que 1.300g de MS de dieta líquida por dia, o que representa mais que 10 L quando a diluição é feita para 12,5%. Este programa alimentar faz com que mesmo se utilizando dieta com menor teor de proteína o animal tenha consumo total de PB adequado para se observar as taxas de ganho deste estudo.

Considerando todo o período experimental os animais apresentaram ganho médio de aproximadamente 1kg/d, mas observando-se a Figura 1a fica claro que nas primeiras semanas existe ainda um ajuste seja devido a alteração de instalação, consumo de grandes volumes em aleitador automático ou ainda maior ocorrência de diarreias.

Por outro lado, embora o alto volume de consumo possa compensar o menor teor de proteína bruta de uma formulação, esta estratégia não se mostra como a mais eficiente no aumento das taxas de crescimento, assim como no que diz respeito de manejo geral de bezerreiros. O NASEM (2021) inclusive sugere aumento na relação proteína:energia dos sucedâneos à medida que se busca maiores taxas de crescimento.

Um importante trabalho da ESALQ (De Paula et al., 2017) também já havia mostrado que aleitamento intensivo adotando-se sucedâneo com teor de proteína médio não resulta em melhor desempenho.

Assim, embora alguns trabalhos mostrem que estes sucedâneos podem resultar em adequadas taxas de crescimento, é importante ler as entrelinhas e entender aspectos que estejam contribuindo para estes resultados.   

Fonte: MilkPoint
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