Desinformação sobre o papel do administrador judicial leva muitos produtores rurais a temer, sem necessidade, a perda de controle sobre seus próprios negócios ao considerar a recuperação judicial.
“Se eu entrar com recuperação judicial, perderei a gestão dos meus negócios?” Essa é uma pergunta frequente entre os produtores rurais. Alguns chegam a descartar sumariamente a recuperação judicial por equivocadamente acreditarem que um “funcionário da Justiça”, referindo-se ao administrador judicial, irá assumir, ou pelo menos participar, do dia a dia da empresa.
Para quem é da área jurídica, isso pode até parecer uma questão simplória. Entretanto, para a grande maioria dos produtores rurais, que pouco conhecem sobre questões jurídicas, é uma dúvida relevante. Eles estão mais acostumados a administrar riscos climáticos, preço da soja, variação do dólar e fluxo de caixa. Então, ao ouvir falar em um “administrador” nomeado pela Justiça, a impressão é de que alguém assumirá a gestão dos negócios.
A resposta simples e direta é: não, o administrador judicial não irá assumir a gestão dos seus negócios.
Costumo dizer aos clientes que o problema está no nome escolhido: administrador judicial. Ele passa a justificável impressão de que, com a recuperação judicial, será ele quem passará a “administrar”, ou seja, a fazer a gestão dos negócios.
Acredito que o legislador teria sido mais preciso se tivesse optado por “auditor judicial” ou, melhor ainda, “fiscal judicial”, denominações que representam de forma mais adequada o papel desse profissional que colabora com a Justiça.
A verdade: o administrador não administra
Que fique claro: o administrador judicial não tem como função administrar o negócio do devedor. Ele não tomará decisões comerciais, não definirá o plantio, não mexerá no caixa, não contratará ou demitirá funcionários, não organizará logística, não negociará insumos ou a produção. Em outras palavras, ele não “administrará” nada.
A própria lei deixa isso expresso. O artigo 64 da Lei 11.101/2005 determina que, durante a recuperação judicial, o devedor continua na administração de seus bens e negócios, salvo nas hipóteses excepcionais do artigo 65, que tratam de gestão temerária, fraude e violações graves. Ou seja, afastamento da gestão é exceção — e exceção raríssima.
Para que não haja dúvidas, vejamos exatamente o que diz uma parte importante da lei:
Lei 11.101/05 – Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:
Já o artigo 22 da Lei 11.101/2005 elenca todas as atribuições do administrador judicial. Em suma, ele:
- fiscaliza o cumprimento das obrigações legais;
- audita as informações enviadas pelo devedor;
- informa o juiz por meio de pareceres e relatórios;
- acompanha a execução do plano de recuperação;
- atua como interlocutor entre o juiz, os credores e o devedor.
Ou seja: ele fiscaliza, audita, informa e acompanha. Ele não administra.
Os relatórios que o devedor envia ao administrador judicial também estão previstos em lei. O artigo 52, IV, determina que, após o deferimento do processamento, o devedor deve apresentar “contas demonstrativas mensais” para o administrador judicial avaliar a regularidade das operações.
De fato, é possível que ele realize visitas, inspeções ou reuniões. Mas, na prática, quando isso ocorre, geralmente é apenas no início da recuperação judicial, mais com o intuito de confirmar se a atividade produtiva continua e se o histórico relatado na petição inicial condiz com a realidade. Na maioria dos casos, a fiscalização e o acompanhamento ocorrem exclusivamente por meio das informações documentadas enviadas pelo devedor.
Portanto, se um dos receios de ingressar com o pedido de recuperação judicial é o de perder a gestão dos negócios para o administrador judicial, pode deixar de lado essa preocupação. Aliás, o que se percebe na prática é o contrário: em alguns casos, o administrador judicial acaba indiretamente ajudando o devedor a se organizar, tanto administrativamente quanto financeiramente. Isso porque, ao ter de relatar sua realidade por meio de números e documentos, o devedor acaba identificando falhas e percebendo melhorias possíveis — uma gestão mais profissionalizada que, se tivesse sido adotada antes, talvez tivesse evitado o cenário de sofrimento financeiro em que se encontra.
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