Decisão da Terceira Turma STJ afirma que apenas o arrendatário que exerce atividade rural pessoal e diretamente é que possui assegurado o direito de preferência na compra do imóvel, reforçando a importância de contratos bem elaborados no setor
A discussão sobre o direito de preferência na compra de imóveis rurais por arrendatários ganhou um novo e importante capítulo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em decisão recente, a 3ª Turma reafirmou que somente quem explora a terra de forma direta, familiar e eficiente — nos termos do Estatuto da Terra — tem direito prioritário de adquirir o imóvel arrendado. O entendimento traz impacto significativo às relações agrárias no país, especialmente em contratos de arrendamento rural, nos quais a fronteira entre investimento empresarial e atividade agrícola tradicional muitas vezes se confunde.
O caso analisado reflete um cenário frequente no agronegócio brasileiro: propriedades arrendadas a produtores que, embora atuem no ramo, não necessariamente exercem exploração direta da terra, condição essencial para ser considerado pelo Estatuto da Terra como beneficiário das garantias previstas.
Venda judicial e disputa pelo direito de preferência
A controvérsia teve início quando uma empresa em recuperação judicial solicitou autorização para vender uma fazenda como forma de pagamento aos credores. A Justiça autorizou a alienação, mas durante o procedimento três integrantes de uma família alegaram que eram arrendatários do imóvel e, portanto, teriam direito de preferência na compra, conforme o artigo 92, §§ 3º e 4º, do Estatuto da Terra.
Eles apresentaram uma proposta equivalente à da compradora e afirmaram não terem sido notificados previamente da intenção de venda — obrigação prevista na legislação agrária.
A empresa, por sua vez, contestou o pedido afirmando que o contrato de arrendamento já havia expirado meses antes da venda, e que, portanto, não existia direito de preferência a ser exercido. Após decisões divergentes em primeira e segunda instâncias, o caso chegou ao STJ.
O que diz o Estatuto da Terra: função social e exploração direta
O relator do processo, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que o direito de preferência não é automático. Segundo ele, o STJ já firmou precedentes no sentido de que a simples existência de arrendamento rural não configura, por si só, o direito de compra preferencial.
O fundamento central está na finalidade social do Estatuto da Terra, que destina seus benefícios ao “homem do campo”, figura jurídica associada àquele que:
- Explora pessoal e diretamente a terra
- Reside no imóvel ou o utiliza como meio de subsistência
- Cumpre a função social da propriedade rural
- Utiliza a terra de forma eficiente, racional e sustentável
Esse entendimento é reforçado pelo artigo 38 do Decreto 59.566/1966, que regulamenta o Estatuto e determina que as garantias agrárias se aplicam apenas a quem atua diretamente na lavoura, afastando investidores, empresários agrícolas ou proprietários de múltiplos imóveis.
No caso concreto, os autos mostraram que os recorrentes não residiam na fazenda e atuavam como empresários do setor agrícola, possuindo inclusive outros imóveis, o que descaracterizaria o perfil de agricultor familiar ou pequeno produtor exigido pela lei.
STJ: sem direito de preferência, deve prevalecer a melhor oferta na compra de imóvel rural
Com esse entendimento, o relator concluiu:
“Inexistindo o direito de preferência, fica estabelecida a concorrência entre os proponentes, de modo que aquele que oferecer o maior preço em benefício da recuperação judicial deverá ficar com o imóvel.”
Assim, o tribunal determinou que a venda deveria seguir com a melhor proposta financeira, priorizando o objetivo da recuperação judicial — que é satisfazer os credores da empresa.
Repercussão no setor: alerta para contratos e segurança jurídica
O julgamento, registrado no Recurso Especial n.º 2.140.209/SP, repercutiu entre especialistas em direito agrário por reforçar um movimento interpretativo mais restritivo das garantias do Estatuto da Terra.
Segundo o advogado Roberto Bastos Ghigino (HBS Advogados), a decisão demonstra que o direito de preferência:
- Não decorre automaticamente de um contrato de arrendamento,
- Depende do perfil do arrendatário, e
- Exige comprovação da exploração direta da atividade agrícola.
O especialista alerta para um ponto sensível: embora a decisão não tenha caráter vinculante, pode indicar uma tendência de limitar a aplicação das normas agrárias a produtores considerados hipossuficientes — aqueles que de fato dependem da terra como meio de vida.
Essa interpretação, segundo ele, contrasta com o espírito do Estatuto da Terra, que busca garantir:
- Continuidade da produção agrícola,
- Função social da propriedade,
- Estabilidade nas relações rurais,
- Segurança alimentar nacional.
Contratos de arrendamento bem redigidos podem evitar litígios
Um ponto crucial destacado por Ghigino é que, mesmo diante da posição do STJ, contratos podem assegurar o direito de preferência:
“O desfecho poderia ser diferente caso o contrato de arrendamento previsse expressamente o direito de preferência do arrendatário, independentemente da aplicação das regras do Estatuto”.
Essa recomendação vale também para outros direitos agrários, como:
- Retenção por benfeitorias
- Renovação automática
- Condições de uso e retorno do imóvel
Cláusulas claras e personalizadas fortalecem o arrendatário e reduzem a judicialização — ponto cada vez mais relevante em um setor que movimenta bilhões e depende de estabilidade jurídica para investimentos de longo prazo.
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