Suínos comem bolachas? Mito ou verdade?

O uso desses ingredientes requer padronização, rastreabilidade e fiscalização, conforme determina o MAPA, garantindo o cumprimento de padrões de umidade, proteína, lipídios, fibra e minerais.

Letícia Rodrigues Fernandes1, Stéfane Alves Sampaio2, Cibele Silva Minafra3, Ana Maria Vilas Boas Morais4, Marco Antônio Pereira da Silva5

O uso intensivo de ingredientes também consumidos por humanos, como milho e soja, torna a alimentação animal um ponto crítico para a sustentabilidade dos sistemas produtivos. A demanda global por proteína de origem animal deve crescer entre 60% e 70% nas próximas décadas, especialmente em regiões com instabilidade no acesso a alimentos, como países em desenvolvimento (MAKKAR, 2018).

Nos sistemas industriais de criação de suínos, os cereais correspondem a cerca de 60% da formulação das rações (GOVONI et al., 2023), aumentando a competição entre a nutrição animal e humana. O reaproveitamento de alimentos industrializados descartados, como produtos de panificação, pode reduzir essa competição e favorecer modelos produtivos mais sustentáveis. Entretanto, essas alternativas exigem avaliação nutricional cuidadosa, considerando a composição lipídica e seus efeitos sobre a carne e a microbiota intestinal dos animais (HARTINGER et al., 2024).

Essa estratégia está alinhada à Agenda 2030 da ONU, que incentiva a redução de perdas ao longo da cadeia produtiva de alimentos, ampliando a disponibilidade de alimentos, diminuindo impactos ambientais da produção agropecuária e minimizando perdas econômicas (FAO, 2021).

Os suínos são particularmente eficientes na transformação de sobras e excedentes alimentares em proteína de alto valor nutricional, mantendo os nutrientes ativos na cadeia produtiva e evitando desperdícios (TRETOLA et al., 2024). Sua natureza onívora e digestão versátil permite o aproveitamento seguro de subprodutos da indústria alimentícia, incluindo produtos de panificação, massas, resíduos de cereais, laticínios e outros alimentos fora do padrão de comercialização. Quando avaliados quanto à segurança microbiológica e qualidade nutricional, esses materiais podem ser incorporados à dieta, reduzindo custos e diminuindo a competição direta por grãos comestíveis (ENVIRONMENTAL LITERACY COUNCIL, 2025).

Os Produtos Alimentícios Antigos (FFPs), ou ex-alimentos, destacam-se como alternativa eficiente na nutrição de suínos. Devido ao seu alto valor energético, derivado de amido, açúcares simples e lipídios, e à boa digestibilidade, podem ser utilizados em dietas de leitões pós-desmame, fase que demanda ingredientes de alta energia (PAPATSIROS et al., 2025). A substituição parcial de ingredientes convencionais por farinha de padaria pode reduzir custos de produção em até 20% por kg de ganho em suínos em crescimento.

Fonte: Adaptado de PAPATSIROS et al., 2025.

Esses subprodutos passam por etapas de separação, moagem, mistura e remoção de umidade, tornando-se estáveis e seguros para formulação de ração. Regulamentados como insumos para alimentação animal, os FFPs são compostos por alimentos industrializados prontos para que deixam de ser vendidos devido a falhas de produção, armazenamento ou rotulagem, apesar de ainda apresentarem qualidade nutricional, não são resíduos, mas sim matérias-primas legalmente comercializáveis, permitindo reinserir alimentos de alto valor nutritivo na cadeia produtiva, reduzir perdas e promover economia circular (MALAMAKIS et al., 2023).

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), diversos resíduos da indústria de cereais e farinhas, como bolachas, pães, massas, tortilhas e panetones, são autorizados para alimentação animal, desde que os rótulos indiquem garantias mínimas de umidade, fibra bruta, proteína bruta, extrato etéreo e matéria mineral.

A produção de biscoitos envolve riscos que devem ser controlados antes de sua inclusão em rações. Durante fabricação, processamento e armazenamento, podem ocorrer contaminações físicas (fragmentos de vidro, metal, plástico), químicas (metais pesados) e biológicas (micotoxinas). O cozimento reduz a carga microbiana, mas pode gerar compostos indesejáveis, como acrilamida. Assim, mesmo produtos nutricionalmente interessantes devem ser avaliados quanto à segurança antes de serem utilizados (PASQUALONE et al., 2021).

