
Brasil enfrenta gargalo histórico na armazenagem de grãos e busca soluções estruturais e financeiras
A agropecuária brasileira colhe uma safra recorde, mas não tem onde guardar toda essa produção. Estima-se que o país opere com uma defasagem de mais de 120 milhões de toneladas em capacidade de estocagem, o que compromete diretamente a eficiência da cadeia produtiva e gera perdas bilionárias. O cenário reacende debates sobre a urgência de investimentos robustos e políticas públicas mais alinhadas à realidade do campo.
Com uma colheita que já ultrapassa os 330 milhões de toneladas de grãos, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a infraestrutura disponível no país se mostra insuficiente: há apenas 210 milhões de toneladas em capacidade estática de armazenagem. Na prática, isso significa que 37% da produção nacional não encontra espaço adequado para ser estocada — um contraste marcante com os Estados Unidos, cuja capacidade supera em 30% o volume que produzem.
Esse descompasso tem gerado prejuízos expressivos. Somente por falhas logísticas e falta de estrutura de armazenamento, o Brasil perde anualmente cerca de 13% da produção agrícola — algo próximo de 36 milhões de toneladas, segundo estimativas da própria Conab. Traduzido em valores, são R$ 84 bilhões que escorrem entre as brechas de um sistema saturado.
Diante desse cenário, entidades do setor agropecuário têm pressionado por medidas concretas. A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), por exemplo, defende a criação de uma linha de crédito específica dentro do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), com juros e prazos compatíveis com as necessidades dos agricultores. A ideia é dar resposta à disparidade entre o crescimento da produção e a ausência de infraestrutura adequada para dar suporte ao escoamento e estocagem dos grãos.
Essa preocupação também chegou ao Congresso Nacional. O Projeto de Lei 1070/2024, apresentado pela deputada Professora Dorinha (União-TO), propõe reservar 10% dos recursos dos fundos constitucionais para financiar estruturas de armazenagem em regiões estratégicas. A proposta encontra respaldo em técnicos do setor e associações ligadas à logística agrícola, que consideram a medida urgente.
Durante um evento promovido pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), em Brasília, o diretor executivo da Aprosoja Brasil, Fabrício Rosa, apontou que seriam necessários R$ 15 bilhões por ano apenas para impedir o agravamento do déficit de armazenagem — mais do que o dobro do montante atualmente disponibilizado pelo Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), que conta com R$ 7 bilhões, dos quais somente R$ 3,5 bilhões realmente chegam às mãos dos produtores.
Segundo Rosa, a dificuldade de acesso ao crédito continua sendo um obstáculo. “Poucos conseguem aprovar projetos nos bancos, o que inviabiliza qualquer tentativa de ampliar a infraestrutura de estocagem nas propriedades rurais”, destacou. A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) estima que os investimentos só se tornam atrativos com juros entre 6% e 6,5% ao ano, enquanto as taxas do PCA variam de 7% a 8,5%. Para comparação, nos Estados Unidos os financiamentos operam com juros entre 4,6% e 4,75% ao ano e prazos de até 12 anos; na União Europeia, os encargos variam de 2% a 5%, com contratos que chegam a 10 anos.
A falta de silos dentro das propriedades rurais também complica o cenário. Atualmente, 84% da capacidade de armazenagem está fora das fazendas, concentrada em cooperativas, tradings ou áreas urbanas, o que obriga o produtor a escoar rapidamente sua safra, muitas vezes em condições desfavoráveis de mercado. “Nos EUA, mais da metade dos silos está dentro das propriedades, o que garante maior independência ao agricultor”, afirmou Rosa.
Armazenar na própria fazenda não é apenas uma questão de conveniência, mas uma estratégia de rentabilidade. O produtor que consegue reter sua colheita localmente evita perdas por umidade e impurezas, economiza com frete e tarifas de terceiros, e pode aguardar o melhor momento para vender, driblando a queda de preços típica do período de colheita. Essa prática também facilita o aproveitamento de resíduos agrícolas, que podem ser reutilizados na alimentação animal ou como matéria-prima para compostagem, reforçando o viés sustentável da operação rural.
O caso de Mato Grosso ilustra bem o desafio: líder nacional na produção de grãos, o estado enfrenta um déficit de armazenagem de aproximadamente 80 milhões de toneladas — o maior do país. Como coração do agronegócio brasileiro, o Centro-Oeste concentra a maior parte dos problemas estruturais e, por isso, é apontado como prioridade nas discussões sobre financiamento e políticas de incentivo.
A superação desse gargalo logístico exige mais do que boas intenções: demanda planejamento estratégico, acesso facilitado ao crédito e uma abordagem integrada entre setor público e privado. Se o Brasil quiser manter sua posição de destaque no agronegócio global, terá de investir com urgência na base que sustenta toda essa produção — a armazenagem.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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