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Reuters: Alinhada com Bolsonaro, cooperativa de indígenas de MT conquista 1º financiamento

Em Campo Novo do Parecis, a noroeste do principal Estado agrícola do Brasil, os indígenas atuam em áreas dominadas por lavouras de grande escala.

Indígenas da etnia Haliti-Paresi, que iniciaram atividades agrícolas comerciais com soja em Mato Grosso há cerca de duas décadas e hoje atuam em cooperativa e com modernas colheitadeiras, conseguiram seu primeiro financiamento em dinheiro na safra 2022/23, disseram à Reuters os envolvidos.

O movimento da cooperativa Coopiparesi está alinhado a parte das ideias defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro, de que indígenas devem ter direito de explorar comercialmente suas terras. Organizações que reúnem povos tradicionais e ativistas, no entanto, advertem que o caso de sucesso comemorado pela comunidade não pode ser usado para impor modelos únicos de desenvolvimento que eventualmente afetem os direitos territoriais dos indígenas e o meio ambiente.

Estabelecidos na importante região produtora de soja, milho e algodão, em Campo Novo do Parecis, a noroeste do principal Estado agrícola do Brasil, os indígenas atuam em áreas dominadas por lavouras de grande escala. E afirmam que, desde o início, em 2003, não restaram muitas opções a não ser avançar em uma agricultura com moldes comerciais.

Hoje estão satisfeitos com os resultados, pois todos os lucros são divididos e reinvestidos na comunidade da Coopiparesi, composta por mais de dez aldeias e aproximadamente 300 integrantes.

Atualmente, os associados da Coopiparesi e outras três cooperativas indígenas que plantam em áreas próximas aos municípios de Campo Novo do Parecis e Sapezal (MT) –com cerca de 4 mil pessoas, incluindo etnias como Nambikwara e Manoki– só conseguem realizar agricultura comercial legalmente após terem assinado em 2019 um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal, o órgão ambiental Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

“A postura do governo federal atual foi de fundamental importância para conseguir a abertura para conseguir regularizar esse processo, o governo anterior tinha posição bastante conservadora sobre a experiência nos Parecis, então o processo deu uma avançava”, disse Genilson Kezomae, diretor financeiro da Coopiparesi, por telefone.

Segundo ele, antes a comunidade “não conseguia audiências nos ministério da Justiça, da Agricultura e do Meio Ambiente”.

“No caso do atual governo, conseguimos falar com todas instâncias”, disse Kezomae, ressaltando que a comunidade está “otimista” com a obtenção de licenças para a definitiva regularização da atividade até o final do próximo ano, quando expira o TAC.

Segundo ele, a soja cultivada na região indígena pelas cooperativas, limitada pelo TAC a cerca de 20 mil hectares, ou pouco mais de 1,5% da reserva de 1,3 milhão de hectares, é “legal” por efeito do termo assinado com as autoridades. Mas as comunidades buscam autorizações definitivas para dar voos mais altos, eventualmente conseguindo prêmios para a grão em relação ao valor do mercado, pelo fato de a produção ocorrer em áreas indígenas e ser toda ela não transgênica.

Antes do pacto com as autoridades, as comunidades locais tinham sido multadas por autoridades em milhões de reais pelo plantio irregular de transgênicos em área da reserva e por parcerias com produtores não indígenas.

O TAC prevê uma série de condições para a formalização da produção, lembrou o diretor de operações da Creditares, Daniel Latorraca, sócio fundador da fintech especializada no segmento de crédito agrícola que trabalhou na obtenção do financiamento da Coopiparesi junto à Sicredi Sudoeste MT/PA.

“Por exemplo, eles só plantam soja convencional, tem uma parte da produção que é para a subsistência da comunidade, todas as pessoas são indígenas, é um caso único no país, é o primeiro caso (de financiamento), e esperamos que sirva de exemplo”, disse Latorraca, cuja fintech busca, no futuro, estruturar operações financeiras mais sofisticadas, como o primeiro Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) “indígena sustentável” do Brasil.

Os envolvidos no financiamento não divulgaram os valores ou as taxas da operação, mas se trata de um empréstimo nos moldes do realizado para uma cooperativa com recursos repassados pelo governamental Plano Safra às instituições financeiras. O próprio TAC prevê que o dinheiro tenha o “carimbo” oficial.

Alavanca de negócios

“O financiamento era o último passo que faltava para a cooperativa, que precisa do recurso para ter a produção”, destacou Latorraca, explicando que antes a Coopiparesi só se financiava via “barter”, operações de troca de insumos agrícolas por produtos colhidos. Esse sistema é comum no Brasil, mas como a cooperativa só atuava dessa forma –diferentemente de outros produtores, que contam com outras formas de financiamento–, seus ganhos ficavam limitados.

