Tecnologia inédita permite identificar partículas aéreas do vírus da gripe aviária em apenas cinco minutos, abrindo caminho para respostas imediatas e mais eficientes contra surtos em granjas e fazendas leiteiras.
A circulação persistente da gripe aviária H5N1 altamente patogênica nos Estados Unidos ampliou o nível de alerta entre produtores e autoridades sanitárias. O vírus passou por mudanças relevantes no último ano, evoluindo para formas capazes de se espalhar por aerossóis, o que elevou o risco de transmissão para mamíferos — inclusive humanos — e tornou insuficientes os modelos tradicionais de vigilância baseados apenas em testes laboratoriais demorados.
Diante desse cenário, pesquisadores da Escola de Engenharia McKelvey da Washington University in St. Louis desenvolveram um biossensor capaz de detectar o H5N1 diretamente no ar, em tempo quase real. Os resultados do estudo foram publicados na ACS Sensors, consolidando a tecnologia como um avanço significativo na área de biossegurança e monitoramento ambiental.
Os métodos convencionais de diagnóstico, como a reação em cadeia da polimerase (PCR), continuam sendo o padrão-ouro para confirmação de infecções, mas podem levar mais de 10 horas entre coleta e resultado. Em um contexto de alta transmissibilidade, esse intervalo é considerado excessivo para evitar a propagação do vírus da gripe aviária dentro de uma instalação.
O novo biossensor reduz esse tempo para aproximadamente cinco minutos, permitindo identificar a presença do patógeno antes que o surto se amplifique. Além disso, a tecnologia não destrói a amostra coletada, possibilitando análises posteriores por métodos laboratoriais tradicionais, se necessário.
Quando o projeto teve início, o H5N1 era majoritariamente associado ao contato direto com aves infectadas. No decorrer da pesquisa, no entanto, o vírus apresentou mutações que ampliaram sua capacidade de transmissão, tornando o monitoramento ambiental ainda mais urgente.
Nos Estados Unidos, o acompanhamento oficial é feito pelo Animal and Plant Health Inspection Service (APHIS), ligado ao Departamento de Agricultura dos EUA. De acordo com dados recentes do órgão, ao menos 35 novos casos de H5N1 em bovinos leiteiros foram confirmados nos últimos 30 dias, distribuídos em quatro estados, com maior concentração na Califórnia. Esse avanço reforça a percepção de que as cepas atuais apresentam comportamento distinto e mais agressivo.
Hoje, ao suspeitar de infecção, o produtor precisa encaminhar o animal para laboratórios estaduais, um processo que pode ser lento e sujeito a atrasos, especialmente em momentos de aumento no número de ocorrências. Enquanto isso, as principais estratégias de mitigação seguem sendo quarentena, reforço de biossegurança, higienização rigorosa de instalações e equipamentos e, em situações extremas, abate em massa dos animais afetados.

Vacina em teste
Recentemente, o USDA também concedeu licença condicional para uma vacina contra a gripe aviária, buscando reduzir impactos sanitários e econômicos, sobretudo no setor avícola e no mercado de ovos.
O equipamento desenvolvido é portátil, compacto e pensado para produção em larga escala. A unidade integrada de amostragem e detecção tem tamanho aproximado ao de uma impressora de mesa e pode ser instalada em pontos estratégicos, como saídas de exaustão de granjas de aves ou instalações de gado leiteiro.
O sistema utiliza um amostrador ciclônico úmido de bioaerossóis, tecnologia inicialmente criada para a captura de partículas de SARS-CoV-2 no ar. O processo ocorre da seguinte forma:
- O ar potencialmente contaminado entra no equipamento em alta velocidade;
- Esse fluxo se mistura a um fluido que reveste as paredes internas;
- Forma-se um vórtice superficial, responsável por aprisionar os aerossóis virais;
- A cada cinco minutos, o fluido coletado é automaticamente encaminhado ao biossensor para análise.
Esse ciclo contínuo permite monitoramento ambiental em tempo real, sem necessidade de intervenção humana constante.
Para alcançar níveis elevados de precisão, a equipe de pesquisa trabalhou na otimização da superfície do biossensor eletroquímico, com foco em sensibilidade e estabilidade. O sistema foi projetado para detectar menos de 100 cópias de RNA viral por metro cúbico de ar, um patamar considerado extremamente baixo para vigilância ambiental.
O sensor utiliza aptâmeros, cadeias simples de DNA que se ligam de forma específica a proteínas virais. O principal desafio técnico foi fazer com que esses aptâmeros funcionassem de maneira confiável sobre um eletrodo de carbono puro de apenas 2 milímetros.
A solução veio com a modificação da superfície do eletrodo usando uma combinação de óxido de grafeno e nanocristais de azul da Prússia, o que ampliou a sensibilidade e a estabilidade do dispositivo. A funcionalização final foi realizada com glutaraldeído, permitindo a ligação eficiente dos aptâmeros ao eletrodo.
O sistema foi desenvolvido para funcionar de forma totalmente automatizada, sem exigir conhecimento técnico em bioquímica por parte do operador. Construído com materiais acessíveis, o biossensor fornece faixas de concentração do H5N1 no ar, alertando os responsáveis quando há aumento significativo da carga viral.
Esses dados funcionam como um indicador de risco sanitário, permitindo ações preventivas antes que a presença do patógeno atinja níveis considerados perigosos dentro da instalação.
Embora o foco inicial seja o H5N1, a arquitetura do biossensor permite adaptação para outros patógenos. A mesma tecnologia pode ser ajustada para identificar outras cepas de influenza, como H1N1, além de SARS-CoV-2 e bactérias como E. coli e Pseudomonas em sua fase de aerossol.
Essa flexibilidade transforma o equipamento em uma plataforma de vigilância sanitária aérea, com potencial para uso integrado em diferentes cadeias produtivas.
A equipe de pesquisa já trabalha na viabilização comercial do biossensor, com apoio da Varro Life Sciences, empresa de biotecnologia sediada em St. Louis que prestou consultoria durante o desenvolvimento do projeto. O financiamento do estudo foi realizado pelo Flu Lab.
Em um momento em que sanidade animal, segurança alimentar e saúde pública estão diretamente conectadas, tecnologias capazes de detectar vírus em minutos — e não em horas — representam uma mudança estrutural na forma de prevenir e conter surtos.
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