
Com investimentos bilionários e avanço das florestas plantadas, o estado se consolida como novo epicentro global da produção de celulose; preço da terra, ou melhor, a valorização da terra supera aplicações financeiras e atrai capital estrangeiro
Mato Grosso do Sul (MS) vive, atualmente, uma revolução silenciosa e bilionária que está mudando o perfil produtivo, econômico e fundiário do estado: o boom da celulose. O avanço acelerado da indústria florestal, impulsionado por gigantes como Suzano e Arauco, transformou não apenas as paisagens de vastos campos em verdadeiros oceanos verdes de eucalipto, mas também turbinou o preço da terra em diversas regiões — com valorização que chega a 62,7% em apenas um ano, conforme dados da Scot Consultoria.
Esse movimento de transformação intensa já é chamado por especialistas do setor de “Vale da Celulose”, em alusão ao Vale do Silício, nos Estados Unidos, tamanho é o volume de investimentos, inovação logística e reorganização produtiva que toma conta do estado. Não se trata apenas de aumento no preço da terra, mas de uma nova economia regional, verticalizada, tecnificada e altamente conectada ao mercado internacional.
Terras disparam com avanço do setor
Segundo levantamento da Scot Consultoria, Corumbá liderou a valorização de terras destinadas à pecuária no primeiro quadrimestre de 2024, com impressionantes 62,7% de aumento em relação ao ano anterior. Também tiveram altas expressivas: Três Lagoas (20,7%), Aquidauana (17,7%), Bodoquena (17,2%), Chapadão do Sul (15,8%) e Campo Grande (15,6%).
Para áreas agrícolas, o destaque foi Bodoquena, com 38,8% de valorização nas terras de lavoura, seguida por Dourados (37,1%), Coxim (21,8%), Aquidauana (17,0%) e Corumbá (11,4%).
O que está por trás dessa valorização do preço da terra?
Três fatores principais explicam essa explosão de preços no mercado fundiário de MS:
1. Megainvestimentos no setor de celulose
O principal motor da valorização é o avanço da indústria de celulose. A Suzano está construindo, em Ribas do Rio Pardo, a maior fábrica de celulose do planeta, com aporte de R$ 22,2 bilhões e necessidade de abastecimento de uma base florestal de quase 600 mil hectares de eucalipto.
Além disso, a chilena Arauco anunciou outro megaempreendimento no município de Inocência, com investimento de R$ 25 bilhões e previsão de início das operações em 2027, utilizando cerca de 400 mil hectares de florestas plantadas.
2. Explosão da silvicultura no estado
De 2009 a 2023, a área com florestas plantadas em Mato Grosso do Sul saltou de 300 mil para 1,4 milhão de hectares — um crescimento de 466%. A expectativa do setor é de que a área atinja 2 milhões de hectares até 2030, consolidando o estado como líder brasileiro e um dos mais relevantes players globais em celulose.
3. Infraestrutura e logística estratégica
A Rota Bioceânica, corredor que ligará o Brasil ao Oceano Pacífico via Paraguai, Argentina e Chile, tem atraído interesse logístico global. Com previsão de conclusão da ponte sobre o Rio Paraguai até 2025, a conexão internacional pode reduzir o custo logístico em até 30%, elevando ainda mais a atratividade da região para exportações.
Participação estrangeira cresce e preocupa produtores
A abertura ao capital internacional também é um pilar importante desse novo ciclo. Com a promulgação da Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020), a compra de terras por estrangeiros passou a ser mais flexível. A legislação prevê limite de até 25% da área de cada município, sendo no máximo 10% por nacionalidade.
No entanto, em municípios como Ribas do Rio Pardo, Inocência e Água Clara, a presença estrangeira já ultrapassa os 30% das áreas agricultáveis, segundo relatos de produtores e lideranças locais.
Lucas Brenner, advogado da Aprosoja-MS, alerta para a fragilidade da fiscalização:
“Há uma lacuna legal sendo explorada por multinacionais por meio de subsidiárias brasileiras, o que burla os limites estabelecidos para estrangeiros. Sem controle mais rígido, o risco é perdermos o domínio nacional sobre áreas estratégicas”, disse.
Valorização supera investimentos tradicionais
O ganho com a terra tem superado largamente outras formas de aplicação financeira. Entre 2010 e 2024:
- O hectare pecuarista saltou de R$ 3.832 para R$ 22.074 – uma valorização de 476%
- Já as terras agrícolas subiram de R$ 7.344 para impressionantes R$ 60.971 por hectare – um ganho acumulado de 730%
Esses números superam com folga o rendimento médio de aplicações como CDBs, Tesouro Direto ou ações da B3 no mesmo período, consolidando a terra como um ativo altamente valorizado e seguro.
O novo retrato de Mato Grosso do Sul
O movimento atual está redesenhando o mapa econômico do estado. Regiões antes voltadas à pecuária extensiva ou agricultura convencional agora dão lugar a florestas tecnificadas de eucalipto, com uso intensivo de maquinário, drones, genética avançada e monitoramento via satélite.
A força do novo setor também impacta positivamente o mercado de trabalho, com geração de milhares de empregos diretos e indiretos, além da movimentação de indústrias de base, infraestrutura e serviços. O termo “Vale da Celulose”, antes informal, já começa a ser adotado por players do mercado para descrever esse novo ciclo de prosperidade.
Perspectivas para o preço da terra
Com os investimentos ainda em andamento e a demanda global por celulose em alta — especialmente da China, Europa e EUA —, a tendência é de continuidade no ciclo de valorização fundiária, aliado à consolidação de Mato Grosso do Sul como referência internacional em silvicultura e sustentabilidade industrial.
A terra sul-mato-grossense, antes vista como extensão de pasto ou lavoura, agora é um ativo global — estratégico, valorizado e disputado.
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