Sistema de bioflocos torna produção de tilápia mais sustentável e econômica em uso de água

A pesquisa atual é uma continuidade de trabalhos iniciados há três anos que já havia comprovado vantagens dessa tecnologia.

Estudo coordenado pela Embrapa Meio Ambiente (SP) em parceria com a Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu (PR), demonstrou que o sistema de bioflocos (BFT) permite uma produção intensiva com mínimo uso de água, alto aproveitamento de nutrientes e menor potencial de contaminação ambiental, consolidando-se como uma tecnologia estratégica frente aos desafios da produção de proteína animal. A pesquisa atual é uma continuidade de trabalhos iniciados há três anos que já havia comprovado vantagens dessa tecnologia (matéria aqui).

Tainara Blatt, técnica agrícola da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Agricultura de Foz do Iguaçu, explica que, durante 70 dias de cultivo experimental em tanques circulares de 4,2 m³ cada, foram produzidos quase 5 mil alevinos de tilápia em cada tanque. A produção foi mantida em alta densidade: cerca de 395 peixes por metro cúbico. Ao fim do período de cultivo, foram observados taxa de sobrevivência de 98%, peso médio final de 20,4 gramas e conversão alimentar aparente de apenas 1,05 , o que significa que corresponde ao consumo de 1,05 kg de ração para converter em 1kg de peso. “Esses índices demonstram não só o bom desempenho zootécnico, como também a eficiência alimentar das tilápias no sistema BFT, que estão relacionadas com o consumo do floco microbiano com alimento complementar, que além de apresentar alto teor de proteína, possui também bactérias probióticas”, relata Blatt.

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Os pesquisadores utilizaram a análise do balanço de massa — baseada na lei da conservação de massa — para estimar as entradas (ração, água e biomassa de peixes inicial) e saídas de nutrientes (biomassa de peixes final, efluentes líquidos e sólidos), além de perdas ao longo do processo. “Esse tipo de abordagem permite avaliar com precisão a retenção de carbono, nitrogênio e fósforo e estimar o potencial de poluição”, destaca Alex Cardoso, pesquisador colaborador do projeto.

De acordo com a pesquisa, o BFT reteve 45,4% do nitrogênio, 46,3% do fósforo e 29,7% do carbono fornecidos principalmente pela ração. Ao fim do ciclo, a carga residual de nutrientes por tonelada de peixe, foram de 10,24 kg de fósforo, 46,63 kg de nitrogênio e 442,47 kg de carbono. “Esses valores são muito inferiores aos observados em sistemas tradicionais, como tanques-rede, que podem liberar até 18,25 kg de fósforo, 77.50 kg de nitrogênio e 700 kg de carbono por tonelada de tilápia produzida”, compara o pesquisador da Embrapa Hamilton Hisano.

Essa eficiência se deve à principal característica do BFT: a reciclagem de nutrientes pela ação de microrganismos que formam os bioflocos. O BFT utiliza apenas 135 litros de água por quilo de tilápia. A baixa necessidade de renovação hídrica e o reaproveitamento da água de cultivo reduz o risco de contaminação de corpos d’água e amplia a biossegurança, como também potencializa a utilização do BFT em regiões de escassez hídricas e também em regiões urbanas e periurbanas.

A água dos tanques foi monitorada continuamente, com controle rigoroso de temperatura, oxigênio dissolvido, sólidos suspensos e nutrientes. O equilíbrio do sistema foi mantido pela adição de açúcar como fonte de carbono, mantendo a proporção carbono:nitrogênio em 12:1. Essa estratégia favorece o crescimento bacteriano em detrimento de algas, como demonstrado pela queda progressiva nos níveis de clorofila-a ao longo do cultivo.

O estudo também aplicou indicadores de sustentabilidade divididos em categorias como uso e eficiência de recursos, liberação de poluentes e conservação da biodiversidade. O BFT obteve classificação de impacto moderado (nível 4) quanto ao risco à biodiversidade, inferior à dos sistemas abertos, que oferecem maior risco de escape de espécies e contaminação ambiental. “Como sistema fechado, o BFT proporciona maior controle sobre a produção e os resíduos gerados”, destaca Tainara Blatt.