Conclusão
Os suínos podem consumir bolachas, pães, massas e outros produtos de panificação, desde que esses materiais passem por avaliação, processamento e controle nutricional adequados. Não é mito que suínos os comem; o equívoco está em supor que isso possa ocorrer de forma indiscriminada e sem riscos.

O uso desses ingredientes requer padronização, rastreabilidade e fiscalização, conforme determina o MAPA, garantindo o cumprimento de padrões de umidade, proteína, lipídios, fibra e minerais. Quando respeitados os critérios técnicos e legais, os Produtos Alimentícios Antigos (FFPs) representam alternativa sustentável e economicamente viável, reduzindo desperdícios, promovendo economia circular e diminuindo a competição entre alimentação humana e animal.

Autores:

1Mestranda do curso de Pós-Graduação em Zootecnia, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano Campus Rio Verde. E-mail: lrleticiarodrigues028@gmail.com

2 Doutoranda do curso de Pós-Graduação em Agroquímica, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano Campus Rio Verde. E-mail: stefanesamp@gmail.com

3Professora no Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, Instituto Federal Goiano Campus Rio Verde, Rio Verde, GO, Brasil; E-mail: cibele.minafra@ifgoiano.edu.br 

4Mestranda do curso de Pós-Graduação em Zootecnia, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano Campus Rio Verde. E-mail: anamariavbm@outlook.com

5Professor no Programa de Pós-Graduação em Zootecnia, Instituto Federal Goiano Campus Rio Verde, Rio Verde, GO, Brasil; E-mail: marco.antonio@ifgoiano.edu.br

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Environmental Literacy Council. Do Pigs Ever Eat Meat? The Environmental Literacy Council, 2025. Disponível em: https://enviroliteracy.org/do-pigs-ever-eat-meat/

FAO. International Day of Awareness of Food Loss and Waste. FAO, 2021. Disponível em: https://www.fao.org/family-farming/detail/en/c/1245425/

GOVONI, C.; D’ODORICO, P.; PINOTTI, L.; RULLI, M. C. Preserving global land and water resources through the replacement of livestock feed crops with agricultural by‑products. Nat. Food, v. 4, n. 12, p. 1047‑1057, Dez. 2023. DOI: 10.1038/s43016‑023‑00884‑w. PMID: 38053006.

HARTINGER, K.; VÖTTERL, J. C.; KOGER, S.; KLINSODA, J.; SHARMA, S.; VERHOVSEK, D.; METZLER‑ZEBELI, B. U. Feeding of bakery products as replacement of cereal grains alter fecal microbiome and improve feed efficiency in fattening pigs. Frontiers in Sustainable Food Systems, v. 8, 09 out. 2024. DOI: 10.3389/fsufs.2024.1448608.

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MALAMAKIS, A.; PATSIOS, S. I.; MELAS, L.; DEDOUSI, A.; KONTOGIANN OPOULOS, K. N.; VAMVAKAS, K.; TSOTSOLAS, N.; KOUTSOURAK I, E.; SOSSIDOU, E. N.; BANIAS, G. F. Demonstration of an Integrated Methodology for the Sustainable Valorisation of Bakery Former Food Products as a Pig Feed Ingredient: A Circular Bioeconomy Paradigm. Sustainability, v. 15, n. 19, p. 14385, 2023. DOI: 10.3390/su151914385.

PAPATSIROS, V. G.; TSEKOURAS, N.; PAPAKONSTANTINOU, G. I.; KAMVYSI, K.; ELIOPOULOS, C.; FOTOS, L.; ARAPOGLOU, D.; MELETIS, E.; MICHAILIDIS, G.; GOUGOULIS, D. The Use of Food Industry By‑Products in Pig Diets as a Challenge Option to Reduce the Environmental Footprint. Agriculture, v. 15, n. 22, art. 2390, 2025. DOI: 10.3390/agriculture15222390.

PASQUALONE, A.; HAIDER, N. N.; SUMMO, C.; COLDEA, T. E.; GEORGE, S. S.; ALTEMIMI, A. B. Biscuit contaminants, their sources and mitigation strategies: a review. Foods, v. 10, n. 11, p. 2751, 2021. DOI: 10.3390/foods10112751. PMCID: PMC8621915.

TRETOLA, M.; MAZZOLENI, S.; SILACCI, P.; DUB OIS, S.; PROSERPIO, C.; PAGLIARINI, E.; BERNARDI, C. E. M.; PINOTTI, L.; BEE, G. Sustainable pig diets: partial grain replacement with former food products and its impact on meat quality. Journal of Animal Science, v. 102, 2024. DOI: 10.1093/jas/skae070. PMID: 38490265.

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