Agora os integrantes da Coopiparesi, que atua em 3,5 mil hectares dos 20 mil utilizados pelos indígenas na área, esperam alavancar seus ganhos, uma vez que o financiamento para a safra 2022/23, cujo plantio começa neste mês, vai dar maior flexibilidade na operação.

Na última safra, disse o diretor-presidente da Coopiparesi, Lucio Ozanaezokaese, a cooperativa colheu 183 mil sacas de 60 kg de soja, obtendo lucros equivalentes de 5 a 6 sacas por hectare, ou cerca de 10% da produção colhida em um hectare após descontadas despesas e investimentos.

Com a flexibilidade dada pelo financiamento, Ozanaezokaese estima que esse ganho pode aumentar em 3 a 4 sacas por hectare. “Com os recursos, deixamos de fazer a venda antecipada via ‘barter’. A lucratividade vai aumentar, pois deixamos de captar recursos de forma mais cara”, comentou.

Ele acrescentou que a cooperativa também faz uma segunda safra de milho, incluindo a variedade para pipoca, e feijão, contando com máquinas modernas, com sinais digitais, computador de bordo e piloto automático para as atividades agrícolas. A cooperativa também tem investido cada vez mais em defensivos biológicos, para reduzir o uso de pesticidas químicos.

“Pelo fato de ser terra indígena, talvez possamos trabalhar em um selo, é uma soja convencional (não transgênica), fazemos uso de insumos biológicos… dá pra trabalhar isso, uma soja diferenciada, acredito que ganharia mercado futuramente”, afirmou ele, explicando que tais avanços poderiam até romper barreiras que hoje existem na exportação, por temores sobre a reação dos consumidores em países como a França, que adota postura crítica sobre o plantio em áreas sensíveis.

Mas há pontos positivo: todo o ganho é revertido para a comunidade indígena de forma igualitária, disse o presidente da cooperativa. É o chamado “repasse social”, per capita, não importando a idade ou o cargo da comunidade. “O valor repassado é o mesmo”, afirmou, independentemente de ser cacique ou não.

Na safra passada, esse repasse foi de cerca de 7 mil reais per capita, e ainda sobrou recurso para investimentos na comunidade, maquinários, ou outras atividades com criações ou cultivos como tubérculos para consumo nas aldeias, afirmou Ozanaezokaese.

Segundo ele, a multa por atividade irregular já foi paga e é coisa do passado, com a cooperativa garantindo um horizonte melhor. Os indígenas dessa região de Mato Grosso firmaram o TAC de forma pioneira, e há etnias em outros Estados, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul que buscam caminho semelhante.

Respeito à diversidade

Mas a exploração comercial de terras indígenas não é unanimidade, mesmo entre muitas lideranças. Algumas defendem o direito de cada povo decidir o que é melhor para sua comunidade, mas refutam imposições de modelos únicos, considerando que os povos tradicionais são diversos, vivendo em diferentes biomas no país, tendo sido atingido de formas variadas pelo contato com os colonizadores brancos.

O governo Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei para regulamentar a exploração comercial de terras indígenas inclusive para o garimpo, e o tema está parado no Congresso. Um dos pontos mais controversos do texto é o que prevê que o presidente possa pedir autorização dos legisladores para instalar atividades econômicas em territórios indígenas mesmo se as comunidades relacionadas forem contrárias.

O uso comercial da terra indígena por alguns é uma escolha que deve ser respeitada, mas não pode ser tratado como a única opção nem ser um modelo imposto por governos, disse uma liderança indígena de Mato Grosso, Eliane Xunakalo, candidata a deputada estadual pelo PT.

Para ela, há outras alternativas e esse agronegócio indígena não deve ser visto como a solução para todos os problemas dos povos tradicionais, que são diversos e têm necessidades muito peculiares, dependendo da região.

No Xingu, a Nordeste de Mato Grosso, a visão sobre o uso da terra é outra, citou Xunakalo, dizendo o mesmo dos indígenas do Médio Araguaia. “Somos extrativistas, praticamos agricultura familiar, mexemos com mel, mexemos com cadeias de valores que precisam de vontade política para que isso aconteça”, disse ela, que não admite que direitos sejam usados como moeda de troca.

“Não podemos deixar que governos ou partidos utilizem isso para negociar direitos, especialmente direitos sobre territórios, o território para nós é dignidade humana”, afirmou Xunakalo, lembrando que os indígenas de região dos Parecis já atuam dessa forma há muitos anos, embora agora tenham se tornado instrumento de “marketing” de Bolsonaro.

Fonte: Reuters
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