Tecnologia apresenta elevado consumo de energia

Para André Watanabe e Celso Buglione da Itaipu Binacional, o principal desafio identificado foi o elevado consumo energético, estimado em 114,6 megajoules por quilo de peixe produzido — valor associado à necessidade de aeração contínua e manutenção das condições do sistema. Para ampliar a adoção do BFT, os pesquisadores apontam a urgência de investir em fontes de energia renováveis e no aprimoramento da eficiência dos equipamentos utilizados.

Resíduos podem se tornar fertilizantes ou ração

Outro destaque do trabalho foi a possibilidade de reaproveitamento dos resíduos sólidos removidos do sistema. Com potencial para serem transformados em fertilizantes ou ingredientes para ração, esses subprodutos podem agregar valor e contribuir para a circularidade da produção, reforçando o caráter sustentável do BFT.

Apesar da escassez de estudos que avaliem o sistema de forma integrada, os pesquisadores ressaltam que ferramentas como a análise do ciclo de vida e o cálculo da pegada de carbono podem ser incorporadas futuramente para mensurar com mais precisão os impactos ambientais da piscicultura em bioflocos.

Com base nos dados obtidos, os pesquisadores concluem que o sistema BFT oferece uma solução tecnicamente viável e ambientalmente mais segura para a intensificação da aquicultura. Seu uso racional de recursos naturais, a capacidade de reter nutrientes e o controle sobre os impactos ambientais o posicionam como alternativa estratégica para a produção de proteína aquática frente às pressões crescentes por segurança alimentar e preservação dos ecossistemas.

O estudo, reforça a importância de investimentos em pesquisa, monitoramento e inovação para aprimorar ainda mais a sustentabilidade dos sistemas aquícolas. Em regiões como o semiárido ou áreas periurbanas com uso restrito da água, o BFT pode representar a chave para uma aquicultura eficiente, ambientalmente responsável e alinhada às demandas do futuro.

Produtores aprovam a tecnologia

O trabalho com bioflocos na Embrapa Meio Ambiente começou em 2013 e ganhou novo fôlego com a parceria da Itaipu Binacional. Na vitrine tecnológica instalada na usina, tanques em funcionamento permitem validar a tecnologia em condições reais de produção.

Durante o International Fish Congress & Fish Expo Brasil (IFC Brasil 2025) foi realizado um dia de campo que reuniu mais de 30 participantes entre produtores, técnicos e estudantes. O evento apresentou conceitos básicos do BFT, monitoramento da qualidade da água e técnicas de manejo dos sólidos em suspensão, em atividades práticas e laboratoriais, aproximando a pesquisa do setor produtivo.

Valério Angelozi, produtor participante, destacou que as práticas apresentadas podem ser aplicadas de imediato. “As técnicas de manejo de água são fundamentais para o bem-estar dos peixes e evitam perdas. O sistema reutiliza a água e promove sustentabilidade. Já penso em construir uma unidade experimental na minha propriedade”, conta. O técnico da Embrapa Anibal Santos reforça que este tipo de evento aproxima os produtores das tecnologias que estão sendo geradas e fortalece a relação para potenciais parcerias.

Flávio Cesar Urizzi da SJ Fish foi convidado pela equipe para relatar sua experiência como produtor de tilápia em sistema BFT. Disse que pontos críticos da pesquisa coincidem com a vivência dos produtores, como a densidade adequada de peixes por metro cúbico. Isso é determinante para viabilizar financeiramente os projetos. “O sistema se destaca por manter alimento sempre disponível, resultando em peixes mais fortes e de maior qualidade. Os resultados apresentados pelas pesquisas da Embrapa e Itaipu confirmam nossa experiência prática”.

Participantes e artigo científico

O artigo científico pode ser acessado neste link.

Participaram do trabalho Tainara Laise da Silva Blatt da Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Agricultura de Foz do Iguaçu; Alex Júnio da Silva Cardoso e Hamilton Hisano da Embrapa Meio Ambiente, e André Luiz Watanabe e Celso Carlos Buglione Neto da Itaipu Binacional. 

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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