Recuperação Judicial no agronegócio não é o fim da linha

Ao contrário do que muitos pensam, a Recuperação Judicial não é sinônimo de encerramento das atividades; entenda o cenário brasileiro e como as empresas devem superar a crise

Por Marco Aurélio Mestre Medeiros* – Historicamente associado à força e à resiliência, o agronegócio brasileiro atravessa ciclos econômicos desafiadores que, por vezes, colocam em xeque a saúde financeira de produtores rurais. Com oscilações nos preços das commodities, aumento do custo de insumos, instabilidade cambial e impactos climáticos severos, muitos agricultores e pecuaristas, sejam pessoas físicas ou jurídicas, têm se deparado com dificuldades para honrar seus compromissos. Nesse contexto, a recuperação judicial, ainda cercada de tabus, surge como uma ferramenta estratégica para manter a produção e reorganizar a vida financeira do campo.

Nos últimos anos, o número de pedidos de recuperação judicial no setor cresceu consideravelmente. Dados da Serasa Experian mostram que o agronegócio foi o setor com maior aumento percentual de pedidos em 2024: alta de 138% em relação ao ano anterior.

Ao contrário do que muitos pensam, a Recuperação Judicial não é sinônimo de encerramento das atividades. Na verdade, trata-se de um instrumento previsto na Lei 11.101/2005 (atualizada pela Lei 14.112/2020) que tem como objetivo viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, preservando a empresa, os empregos e o cumprimento de suas funções sociais. No caso do agronegócio, a lei estendeu esse direito também ao produtor rural pessoa física, desde que comprove exercício regular da atividade por pelo menos dois anos.

Entre as vantagens do pedido de recuperação judicial, destaca-se a suspensão das execuções judiciais e medidas expropriatórias, uma vez que o produtor ganha um período de 180 dias (prorrogável) durante o qual as cobranças e penhoras ficam suspensas. Isso evita a perda de bens essenciais à continuidade da produção, como máquinas, equipamentos, fazendas e rebanhos.

Além disso, a negociação coletiva com credores permite a reestruturação das dívidas com prazos mais longos, descontos e carências, mediante aprovação do plano de recuperação em assembleia de credores. É uma alternativa muito mais viável e ordenada do que tentar negociar individualmente.

A lei garante a continuidade da produção, o que mantém o giro de caixa e a capacidade de gerar receita, essencial para o pagamento das dívidas e para a retomada do crescimento. O processo força o produtor a rever práticas administrativas, rever contratos, reduzir custos e profissionalizar a gestão. É, portanto, uma chance real de recomeçar de forma mais sólida.

Mais do que uma medida jurídica, a Recuperação Judicial é um instrumento de política agrícola moderna, pois protege a cadeia produtiva e o abastecimento. Quando um produtor quebra, o impacto não se limita à sua família, atinge fornecedores, funcionários, cooperativas, transportadores, o comércio local e, em última instância, a população que consome os produtos.

O preconceito contra o instituto da Recuperação Judicial no campo precisa ser superado. Em vez de ser vista como sinal de fracasso, essa ferramenta deve ser compreendida como um ato de coragem e responsabilidade, capaz de preservar a função econômica da propriedade rural, manter empregos e dar fôlego para que os produtores honrem seus compromissos e sigam produzindo.

O agronegócio brasileiro é um dos mais potentes do planeta, mas também precisa de amparo legal em tempos de crise. E a recuperação judicial, nesse sentido, não é o fim, mas sim a chance de um novo começo. É hora de encarar essa realidade com menos preconceito e mais estratégia.

Marco Aurélio Mestre Medeiros é advogado especializado em recuperação judicial

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