Semana do Meio Ambiente: entre a COP 30 e a captura verde do Poder Judiciário

O marketing oficial [da COP 30] é impecável: o país do “futuro verde”, o governo da “transição ecológica”, o Judiciário da “justiça climática”. Mas, por trás da cortina, algo muito mais sombrio se desenha.

É junho de 2025. O Brasil brilha sob os holofotes da comunidade internacional por sediar a COP 30, em Belém do Pará — um símbolo potente da Amazônia, da biodiversidade e da promessa de liderança ambiental. O marketing oficial é impecável: o país do “futuro verde”, o governo da “transição ecológica”, o Judiciário da “justiça climática”.

Mas, por trás da cortina, algo muito mais sombrio se desenha: o avanço silencioso de uma doutrinação institucional dentro do próprio Poder Judiciário, com protocolos, manuais e enunciados que violam frontalmente a independência funcional do juiz e transformam a toga em avental ideológico.

O alerta não é retórico. Em dezembro de 2024, o sistema de justiça protagonizou a chamada I Jornada de Justiça Climática e Transformação Ecológica, um evento que reuniu magistrados, membros do Ministério Público, juristas “verdes” e ativistas institucionais para formular 38 enunciados “não vinculantes”. O problema não está no debate — que é legítimo —, mas na ausência de pluralidade e no conteúdo direcionado das teses.

Onde estavam os representantes do setor produtivo? Os especialistas em direito administrativo, processual e constitucional? Os estudiosos da segurança jurídica, da proporcionalidade sancionatória, da tutela do contraditório em matéria ambiental? Silêncio. A mesa foi posta, mas os convidados foram selecionados. O resultado? Um conjunto de “orientações” com pretensão normativa e evidente viés antieconômico e ideológico.

Um dos enunciados recomenda que o juiz leve em conta o “potencial de prestação de serviços ambientais da área” ao analisar pedidos de desmatamento. À primeira vista, parece algo técnico. Mas, na prática, isso cria um viés: qualquer atividade econômica passa a ser vista como uma ameaça, mesmo antes de qualquer análise concreta. Outros enunciados vão além e sugerem que o juiz dispense perícia ou presuma automaticamente que há risco ambiental, o que facilita a concessão de liminares para embargar propriedades ou impedir atividades. São interferências sérias que limitam a liberdade do juiz de avaliar cada caso com base nas provas, e não em diretrizes genéricas elaboradas em encontros temáticos.

Tudo isso em um momento em que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia editado, em 2023, um protocolo de julgamento de ações ambientais, onde sugere aos juízes como avaliar provas, quando dispensar perícias e até como fundamentar decisões liminares. Em nome da celeridade e da “efetividade ambiental”, está-se minando a neutralidade decisória e pressionando o juiz a seguir diretrizes administrativas que não têm força de lei — mas operam, na prática, como obrigações tácitas.

E agora, com a COP 30 batendo à porta, esse processo se intensifica. Vemos tribunais organizando mutirões ambientais, com juízes sendo “capacitados” por técnicos do Ibama e do ICMBio, como ocorreu recentemente no TRF-1. É a tecnocracia ambiental comandando o conteúdo das decisões judiciais, enquanto a toga assiste de braços cruzados à erosão da sua autonomia.

É preciso dizer com todas as letras: isso não é evolução institucional. É padronização ideológica da função jurisdicional. Não se trata de negar a importância da proteção ambiental — que está no art. 225 da Constituição —, mas de afirmar que justiça ambiental não pode significar injustiça processual. A imparcialidade judicial exige liberdade para julgar, não submissão a manuais de Brasília.

A independência dos juízes não é ameaçada apenas por pressões externas, mas também por regras e orientações internas que, embora pareçam bem-intencionadas, acabam limitando sua liberdade. Hoje, essas diretrizes chegam com a aparência de modernização ou compromisso ambiental, mas, no fundo, criam caminhos pré-definidos para decisões que deveriam ser construídas caso a caso. O resultado é preocupante: o juiz deixa de julgar com base na realidade concreta e passa a seguir interpretações prontas, como se aplicasse um manual — o que enfraquece a própria ideia de justiça individualizada.

Imagine um juiz em Altamira, no Pará, julgando uma ação civil pública sobre supressão de vegetação. Antes mesmo de analisar o EIA-RIMA, ouvir os peritos ou compreender o impacto socioeconômico, ele já recebe um combo de diretrizes que presumem o dano, indicam o risco e dispensam a prova técnica. Se decidir diferente, será cobrado — não pela parte vencida, mas pelo sistema.

E qual é o resultado prático disso? Um Judiciário que troca a função constitucional de equilibrar direitos por um papel militante, subordinado a uma agenda política ou institucional. Um Judiciário que não ouve todos os lados, mas apenas os lados “certos”. Um Judiciário que rompe com o pacto republicano de separação de poderes e transforma o juiz em um gestor de política pública verde, em vez de intérprete da Constituição.

Nesta Semana do Meio Ambiente, em pleno ano da COP 30, o que o Brasil precisa reafirmar não é apenas sua vocação ambiental. É sua fidelidade à Constituição. Justiça é justiça. Não existe “justiça climática”, “justiça ecológica” ou “justiça restaurativa” sem o compromisso inegociável com o devido processo legal, a imparcialidade e a independência judicial.

A toga não pode ser usada como uniforme de campanha ambiental. Nem o Judiciário pode servir de trincheira institucional para guerras ideológicas, ainda que travadas em nome de causas nobres. O juiz não é agente do Ibama, nem assessor técnico do CNJ. É julgador. E, como tal, deve decidir livremente, com base na lei, nas provas e na consciência jurídica.

A legitimidade do Judiciário não vem da adesão a uma causa. Vem da confiança de que, independentemente da matéria, a decisão será justa, técnica e imparcial. Se perdermos isso, perderemos o próprio sentido da Justiça. E nem todas as florestas do mundo compensarão esse desmatamento da alma constitucional.

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