Rastreabilidade bovina avança lentamente e falta de informação trava adesão dos pecuaristas

Exigida por mercados internacionais e cada vez mais decisiva para a competitividade da carne brasileira, a rastreabilidade bovina esbarra em desinformação, baixa assistência técnica e dificuldades práticas no campo, sobretudo entre pequenos e médios produtores

A rastreabilidade bovina deixou de ser apenas um diferencial de mercado e passou a ocupar posição estratégica dentro da pecuária brasileira. Em um cenário global cada vez mais atento à origem da carne, à sustentabilidade, ao controle sanitário e à transparência da produção, identificar individualmente cada animal se tornou uma exigência crescente de importadores, frigoríficos e consumidores.

No entanto, apesar da relevância do tema, a adoção da rastreabilidade ainda avança de forma lenta e desigual no Brasil. O principal entrave não está na resistência do produtor ao conceito, mas sim na falta de informação clara, orientação técnica contínua e apoio prático para implementar o sistema no dia a dia das propriedades, especialmente entre os pequenos e médios pecuaristas.

PNIB busca unificar o sistema, mas adaptação exige tempo

Para enfrentar esse desafio, o governo federal lançou, em 2024, o Plano Nacional de Identificação de Bovinos e Búfalos (PNIB). A iniciativa tem como objetivo garantir a rastreabilidade completa dos animais, do nascimento ao abate, criando uma base nacional integrada de informações sanitárias, produtivas e de movimentação.

Apesar do avanço institucional, especialistas do setor alertam que o produtor rural ainda precisa de mais tempo para compreender o funcionamento do sistema e atender a todas as exigências. Esse cenário contribuiu para que o governo do Pará decidisse adiar para 2030 o início da obrigatoriedade da rastreabilidade do rebanho, que estava prevista para entrar em vigor em janeiro de 2027.

Para a gerente executiva da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS), Michelle Borges, o adiamento foi uma decisão acertada. Segundo ela, o prazo adicional permite amadurecer o sistema e preparar melhor os produtores. “Para os grandes produtores, a rastreabilidade já faz parte da rotina. O maior desafio está entre pequenos e médios”, avalia.

Histórico do Sisbov mostra que só criar regras não garante adesão

As discussões sobre rastreabilidade na pecuária brasileira não são recentes. Ainda nos anos 2000, foi criado o Sistema Brasileiro de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (Sisbov), voltado principalmente para mercados específicos de exportação. Apesar de sua importância, o sistema teve adesão limitada.

Entre os fatores que dificultaram seu avanço estiveram problemas de fiscalização, auditorias complexas, falhas na investigação de origem em casos sanitários e baixa integração de dados. O histórico reforça que apenas a criação de um sistema não é suficiente se o produtor não recebe suporte técnico adequado e orientação contínua.

Diferenciar quem faz a lição de casa é essencial

Na avaliação da MBPS, um dos pontos centrais da rastreabilidade é permitir a diferenciação dos produtores que cumprem as exigências daqueles que ainda não conseguiram se adequar. Segundo Michelle Borges, muitos pecuaristas já enxergam o tema como uma oportunidade estratégica.

“O mercado e os elos da cadeia evoluíram muito. Para muitos produtores, a rastreabilidade representa a chance de continuar no mercado nacional e, ao mesmo tempo, acessar novos mercados”, destaca.

A executiva lembra ainda que o Brasil não está isolado nesse processo. A União Europeia, por exemplo, também adiou a implementação de regras ambientais mais rígidas para ajustar procedimentos e evitar impactos desproporcionais sobre os produtores.

Rastreabilidade bovina vai além da pauta ambiental

Outro ponto que precisa ser melhor compreendido no campo é que a rastreabilidade não deve ser vista apenas como uma exigência ambiental. Para a MBPS, trata-se, прежде de tudo, de uma ferramenta de gestão e sanidade animal.

Em um país de dimensões continentais, com diferentes biomas, sistemas produtivos e níveis tecnológicos, a rastreabilidade bovina permite maior controle sanitário, resposta mais rápida a crises e melhor organização da cadeia produtiva.

O problema, segundo especialistas, é que muita informação equivocada ainda circula no meio rural, gerando insegurança. “O produtor é desconfiado por natureza. Por isso, a informação precisa chegar de forma clara, objetiva e adaptada à realidade de cada perfil produtivo”, reforça Borges.

Falta de assistência técnica segue como principal gargalo

Mesmo com incentivos e linhas de financiamento, a rastreabilidade bovina dificilmente avança sem assistência técnica permanente. Muitos produtores não conseguem aderir ao sistema porque não sabem como aplicá-lo corretamente ou sequer têm conhecimento de pendências regulatórias existentes em suas propriedades.

“Não adianta ter acesso a incentivo se o produtor não sabe como utilizar”, alerta a gerente da MBPS, destacando que a ausência de acompanhamento técnico contínuo é um dos principais entraves para o avanço do sistema no país.

Estudo aponta caminhos para destravar a rastreabilidade bovina

Diante desse cenário, a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável lançou o estudo “Incentivos à rastreabilidade na pecuária do Pará”, elaborado pela Agroicone com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). O levantamento aponta que a rastreabilidade pode se tornar uma ferramenta estratégica para ampliar a sanidade, garantir transparência e destravar mercados.

Entre as propostas estão incentivos econômicos, integração de bases de dados e fortalecimento institucional, além da criação de uma plataforma integrada de rastreabilidade bovina, reunindo informações de sanidade, origem, conformidade ambiental e movimentação animal.

Segundo a MBPS, dados padronizados e transparentes facilitam o acesso ao crédito, estimulam investimentos produtivos e fortalecem políticas públicas, criando um ciclo virtuoso para toda a cadeia da pecuária.

Exigência irreversível, mas com potencial estratégico

Para especialistas, a rastreabilidade bovina é um caminho sem volta. O desafio do Brasil está em transformar a exigência regulatória em uma oportunidade de gestão, competitividade e acesso a mercados, garantindo que pequenos e médios produtores tenham condições reais de se adaptar.

Com informação correta, assistência técnica contínua e sistemas eficientes, a rastreabilidade deixa de ser vista como custo e passa a se consolidar como uma ferramenta estratégica para o futuro da pecuária brasileira.

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