Quais políticas (os) queremos para o Brasil?

“Brasil, o país do Futuro”, este é o título do livro escrito pelo austríaco Stefan Zweig durante a sua estadia no Brasil após se exilar por causa da II Guerra Mundial.

O autor estudou a história do Brasil, descreveu suas regiões, sua população e concluiu que o País tinha condições econômicas e sociais únicas para atingir um “futuro novo”, podia percorrer um caminho diferente daquele trilhado pelas nações europeias e pelo Estados Unidos. Um novo rumo para o desenvolvimento econômico e social seria possível por aqui, com um consenso social único no mundo.

Muitos brasileiros cresceram ouvindo este bordão, me incluo neste grupo, e crendo nisso. A geração que cresceu nos anos 1970 e 1980 enfrentou momentos difíceis, incertezas econômicas, profissionais, pessoais.

A situação começou a melhorar na década de 1990 e parece que esquecemos as dificuldades anteriores a partir dos anos 2000, tempos de expectativas positivas. Contudo, o “futuro novo” de Zweig parece não chegar.

Estes parágrafos, em tom biográfico, têm o objetivo de introduzir dúvidas que incomodam muitos acadêmicos no Brasil, o autor deste texto, inclusive.

Como chegar ao “futuro” se não sabemos o que queremos dele?

Como construir este objetivo se não temos clareza de quais instrumentos devemos utilizar e de qual o papel (direitos e deveres) de cada agente social nesta atividade?

O nosso desenvolvimento como Nação se caracterizou pela centralidade do Estado na adoção de políticas de desenvolvimento e planejamento com o objetivo de elevar a eficiência produtiva e o bem-estar social do País (equidade). Para isto, utilizou-se um rol de instrumentos de políticas públicas e econômicos (tributos, câmbio e moeda), além das políticas sociais, de saúde, de segurança pública e de educação.

Em termos econômicos, se diz que há um “trade off”, uma escolha entre a eficiência das políticas para resolver os problemas e a equidade social. Isto ocorre porque uma ação pública para resolver um problema econômico, social, setorial ou ambiental gera custos que são pagos pela sociedade como um todo ou por grupos específicos da mesma. Assim, pode-se dizer que nenhuma ação pública é de graça.

Da década de 1940 até a de 1980, o “Estado Desenvolvimentista” implementou um conjunto de políticas que promoveram o desenvolvimento industrial do Brasil e atenderam aos interesses de certos agentes econômicos, desde os trabalhadores urbanos dos setores modernos, passando pelos pequenos e médios empresários e chegando até as grandes empresas nacionais e internacionais.

Financiamentos para as empresas por meio do BNDES, financiamento habitacional e incentivos fiscais para a compra de automóveis foram algumas das medidas adotadas e que beneficiaram a “classe média”, enquanto que algumas categorias sociais ficaram à margem do processo. O “bolo” estava crescendo e seria dividido depois de pronto.

A mudança do papel do Estado nos anos 1990 e os problemas fiscais mudaram este panorama e os tempos de bonança se instalaram a partir dos anos 2000, reduzindo os conflitos potenciais entre os agentes e não permitindo contestação sobre as políticas sociais, de distribuição de renda e de redução de disparidades regionais adotadas neste período. O “bolo” parecia estar sendo dividido. Surgiu uma “nova classe média”, com poder de compra crescente, demandando serviços, produtos, moradia e educação.

A recessão econômica dos últimos anos evidenciou a fragilidade das políticas adotadas. A “nova classe média” perdeu o emprego e, consequentemente, o poder de compra e isto evidenciou as divergências sobre os rumos das políticas públicas e a falta de consenso sobre os rumos do País.

Estas divergências se materializam com as discussões sobre o tamanho do Estado, a reforma da previdência, reforma trabalhista, políticas sociais afirmativas, como as cotas para o acesso a universidades e concursos públicos. As posições opostas sobre as soluções para estes problemas são tantas que não se avançou o suficiente, as incertezas persistem e as contas públicas se deterioram.

A greve dos caminhoneiros há algumas semanas expôs as nossas mazelas para o mundo. Há muitos anos o Brasil não passava por uma crise de desabastecimento tão grave e com impactos tão amplos. As medidas adotadas estão se mostrando pouco eficientes para resolver a questão e a insatisfação se ampliou. Além dos caminhoneiros, os empresários de vários segmentos e a população em geral também estão sendo prejudicados com as alterações de preços e a redução de incentivos fiscais.

A insatisfação é geral.

Precisamos encontrar uma forma de conciliar a eficiência das políticas com a busca da equidade social, mas isto não será feito sem um diagnóstico claro do problema e de suas causas, com a escolha dos instrumentos corretos e com a discussão das várias opções possíveis e dos impactos para cada um. Infelizmente, sem uma reforma do Estado, isto não parece possível.

Precisamos superar a tradição de debates eminentemente políticos, sem uma base de dados clara, confiável e que possibilita um real panorama das causas do problema. Em minha opinião, é por isso que sempre sentimos a sensação de que os problemas não se resolvem e que são sempre os mesmos. E é dessa incapacidade de apreendermos com o passado que continuamos a incorrer com os mesmos erros continuamente.

Em suma, precisamos desenvolver as coesões social e política que nos permita tecer um contrato social que norteie um objetivo comum para o Brasil, fazendo com que o questionamento primal não seja “o que o Brasil espera para o futuro” e, sim, “como o Brasil pretende alcançar esse futuro”.

Por Carlos Eduardo de Freitas Vian
Professor da Esalq/USP e pesquisador do Cepea
cepea@usp.br
Data de publicação: 19/07/2018

Fonte: Cepea

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